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Iniciativa Liberal: “Todos os países que adotam políticas liberais crescem mais”

Líder do Iniciativa Liberal, que concorre pela primeira vez a eleições legislativas, acredita que há a possibilidade de pela primeira vez na história da democracia portuguesa haver uma voz liberal no Parlamento. Em entrevista ao Jornal Económico, Carlos Guimarães Pinto fala dos ódios de estimação do Bloco de Esquerda e acusa a máquina do Estado de privilegiar sempre os mesmos e não favorecer a renovação.
  • “É uma imoralidade que o Estado português tenha reservado mais de oito milhões de euros para pagar campanhas dos partidos políticos numa altura em que falta material básico nos hospitais e temos a maior carga fiscal de sempre.”
30 Setembro 2019, 07h43

A Iniciativa Liberal obteve 29.120 votos nas europeias, com 0,88% do total. Tendo em conta que enfrenta um PSD mais à esquerda e um CDS-PP em manifestas dificuldades, se não conseguir duplicar ou mais o resultado nas legislativas terá sido uma oportunidade perdida?
Estamos a transmitir a nossa mensagem da melhor forma que conseguimos. Dado os entraves que temos, tentamos fazê-lo das formas que temos ao alcance, nas redes sociais e através dos cartazes, e nestes dois meios que só dependem de nós, da qualidade do nosso trabalho, temos entrado bastante bem e as pessoas admiram o nosso trabalho. Não me tenho queixado demasiado disso, mas é muito complicado entrarmos nos canais de televisão, pois os partidos sem representação parlamentar devem ter todos tratamento igual, e havendo 15 partidos nessa posição é muito difícil haver tempo de antena. Fazemos bem aquilo que depende bem e iremos fazê-lo até ao fim da campanha. Apresentamos uma alternativa ideológica, um conjunto de ideias que, sendo novas no país, já funcionaram lá fora.

Estão preparados para que seja um longo caminho, como foi o do Bloco de Esquerda, até à vossa afirmação no xadrez partidário?
Se olharmos para os partidos que tiveram sucesso na Península Ibérica, dos mais diversos quadrantes, do PAN ao Bloco de Esquerda ou ao Ciudadanos, todos levaram algumas eleições até conseguirem dar aquele grande salto. Francisco Louçã estava a candidatar-se desde os anos 80 e foi eleito pela primeira vez no final dos anos 90. Sabemos que o caminho pode ser longo, mas também temos uma pequena esperança de que possa ser encurtado, de que nestas eleições haja essa possibilidade de pela primeira vez haver uma voz liberal. É para isso que trabalhamos todos os dias, é para isso que temos a estratégia de comunicação que temos, que apresentamos as nossas ideias. É perfeitamente possível. As sondagens dizem que isso é possível. Não sabemos se a bipolarização que poderá acontecer nos últimos dias de campanha, como acontece em todas as campanhas…

Ainda agora aconteceu na Madeira.
A Madeira tem características especiais, mas é um risco que conhecemos: nos últimos dias toda a onda mediática anda em torno de quem vai ganhar, se PS ou PSD, e as pessoas sentem vontade de entrar na competição mesmo sabendo que as alternativas não são tão diferentes quanto isso. Temos visto os debates, que andam muito em torno de “eu tenho um Centeno e tu também”, “tu copiaste as minhas medidas e eu também”… Vê-se ali que pode haver alternância, mas não há uma verdadeira alternativa ideológica. Quando as pessoas ouvem dia após dia que isto é uma competição entre dois partidos sentem vontade de ter um papel nessa competição. E é isso que tem contribuído para este arrastar dos mesmos partidos no poder.

De qualquer forma, se das eleições de 6 de Outubro sair uma manutenção ou reforço da hegemonia da esquerda isso, paradoxalmente, pode ser positivo para a Iniciativa Liberal?
Só pode ser positivo para a Iniciativa Liberal se as ideias liberais vencerem. Não vencendo é sempre negativo, independentemente de quem governe. Disse isto logo quando entrei para o partido e tenho reforçado: somos primariamente um partido de ideias e queremos que essas ideias passem e comecem a ser absorvidos. Se certas ideias não passarem, e formos governados por partidos que não as defendam, terá sido negativo para nós.

É curioso que o vosso partido seja um ódio de estimação para o Bloco de Esquerda (BE) e grande parte do PS. Colam-vos à “alt right”, põem em casa o vosso financiamento… A que se deve toda esta atenção a um partido que ainda não tem deputados?
Penso que o receio é mesmo das ideias. Recebemos esse tipo de ódio do BE e do PS, que é mais visível – até porque são mais – mas também da extrema-direita ou da direita mais dura. Temos recorrentemente mensagens de militantes do PNR e do Chega nas redes sociais a chamarem-nos marxistas. Esse tipo de ódio é-nos dirigido não por temerem um enorme resultado da Iniciativa Liberal, mas porque nos veem como um partido de ideias e as ideias muitas vezes assustam mais. Mexer com este consenso socialista assusta mais do que propriamente alguém ter um resultado. Tivemos 0,88% nas europeias e no dia seguinte estávamos novamente a investir nas mesmas mensagens, reforçando-as. O receio que os políticos têm é que as pessoas se apercebam de que existe uma alternativa ideológica que funcionou. Pode ser nova aqui mas funcionou em todo o lado em que foi implementada. Haverá um dia em que as pessoas abram os olhos e se apercebam que existe uma alternativa. Algo que não é simplesmente teórico, que funcionou em muitos sítios. Podemos ter discussões teóricas acerca do liberalismo, mas há uma característica: o liberalismo funciona. É isso que tentamos explicar e que assusta as pessoas de esquerda.

Se os debates entre António Costa e Assunção Cristas já são muito crispados, o que aconteceria se debatesse com o primeiro-ministro?
Debatemos com base em factos e estatísticas. Muita da nossa comunicação é mostrar que o liberalismo funciona. Funcionou onde foi implementado e todos os países que adotam estas políticas crescem mais. Os países que hoje são mais ricos são os que adotaram estas políticas no passado e alguns ainda no presente. Não sei se seria crispado, mas António Costa teria, pela primeira vez, uma oposição ideológica a sério.

A medida em maior destaque no programa eleitoral do Iniciativa Liberal é a taxa única de 15% para o IRS em todos os rendimentos acima dos 650 euros. Isso não agrava ainda mais as desigualdades sociais?
Não. Primeiro, porque quem ganha mais continuaria a pagar mais. Quem ganha dois mil euros iria pagar cinco vezes do que ganha 800. Ainda haveria um aspeto redistributivo. Mas aquilo que defendemos é que a redistribuição deve ser feita na altura do fornecimento dos serviços públicos. Quem ganha mais paga mais, mas na altura de beneficiar dos serviços públicos todos beneficiam de forma igual, o que é algo que hoje não existe. Fala-se muitas vezes da redistribuição na altura das receitas, mas quem vive nos melhores bairros das cidades mais ricas tem acesso a melhor educação e saúde públicas. Um pai de uma criança da Amadora que queira pôr os filhos na melhor escola pública a que poderia ter acesso, uma aqui de Lisboa, como o Filipa de Lencastre, não pode. Porquê? Porque não existe liberdade de escolha. E nós defendemos isso, tanto na educação como na saúde, para que todos, independentemente do sítio onde moram e de quão rico é o seu pai ou a sua freguesia, possam ter acesso às melhores escolas. Para que as escolas sejam financiadas pelos alunos que atraem e não simplesmente por existirem, que os hospitais sejam financiados pelos cuidados que dão aos utentes e não simplesmente por existirem. Aí, sim, existe desigualdade. Vivi essa situação na pele porque cresci em Espinho, onde havia duas escolas: uma que era dedicada aos alunos das zonas mais ricas, e outra que recebia os das mais pobres. E as duas escolas eram praticamente lado a lado. Não havia diferenças de localização ou do que quer que seja. Simplesmente, decidiu-se que os alunos das freguesias em torno de bairros sociais deviam ir para uma escola, e os outros para outra. Era degradante. Uma escola era claramente desenhada para levar os alunos até à universidade e a outra, que era a minha, feita só para aguentá-los até acabarem a escolaridade obrigatória. Não tinha cantina, chovia dentro das salas e ninguém queria investir lá, os filhos dos professores dessa escola iam para a outra… E quando saltávamos para o nível da escola secundária os alunos que ficavam – na altura a escolaridade obrigatória era até ao 9.º ano – eram novamente divididos entre duas escolas: uma que era o Liceu, para onde iam os alunos da boa escola, e o outro que era chamado Industrial, onde estava o ensino profissional. Não havia escolha. A desigualdade que o Estado impõe é esta: é restringir o acesso ás melhores escolas, aos melhores hospitais, conforme ao sítio onde as pessoas moram. Não podemos aceitar isso.

Querem também garantir que qualquer processo de descentralização não resulta em duplicação de serviços e custos. O que dizem em relação à regionalização?
Antes de falarmos do modelo de descentralização, temos de falar dos princípios da descentralização. Um princípio é o da responsabilidade. Ou seja, que os órgãos locais sejam tão responsáveis pelas receitas, como pelas despesas. Os órgãos de poder local não podem ser, como são hoje, centros de despesa do Estado central. Isto retira qualquer tipo de incentivo à eficiência e torna os órgãos de poder local dependentes do Estado central, não existindo um efetivo poder local. Segundo, qualquer processo de descentralização deve ser neutro em termos fiscais. Isto é importantíssimo, não só para termos a despesa pública controlada, mas também a aceitação pública da descentralização, porque o maior argumento contra a descentralização (e que respeito) é de que vamos criar uma segunda camada de gastos públicos. Cada euro que vai na direção do poder local, seja que modelo for, tem de ser subtraído ao Estado central. Não pode haver outra questão. Irmos a correr para este modelo ou para aquele não vale a pena até decidirmos os pilares: responsabilização e neutralidade fiscal. A partir daqui, podemos construir qualquer modelo, desde que estes sejam os pilares.

Querem também o fim das subvenções vitalícias. Não é um contra-senso tendo em conta que a mandatária nacional do Iniciativa Liberal [Zita Seabra] é uma das beneficiárias?
Somos contra as subvenções vitalícias, e a própria Zita Seabra votou contra as subvenções vitalícias enquanto deputada. Na sua opinião, o direito existindo e ela estando nas mesmas condições para o receber que todas as outras pessoas, deve exercer esse direito. Por exemplo, eu uso autoestradas que acho que nunca deviam ter sido construídas, mas como estão lá uso-as. A Zita Seabra foi uma pessoa que aos 18 anos lutou contra o Estado Novo, aos 40 anos lutou contra o Comité Central do PCP e aos 70 anos abraçou esta luta, sem ter nada a ganhar. É uma pessoa com imensa coragem.

No sistema político defendem a limitação de mandatos universal para os cargos públicos de cinco anos. Isso não tornaria mais difícil a execução e conclusão de propostas?
Essa pergunta vai de encontro a uma ideia que gosto de contradizer, que é “a política é feita de pessoas”. Não deve ser. A política é feita de ideias. Temos ouvido muitas vezes que toda a gente conhece as ideias do Iniciativa Liberal, mas ninguém conhece o líder. Eu digo: ainda bem. A política deve ser feita de ideias acima de tudo e as ideias são independentes das pessoas que as apresentem. Estamos há demasiado tempo a discutir, em cada eleição, quem é mais sério, quem é menos sério. Tenho as minhas considerações pessoais sobre o doutor Rui Rio e António Costa, tal como muita gente. Mas e as ideias? São as ideias que governam o país, não são as pessoas  José Sócrates podia ter sido o primeiro-ministro mais sério e mais honesto do mundo que ainda assim teria arruinado o país, pois tinha as ideias erradas. Não foi pela sua eventual falta de seriedade e honestidade que o país faliu. Foi porque tinha ideias erradas. Temos de falar de ideias e as ideias são independentes das pessoas. O grande problema de termos sempre as mesmas pessoas é que elas agarram-se ao poder. O PS tem as mesmas pessoas há 20 anos. António Guterres, José Sócrates, António Costa. São exatamente as mesmas pessoas. São pessoas que não têm alternativa fora da política e, que mesmo fora da política, vão fazer política para conselhos de administração. Não queremos isso. Não queremos pessoas que dependam da política, porque estarão sempre agarrados a ela e vão ficar mais suscetíveis a manobras menos honestas e corrupção para se manterem na política. Daqui a importância de se ir mudando as pessoas, de vez em quando, porque o que é realmente importante são as ideias.

Pelo contrário, a Iniciativa Liberal, entre os seus candidatos, é muito marcada por ter pessoas ligadas à gestão de empresas privadas, com poucas ou nenhumas ligações ao Estado. Diria que no Estado não se aprende nada?
No Estado e nas empresas, aprende-se sempre. Aprende-se em todo o lado. O problema é que temos uma máquina do Estado, sobretudo nos quadros superiores de nomeação, que está infiltrada pelas mesmas pessoas há vinte anos. Isso não é um terreno fértil para irem buscar pessoas que querem alterar o estado das coisas. São as pessoas que têm trabalhado em empresas privadas e que, como eu, passaram muito tempo fora do país e que não dependem da atual máquina do Estado, que têm essa capacidade para alterar as regras.

Se lhe pedissem para fazer um retrato robô dos vossos militantes e apoiantes, o que diria?
Genericamente, são pessoas que não têm um grande passado na política e que têm carreiras, fora da política, com algum sucesso. Estão na casa dos 30/40 anos e agora decidiram vir para a política porque acham que podem fazer a diferença.

Se a Iniciativa Liberal não estivesse nos boletins de voto, o que acha que os seus apoiantes e dirigentes fariam nestas eleições?
Muitos possivelmente não votariam. Temos recebido muitas mensagens de apoiantes que dizem que não votaram nas outras eleições e que não votariam. Entre nós, haveria eventualmente quem votasse no PSD e PS e outros votariam em branco.

Uma coisa que provavelmente vos pode ser assacada ao final da noite eleitoral é que alguns deputados periclitantes do PSD e CDS poderão não ser eleitos nos seus círculos pela dispersão de votos, nomeadamente para a Iniciativa Liberal.
Isso é uma visão errada. Nós vamos buscar muitas pessoas que nunca votariam nesses partidos. É uma visão perigosa, porque, se assim for, coloca-nos numa prisão, onde nunca podemos fugir à alternância porque estamos a roubar o que quer que seja. Temos de pensar é em quem é que traz ideias novas, que podem mudar as coisas. Neste momento são zero votos para todos. Estamos a começar do zero e temos de olhar para as ideias, não para as marcas e para as caras.

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