Quando uma tecnologia tem a sua grande evolução, muitas vezes, esta apenas pode ser determinada em retrospetiva. No caso da inteligência artificial (IA) e de machine learning (ML) é diferente. ML é aquela parte da IA que descreve as regras e reconhece os padrões a partir de grandes quantidades de dados, de modo a prever dados futuros. Ambos os conceitos são praticamente omnipresentes e estão no topo da maioria dos rankings das palavras em voga.
Pessoalmente, penso – e isso está claramente ligado à ascensão de IA e ML – que nunca existiu um melhor momento do que hoje para desenvolver aplicações inteligentes e a utilizá-las. Porquê? Porque três coisas estão a confluir.
Em primeiro lugar, utilizadores em todo o mundo estão a captar dados digitalmente, seja no mundo físico através de sensores ou GPS, seja online através dos dados “click stream”. Como resultado, há uma massa crítica de dados disponíveis. Em segundo lugar, há capacidade de computação bastante acessível em nuvem para empresas e organizações, independentemente da sua dimensão, utilizarem aplicações inteligentes. E, em terceiro lugar, aconteceu uma “revolução algorítmica”, o que significa que é agora possível treinar milhares de milhões de algoritmos simultaneamente, tornando todo o processo de machine learning muito mais rápido.
Este último aspeto não só permitiu mais pesquisas como resultou em “massa crítica” no conhecimento que é necessário para dar o pontapé de saída no exponencial crescimento do desenvolvimento de novos algoritmos e arquiteturas.
Podemos ter feito um caminho relativamente longo ao nível da IA, mas o progresso chegou silenciosamente. Afinal, durante os últimos 50 anos, a IA e ML eram campos que apenas estavam acessíveis a um grupo exclusivo de investigadores e cientistas. Mas isso está a mudar, já que pacotes de serviços, estrutura e ferramentas de IA e ML estão atualmente disponíveis para todo o tipo de empresas e organizações, incluindo aquelas que não têm grupos de investigação dedicados a esta área.
Os consultores de gestão da McKinsey preveem que o mercado global de serviços, software e hardware com base em inteligência artificial, venha a crescer entre 15% a 25% por ano e atinja um volume de aproximadamente 130 mil milhões de dólares em 2025. Algumas startups estão a utilizar algoritmos de IA para todas as coisas imagináveis – desde procurar tumores em imagens médicas a ajudar pessoas a aprender línguas estrangeiras, passando pela automatização da gestão de sinistros em companhias de seguros.
Ao mesmo tempo, estão a ser criadas categorias completamente novas de aplicações através das quais uma conversação natural entre o homem e a máquina passou a estar no centro das atenções.
Progresso através de machine learning
Mas todo o entusiasmo em torno da IA e ML é justificável? Sim, porque oferecem à sociedade e ao mundo empresarial possibilidades absolutamente fascinantes. Com a ajuda da digitalização e computadores de alto desempenho, somos capazes de replicar a inteligência humana em algumas áreas, tais como, por exemplo, a visão por computador, e até mesmo superar a inteligência dos seres humanos.
Estamos a criar algoritmos muito diferentes para um leque extenso de áreas de aplicação e a transformar estas peças individuais em serviços, tornando o machine learning acessível a todos. Disponível em aplicações e modelos de negócio, o ML pode tornar a nossa vida mais agradável e mais segura. Por exemplo, a condução autónoma: 90% dos acidentes de viação nos EUA podem ser atribuídos a “falha humana”. Estima-se que o número de acidentes diminua a longo prazo se os veículos forem conduzidos de forma autónoma. Na aviação, isso já é uma realidade há muito tempo.
Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, pioneiros do MIT, previram que os efeitos macroeconómicos da chamada “segunda era da máquina” vão ser comparáveis aos que as máquinas a vapor de outrora desencadearam quando substituíram a força muscular dos seres humanos (“a primeira era da máquina”). Muitos sentem-se desconfortáveis com a ideia da existência de uma inteligência artificial ao lado da inteligência humana, o que é compreensível. Temos, portanto, de discutir – em paralelo com a evolução tecnológica – como é que os seres humanos e a IA podem coexistir no futuro; os aspetos morais e éticos que possam surgir; como garantir que temos um bom controlo sobre a IA; e quais os parâmetros legais de que necessitamos para gerir tudo isto.
Responder a estas perguntas será tão importante como o esforço para resolver os desafios tecnológicos, e nem os dogmas, nem a ideologia vão ajudar. Em vez disso, o que é necessário é um debate objetivo com uma base ampla, que tenha em conta o bem-estar da sociedade como um todo.
Machine Learning na Amazon
Durante os últimos 20 anos, milhares de engenheiros de software têm estado a trabalhar em ML, na Amazon. Ousamos afirmar que somos a empresa que há mais tempo tem estado a aplicar a IA e a ML, enquanto tecnologias de negócio. Sabemos que as tecnologias inovadoras disparam sempre quando deixam de existir barreiras à entrada para os participantes no mercado.
Tal verifica-se agora com a IA e o ML. Anteriormente, alguém que quisesse utilizar IA para si próprio teria que começar do zero: desenvolver algoritmos e alimentá-los com enormes quantidades de dados – mesmo que mais tarde fosse necessária uma aplicação para um contexto estritamente limitado. A isto é dada a designação de IA “débil”.
Muitas das interfaces que conhecemos hoje, tais como as de recomendações, semelhanças ou funções de preenchimento automático para previsão de busca – são todos decorrentes de ML. Entretanto, podem prever os níveis de inventário ou prazos de entrega do fornecedor, detetar problemas do cliente e automaticamente deduzir como resolvê-los; bem como descobrir produtos falsificados e gerir os comentários abusivos, de modo a proteger os nossos clientes contra fraudes. Mas isto é apenas a ponta do icebergue.
Na Amazon, lidamos com milhares de milhões de informações de dados em histórico referentes a encomendas, o que nos permite criar outros modelos a partir de IA/ML, com base, por sua vez, em IA para diferentes tipos de funcionalidades como, por exemplo, as interfaces de programação que os programadores podem usar para analisar imagens, alterar o texto em linguagem real ou criar chatbots. Contudo, nos últimos tempos, existe algo para ser encontrado por aqueles que querem definir modelos, treiná-los e, de seguida, aplicá-los. Bibliotecas sintonizadas e pré-configuradas, e estruturas de deep learning encontram-se amplamente disponíveis, o que permite a qualquer pessoa iniciar-se de uma forma muito rápida.
Empresas como a Netflix, Nvidia ou Pinterest utilizam os nossos recursos em ML e deep learning. Cada vez mais camadas estão a ser criadas num tipo de ecossistema, no qual as empresas e organizações podem “atracar” os seus negócios – dependendo da profundidade com que o querem fazer e se são capazes de imergir na sua própria área de trabalho. A abertura dessas camadas e a real disponibilidade da infraestrutura são decisivas.
No passado, a IA e as suas tecnologias eram tão caras que quase não valia a pena usá-las. Nos dias de hoje, tanto a IA como o ML se encontram disponíveis e podem ser utilizados de acordo com as necessidades individuais, acabando por formar a base para novos modelos de negócios. E até os utilizadores que não são especialistas em IA podem, muito facilmente e de uma forma economicamente acessível, incorporar estes elementos nos seus próprios serviços. As pequenas e médias empresas, em particular aquelas que tenham força para inovar, podem beneficiar disto, pois não terão que aprender quaisquer algoritmos e tecnologias ML complexas, podendo experimentar sem incorrer em custos elevados.
A Inteligência Artificial contribui para a satisfação do cliente
Uma das áreas de aplicação mais avançadas da IA é o e-commerce. Mecanismos de pré-seleção compatíveis com IA ajudam as empresas a libertar a complexidade da tomada de decisão dos clientes. O objetivo final é a satisfação do cliente. Ora, se existirem apenas três tipos de pastas de dentes, o cliente poderá facilmente escolher uma e sentir-se bem com isso. Quando existem mais de 50 tipos em oferta, a escolha torna-se mais complicada. Há que decidir, mas não há a certeza se a decisão é a certa. Quanto mais possibilidades existirem, mais difícil se torna para o cliente. Os nossos algoritmos mais conhecidos vêm deste campo: sugestões de filtragem de produtos com base no histórico de compra dos mesmos que tenham atributos semelhantes, ou com base no comportamento de outros clientes que estavam interessados em coisas semelhantes.
Naturalmente, a qualidade que seja demonstrada de forma sólida também contribui para a satisfação do cliente. O suporte desta inteligência torna a vida mais fácil para o fornecedor e para o cliente. Para a Amazon Fresh, por exemplo, desenvolvemos algoritmos que aprendem qual é o aspeto que os produtos alimentares frescos devem ter, quanto tempo dura este estado e a partir de quando é que a comida não deve ser vendida. As companhias aéreas ou empresas de transporte ferroviário também poderiam utilizar isto para o seu controlo de qualidade, ao executar um algoritmo com base em dados da imagem do transporte, o algoritmo reconheceria as mercadorias danificadas e automaticamente iria selecioná-las.
Se conseguir prever a procura, conseguirá planear com mais eficiência
Nos negócios B2B e B2C, torna-se importante que as mercadorias se encontrem disponíveis rapidamente. É por esta razão que, na Amazon, desenvolvemos algoritmos que possam prever a procura diária das mercadorias. Isto é particularmente complexo para produtos de moda que estão sempre disponíveis em tamanhos e variações diferentes e para os quais as possibilidades de voltar a encomendar são muito limitadas. Informações sobre o histórico de procura, entre outros, são alimentadas no nosso sistema, bem como as flutuações que podem ocorrer com produtos sazonais, o efeito das ofertas especiais e a sensibilidade dos clientes à mudança de preços.
Hoje podemos prever precisamente quantas camisas de um determinado tamanho e cor serão vendidas num determinado dia. Acabámos por abordar a questão e disponibilizar a tecnologia a outras empresas como um serviço web. O MyTaxi, por exemplo, beneficia do nosso serviço, a partir de ML, com vista a projetar a que horas e em que local o cliente irá precisar do veículo.
A nova divisão do trabalho
Mas a IA é muito mais do que apenas previsão. Em matéria de execução – aspeto relevante para diversos setores da indústria – estamos a desenvolver projetos para a IA poder contribuir mais para nos afastarmos do padrão de trabalho “Taylorista”. Aplicado em robôs, a IA pode libertar as pessoas de atividades consideradas rotineiras que são fisicamente exigentes e muitas vezes extenuantes. As máquinas são muito boas nas tarefas que são complicadas para um ser humano desempenhar e, por vezes, até superam este último, como identificar a melhor rota num armazém para um determinado número de encomendas, bem como no transporte de bens pesados até ao momento em que são enviados para o cliente.
Para tarefas supostamente fáceis, em contraste, o robô sai derrotado. Um exemplo é o reconhecimento de uma caixa que está na prateleira errada. Por isso, de que forma podemos reunir o melhor de ambos os participantes? Deixando que os robôs inteligentes aprendam com os seres humanos a identificar as mercadorias certas, a levar a cabo várias encomendas e a navegar autonomamente através do armazém à sua maneira, na rota mais eficiente. Esta é a forma como nós retiramos a parte mais aborrecida da tarefa e deslocamos recursos para uma maior interação com o cliente.
A SCDM utiliza a ideia principal de libertar recursos para serem usados nos pontos fortes “humanos”, mas num contexto completamente diferente. A SCDM é uma prestadora de serviços que apoia bancos e companhias de seguros na digitalização. Utilizando a IA, a SCDM permite aos seus clientes classificar documentos que são de formatos diferentes (PDF, Excel ou fotos) como, por exemplo, um relatório sobre o desempenho de um produto de investimento que contém centenas de páginas.
Por meio da leitura de centenas de milhares de documentos em simultâneo, o algoritmo SCDM reconhece qual o documento relevante para um pedido específico, descobre onde se encontram localizados os dados relevantes para um determinado tipo de preparação e, de seguida, extrai os dados do documento. Como resultado, verifica-se menos enviesamento e menos erros no processamento dos números, e mais tempo para a interação humana com as partes interessadas importantes, tais como investidores, analistas e outros clientes.
Machine learning na educação, medicina e apoio ao desenvolvimento
Além do seu potencial para a eficiência e produtividade, o ML e a IA também podem ser usados na educação. A Duolingo, que oferece apps de cursos de línguas gratuitos, utiliza algoritmos de linguagem para texto para avaliar e corrigir a pronúncia dos estudantes. Em medicina, a IA apoia os médicos na análise de raio-X, na tomografia computorizada ou em imagens MRT. O Banco Mundial também utiliza a IA para implementar programas de infraestrutura, de apoio ao desenvolvimento e para outras medidas, de uma forma mais direcionada para o futuro.
Maior espaço para o otimismo
Apesar de todos estes avanços, muitas das pessoas do mundo académico, empresarial e governamental possuem uma visão crítica do ML e da IA. Têm surgido avisos acerca de uma nova superinteligência que está a ameaçar a nossa civilização – e estes avisos têm sido eficazes em atrair publicidade.
No entanto, nem a histeria nem a euforia devem ter espaço suficiente para assumir preponderância no debate público. O que precisamos é de uma visão pragmática-otimista sobre as possibilidades emergentes. A IA permite-nos começar a deixar as tarefas no nosso trabalho que prejudicam a nossa saúde ou onde as máquinas têm um melhor desempenho do que nós, mas tudo isto não com o objetivo de nos tornar redundantes. Em vez disso, pretende-se ganhar maior liberdade pessoal e económica – para relacionamentos interpessoais, para a nossa criatividade e para tudo o que nós, seres humanos, podemos fazer melhor do que as máquinas. É por isto que devemos lutar. Se não, vamos renunciar a oportunidades económicas e sociais que poderíamos aproveitar.
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