[weglot_switcher]

Irlanda: Sinn Féin reconhecido como vencedor das eleições

No meio do complexo sistema eleitoral, de que os irlandeses não costumam queixar-se, o próximo governo terá de ser de coligação, face à proximidade entre os três maiores partidos.
11 Fevereiro 2020, 07h30

Num país tradicionalmente governado por um dos dois partidos conservadores de centro-direita que têm dominado o panorama político irlandês, o Fine Gael e o Fianna Fáil, a vitória do Sinn Féin (que quer dizer ‘nós mesmos’), considerado por muitos o braço político do IRA (Exército Republicano Irlandês) e definitivamente de esquerda, promete ser uma revolução – até porque vai obrigar a que os irlandeses encontrem uma coligação suficientemente flexível para agregar três partidos praticamente empatados.

A líder do partido, Mary Lou McDonald, apressou-se a pedir conversações com os principais rivais para formar essa coligação e dirigiu-se diretamente aos líderes do Fine Gael e do Fianna Fáil apelando ao início de negociações. “O Sinn Féin venceu as eleições, ganhámos o voto popular”, disse McDonald, citada pela imprensa das ilhas britânicas – numa altura em que tem todos os 158 lugares da câmara baixa do parlamento (chamado Dáil Éireann) estavam ainda preenchidos.

O Sinn Féin conquistou 24,5% dos votos de primeira preferência (a primeira escolha dos eleitores) nas eleições de sábado, quase o dobro do que tinha conseguido em 2016, capitalizando o descontentamento dos eleitores face às dificuldades de encontrarem casas decentes e a preço acessível (problema que dividem com os restantes britânicos) e à falta de resposta dos serviços públicos.

O Fine Gael caiu para 20,9% e o Fianna Fáil caiu para 22,2% – partido que liderava a oposição mas que na prática sustentava o governo do seu rival. Os Verdes, independentes e pequenos partidos de esquerda ficaram com os restantes cerca de 30% dos votos – numa participação que chegou aos 62,9%, abaixo dos 65,2% das eleições de 2016.

Numa campanha eleitoral que esteve centrada principalmente em questões de política interna, o Brexit esteve bastante arredado dos debates. Mais presente está a possibilidade de marcação de um referendo sobre a unidade das duas Irlandas – mais uma dor de cabeça para Londres. Segundo a imprensa, 57% dos irlandeses apoiaram o desejo do Sinn Féin de realizar referendos sobre a unidade de ambos os lados da fronteira nos próximos cinco anos.

A câmara baixa do Parlamento irlandês, o Dáil Éireann (158 lugares mais um ‘speaker’), é eleita pelo sistema STV, representação proporcional por meio do voto único transferível. É um sistema incomum que pretendia assegurar representação à minoria protestante quando a Irlanda se tornou independete do Reino Unido em 1922 e a maioria católica passou a ser preponderante.

O Dáil é de importância central no sistema político irlandês: elege o governo, que precisa de manter o apoio da maioria na câmara baixa para poder manter-se no ativo. Os membros do Dáil são eleitos de entre os cerca de 40 distritos eleitorais, cada um elegendo quatro ou cinco membros. A votação é direta, mas os eleitores indicam qual o seu candidato favorito escrevendo ‘1’ ao lado do nome do candidato no boletim de voto, podendo ainda indicar as suas preferências ‘2’, ‘3’  ou mais, conforme o número de candidatos.

Os eleitores podem mesmo escalonar os candidatos da sua preferência independentemente dos partidos a que estes pertencem. O processo de contagem, especialmente a distribuição de votos ‘excedentes’ (os que não são suficientes para eleger mais um candidato) são transferidos para uma espécie de círculo nacional, com o qual a composição do Dáil é finalizada.

Segundo os analistas, o processo é perfeitamente proporcional e os eleitores não têm o costume de se queixarem de excesso ou de falta de representação, mas o certo é que a contagem é claramente complexa – e muito mais demorada – o que faz com que os resultados eleitorais oficiais tenda a demorar a surgir.

Já houve várias tentativas para simplificar o sistema ou para adotar outro mais simples e mais direto, mas como a Constituição irlandesa obriga à realização de um referendo que permita essa alteração, nunca foi possível encontrar-se uma maioria que aceite essa alteração. Seja como for, não só os eleitores não se costumam queixar do sistema, como os próprios partidos não nunca afirmaram que o STV pudesse de alguma forma impedir a existência de executivos sólidos e com toda a representação e legitimidade política para governarem.

O sistema compreende ainda o Seanad Éireann, que é a câmara alta do parlamento – que não é eleito pelo voto direto: os seus membros são escolhidos por diferentes métodos e os seus poderes são muito menores do que os da câmara baixa, não podendo sequer vetar as leis do Dáil Éireann.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.