São mais duas horas em Telavive, capital de Israel, que em Lisboa, mas, apesar de a noite já ter substituído o dia, o gabinete de Benjamin Netanyahu ainda não encontrou forma de votar o documento final do acordo de cessar-fogo – que devia entrar no ativo no próximo domingo, para a libertação de pelo menos 30 reféns e para a paulatina saída das tropas israelitas do sul do enclave de Gaza. Tal como avançaram os mais céticos dos analistas ao longo da quarta-feira – dia em que o presidente dos Estados Unidos e o primeiro-ministro do Qatar anunciaram (em separado) que finalmente existia um acordo – não haverá nenhum acordo enquanto o governo de Netanyahu não o aceitar e o colocar em andamento no terreno.
Mais de 24 horas depois do anúncio do acordo, a hora dessa votação não chegou. Os motivos são, neste contexto, irrelevantes: o primeiro-ministro israelita queixa-se de que o Hamas não cumpriu a sua parte – e o Hamas diz que cumpriu. O ‘filme’ é uma repetição que se vai sucedendo há mais de um ano, sempre que as negociações acabam num impasse. Desta vez, sucedeu que o impasse aconteceu um pouco mais tarde, com o acordo já anunciado.
A imprensa israelita diz que a votação do gabinete sobre o acordo foi adiada no meio de uma disputa sobre as identidades dos prisioneiros a serem libertados – um argumento que deve deixar os familiares dos reféns desesperados face a mais um entrave que só revela a pouca vontade do governo em aceitar o acordo. Para os analistas citados pela imprensa israelita, o problema é a falta de condições no interior da coligação para que acordo seja favoravelmente votado, apesar da exigência política que na passada quarta-feira foi transmitida ao país pelo presidente Herzog.
Mas não são apenas os membros do governo a não aceitarem o acordo: durante o dia, manifestantes levaram imitações de caixões envoltos em bandeiras israelitas, protestando contra o acordo de cessar-fogo com o Hamas do lado de fora do Supremo Tribunal em Jerusalém
O líder da Mossad, David Barnea, chefe da equipa de negociação de Israel que foi enviada a Doha na noite de sábado, ainda estava na capital do Qatar na tarde desta quinta-feira, de acordo com fontes ligadas ao processo. O gabinete do primeiro-ministro emitiu uma declaração na manhã desta quinta-feira acusando o Hamas de recuar em alguns aspetos do estipulado e criar uma “crise” que impedia a votação do acordo. Aparentemente, ninguém acreditou: o ministro das Finanças, de extrema direita, Bezalel Smotrich, que ameaçou deixar o governo juntamente com o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, se a guerra terminar num acordo, é a verdadeira causa.
A morte continua a sair à rua
Ao longo do dia, pelo menos 20 pessoas foram mortas num ataque a vários locais do enclave. Vários analistas disseram que estes ataques eram de esperar: afinal, Israel costuma usar as últimas horas antes de um cessar-fogo para ser especialmente castigador face aos inimigos, quem quer que eles sejam. Aconteceu assim na Síria e no Líbano nas últimas semanas.
Entretanto, a Hamas já respondeu às acusações do gabinete do primeiro-ministro de Israel. Em declarações citadas pela agência Reuters, um dos responsáveis do grupo, Izzat el Reshiq, garante o total comprometimento com acordo anunciado ontem no Qatar, dando indicação de que não irá impor novos ataques a Israel. Mas as iniciativas militares de Israel nas últimas horas podem impedir o bom andamento do processo. E podem também implicar um voto contra do gabinete de Netanyahu sobre o acordo.
Um pouco por todo o mundo, o acordo foi aplaudido. Os Estados Unidos lideravam as declarações em seu favor, mas também a China o saudou, apelando à sua aplicação efetiva, enquanto o Governo israelita ainda não deu luz verde final. Mas, para já, nada demove a linha dura da extrema-direita e dos ultra-ortodoxos a aceitar o acordo.
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