O Simpósio de Jackson Hole, que reúne governantes de bancos centrais, líderes de bancos, académicos e economistas, teve este ano por mote “política macroeconómica numa economia desigual”. Organizado a distância, devido à reincidência da pandemia, a incerteza que as economias ainda atravessam e atravessarão e a inevitabilidade de conceber políticas orientadas para lhe dar resposta, não puderam deixar de estar visíveis nas intervenções.

Economia desigual, entenda-se, não encarada como um mero sinónimo de desigualdade de rendimento e de riqueza, nota frequentemente repetida (e bem) por economistas e meios de comunicação nos últimos tempos, mas traduzindo também a realidade pós-Covid-19, de recuperação assimétrica entre sectores de atividade e da sua súbita e inesperada importância desigual num mundo em profunda e acelerada transformação em consequência da pandemia.

A política macroeconómica, por seu turno, foi examinada nas suas diferentes dimensões, abrindo espaço para discutir tanto política monetária, como orçamental e fiscal, a articulação entre ambas e até políticas de emprego, abandonando a visão estreita de que a estabilização económica se faz estritamente por via monetária.

A capacidade americana de, pragmaticamente, elencar e discutir problemas atuais – marcando a agenda económica internacional – e, simultaneamente, propagandear o debate, continua a ser um sinal da sua indiscutível liderança.

Jerome Powell, governador da Reserva Federal americana, pôs a tónica naquele que é talvez o maior desafio da política macroeconómica hoje, em qualquer geografia – encontrar os instrumentos adequados para responder a situações de profunda assimetria que, nos EUA, têm também, como agravante, uma expressão racial. No seu discurso, já apelidado por alguns de prudente, ao definir os objetivos para a política monetária, Powell aludiu primeiro à manutenção do emprego, que considerou estar a seguir a trajetória expectável, e só depois à estabilidade de preços, para afirmar que a inflação está a níveis compatíveis com o objetivo de uma média de dois por cento ao longo do tempo.

No início de agosto, possivelmente antecipando o discurso de Powell em Jackson Hole, Kenneth Rogoff discorria sobre os efeitos que a política monetária pode ter sobre a desigualdade de rendimentos, afirmando que os bancos centrais não podem ser culpabilizados pela subida da desigualdade, nem dispõem de instrumentos que possam dirimi-la, sendo a política orçamental e fiscal, de longe, mais eficaz em matéria de correção de disparidades (“Project Syndicate”).

Tendo em conta a sua recente e recorrente preocupação com a desigualdade, esta é uma ideia extremamente audaz, sobretudo vinda de quem, em 2009, esteve na origem de um dos mais citados e controversos textos sobre dívida pública, acusando-a de comprometer o crescimento económico e contribuindo para o clima de rejeição que então se instalou. O resto desta história dispensa apresentação.

No diâmetro oposto surgiu Nouriel Roubini para quem o perigo de subida da inflação, combinada com recessão e desemprego elevado (estagflação) nos EUA, é real e dará fatalmente origem a uma crise de dívida soberana. Segundo Roubini, a inflação e a armadilha da dívida resultarão da leitura errada de sinais de estrangulamento da oferta e serão alimentadas pelas políticas de estímulo orçamental e monetário dos dois lados do Atlântico.

Sendo ainda cedo para antever o desfecho destas discussões, poderá estar a assistir-se a uma mudança qualitativa em matéria de política económica. Pelo menos, os dados estão lançados.