Contra a sua própria expectativa, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ‘pegou um resfriado’ que, depois das devidas análises, tornou evidente que está infetado com covid-19 – tal como anteciparam muitos observadores políticos, face à forma como o presidente entendeu nunca se proteger.
Agora que está infetado – sendo talvez o primeiro dirigente de topo no mundo a cair nessa situação – Jair Bolsonaro já disse uma entrevista coletiva que vai continuar a dirigir o país, desta vez com o recurso às videoconferências e outras formas resguardadas de ligação social remota. Colocou assim de parte o cumprimento de qualquer quarentena ou uma mesmo que pequena delegação de funções num membro do seu executivo.
Mas os analistas não estão descansados com a decisão. Não tanto pela preocupação pela saúde do presidente – que alega já estar a melhorar e já nem sequer ter febre – mas porque o que sucedeu a Bolsonaro pode ter, do ponto de vista político, consequências que ainda não é fácil avaliar.
Estando doente, o mais certo é que Bolsonaro não continue a passear-se, com elevado grau de impunidade, entre os seus apoiantes sempre que vislumbrava uma pequena multidão em torno do palácio presidencial. Mas o problema é que o executivo que o acompanha tem vindo a desfazer-se aos poucos, com inúmeros abandonos e demissões, o que o tem enfraquecido e lhe tem retirado legitimidade política.
Por outro lado, Bolsonarto chamou a si o controlo e a gestão de alguns dos mais complexos dossiês que o governo tem em gestão – dando mostras não só de ter pouca confiança nos colaboradores que ele próprio escolhe, mas também, como acaba por ser o caso, porque abre o país à incerteza se se der o caso de lhe acontecer qualquer coisa que o impeça de se manter à frente do executivo.
A crise política que se vem avolumando desde que a pandemia deu entrada no país – de forma extremamente violenta, recorde-se – vai por isso piorar nesta fase em que o presidente foi testado positivo. E não demorará muito que – se se verificar com a saúde de Bolsonaro não aguenta o dia-a-dia da presidência – os partidos da oposição, com o PT em destaque, se apresem a pedir a sua substituição.
O problema é que, com a base de apoio de Bolsonaro a diminuir todos os dias, uma possível substituição do presidente levaria a oposição a clamar pela antecipação das eleições presidenciais – previstas apenas para o final de 2022.
E, dizem alguns analistas, dificilmente Jair Bolsonaro conseguiria ser eleito. Dizem esses analistas que a alta burguesia e o empresariado que ‘empurrou’ Bolsonaro para a presidência já pouco precisa dele e que lhe resta o apoio dos evangélicos, do grupo dos criadores de gado e dos entusiastas da liberalização da venda de armas. O que será para todos os efeitos manifestamente pouco para manter Bolsonaro no Palácio do Planalto – principalmente num quadro em que o presidente criou o seu próprio partido, ou seja, é facilmente isolável, se o apoio do ‘dinheiro’ se perder.
De qualquer modo, a espécie de novela diária que constituíam os passeios de Bolsonaro por entre os seus apoiantes sem qualquer tipo de precaução face à covid-19 será por certo um capítulo encerrado da política brasileira. Ou, como dizia alguém nas redes sociais, Bolsonaro arranjou forma de finalmente ter um papel importante no controlo da pandemia num país que está, por questões de saúde, virado do avesso.
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