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Japão: subida dos juros refreou ‘carry trade’ mas prática é quase 15 vezes superior ao PIB de Portugal

Está praticamente excluída uma nova subida dos juros pelo Banco Central do Japão em setembro, de acordo com especialistas ouvidos pelo Jornal Económico, depois da subida, em julho, que levou dias depois ao colapso dos mercados ao nível mundial.
13 Setembro 2024, 15h31

A subida de juros decretada pelo Banco Central do Japão (BoJ), a 31 de julho, e que levou ao colapso dos mercados a nível mundial, cinco dias depois, devido ao ‘carry trade‘, levou ao atenuar e até ao desincentivo desta prática, tornando um novo colapso nos mercados, por esta via, menos provável, de acordo com especialistas ouvidos pelo Jornal Económico. Por outro lado, pelo menos em setembro, quando existe nova reunião do banco central japonês, não é esperada uma nova subida nos juros. Contudo, o carry trade do iene continua a ter um peso significativo. Calcula-se que pode totalizar quatro biliões de dólares, de acordo com a Reuters, Nikolaos Panigirtzoglou, um dos diretores do JP Morgan, juntamente com analistas da instituição, o que corresponde a cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos da América e quase 15 vezes superior ao Produto Interno Bruto (PIB) português, salienta economista do Banco Carregosa.

Em agosto, o mundo foi introduzido ao conceito de ‘carry trade‘. Esta prática passa pela contração de empréstimo numa moeda (neste caso o iene japonês) de um país com taxas de juro baixas e investir esse dinheiro num país com taxas de juro mais elevadas (neste caso o dólar norte-americano).

Com a subida da taxa de juro pelo Banco Central do Japão, em 15 pontos base de 0,10% para 0,25%, a 31 de julho, o mercado acabou por se assustar, levando a que o índice bolsista japonês Nikkei 225 caísse mais de 12%, a 5 de agosto, a maior descida diária desde 1987. O índice norte-americano quebrou 3% e o sector tecnológico sofreu descidas de 3,8%.

Contudo o carry trade pode ter os seus dias contados, ou pelo menos não ter o impacto que teve nos mercados em agosto.

O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, refere, ao Jornal Económico, que a valorização que o iene tem tido desde meados de julho, quando os investidores perceberam que o Banco Central japonês “iria abandonar a política monetária energicamente expansionista e abraçar uma política restritiva”, aumentando as taxas de juro, acabou por “neutralizar” esta estratégia de carry trade, tendo o iene valorizado mais de 10%.

“Qualquer ganho obtido nos investimentos em dólares ou igualmente em euros, em obrigações americanas ou europeias, em depósitos a prazo ou nos mercados acionistas dos Estados Unidos, foram completamente anulados pela valorização do iene. O empréstimo ao ser pago necessita agora de um montante muito maior de ienes, resultando numa perda desta estratégia de carry trade de ienes para dólares ou euros”, referiu Paulo Monteiro Rosa sobre os efeitos de uma política mais restritiva do Banco Central japonês.

Mas isso não significa que o Japão não esteja a enfrentar desafios.

Paulo Monteiro Rosa alerta que a inflação japonesa mantém-se elevada (2,8%), em maio, junho e julho, a que acresce uma economia do do país a “evidenciar alguma fragilidade”.

Paulo Monteiro Rosa salienta que se a taxa de inflação “ainda alta” força o Banco Central do Japão a subir os juros, o abrandamento económico “trava” uma postura mais restritiva.

“No entanto, o banco central do Japão falou há um mês numa postura mais branda e concertada com a evolução dos mercados, aquando do sell off no início de agosto, tendo o principal índice acionista nipónico, o Nikkei 225, desvalorizado mais de 12% a 5 de agosto. Terá sido esta atitude menos austera por parte do Banco Central do Japão que refreou as expetativas para uma alta das taxas de juro nos próximos meses, não sendo esperadas alterações substanciais nas taxas de juro de referência do Banco Central do Japão até ao final do ano. No limite, uma subida de 25 pontos base, até perto dos 0,50%, nos próximos 12 meses. Todavia, o comportamento do Banco Central do Japão não é tão linear e previsível como o da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed), tal como demonstrado na última reunião de 31 julho, quando o BoJ subiu os juros em 15 pontos base, mas era esperada uma manutenção, surpreendendo os mercados”, explica o economista do Banco Carregosa.

Na perspetiva dos analistas da BA&N Research Unit, os responsáveis do BoJ “têm dado sinais firmes” de que pretendem “continuar a normalizar a política monetária ultra-acomodatícia”.

Para os analistas da BA&N, após duas subidas consecutivas, o Banco do Japão “deverá optar por uma pausa” na reunião de 20 de setembro, sinalizando um “agravamento adicional” até ao final do ano (19 de dezembro) face ao atual nível de 0,25%.

“Se a inflação no Japão persistir em níveis consistentes com a meta de 2% e a atividade económica continuar a evoluir de forma positiva, as expetativas apontam um aumento gradual da taxa de juro até atingir pelo menos 1% em 2025”, perspetivam os analistas da BA&N Research Unit.

O trader do Banco Best, Ângelo Custódio, exclui também uma nova subida da taxa de juro pelo Banco Central do Japão, em setembro.

“Importa salientar que nos últimos dias os responsáveis do Banco Central do Japão têm referido existir pouca necessidade de aumentar as taxas de juro na próxima reunião, dia 20 de setembro, visto continuarem a monitorar a volatilidade nos mercados financeiros face ao impacto da subida de julho. Apesar disso, refere que o target de 2% na inflação não é negociável, e mais subidas poderão estar programadas para o final do ano ou no início de 2025, dependendo do estado da economia e dos mercados financeiros”, diz o trader do Banco Best, ao Jornal Económico.

Ângelo Custódio salientou que, apesar da inflação no Japão, ter ficado em 2,7%, em julho, e de estar há 28 meses meses consecutivos acima do target de 2%, os responsáveis do BoJ “continuam bastante sensíveis” aos mercados financeiros, referindo que estão a “acompanhar atentamente os mesmos e que a possibilidade de novas subidas das taxas de juro apenas será possível quando o mercado não demonstrar instabilidade”, pretendendo evitar movimentos como o de 5 de agosto – o “dark monday“, maior queda intradiária do Índice Nikkei desde 1987.

“Relativamente à tendência atual na política monetária, um dos governadores do Banco Central do Japão deu um claro sinal, ao referir que o Japão deve aumentar as taxas de juro para pelo menos 1% já no segundo semestre do próximo ano fiscal, reforçando a determinação do banco em persistir no trajeto iniciado no final de julho”, salienta Ângelo Custódio.

Nova subida de juros comprometeria ‘carry trade’

No entender dos analistas da BA&N, é “reduzida a probabilidade” de repetição da turbulência que se registou nos mercados em agosto, uma vez que uma “fatia considerável” destas operações [carry trade] já foi anulada no mês passado e a abertura de novas posições carry trade “perdeu atratividade”, tendo em conta a volatilidade do iene e perspetivas de redução das taxas de juro por parte da Reserva Federal dos Estados Unidos da América (Fed) e outros bancos centrais, quando questionados sobre a chance de existir um novo colapso nos mercados, num cenário em que o Banco Central do Japão suba as taxas de juro.

Os analistas da BA&N acrescentam que outro fator terá também peso, nos mercados, e está ligado ao ritmo de alívio da política monetária por parte da Fed.

“Se o banco central dos Estados Unidos baixar os juros de forma mais agressiva do que está a ser previsto atualmente e o Banco do Japão for demasiado célere a subir as taxas, existirá uma pressão adicional para que sejam revertidos os financiamentos em ienes para investir em ativos de maior rendimento”, dizem os analistas da BA&N.

Mas sublinham que “não é este” o cenário central para a evolução da política monetária nas duas economias [Estados Unidos e Japão].

Os analistas da BA&N referem que o BoJ já deixou claro que as decisões que vai adotar “terão em conta o impacto na volatilidade” nos mercados financeiros e na taxa de câmbio do iene, que é “fundamental” para a vitalidade da economia nipónica, com forte peso das exportações.

“O iene valorizou recentemente para máximos de dezembro face ao dólar e a rendibilidade (yield) das obrigações norte-americanas recuou para mínimos de mais de um ano. Apesar de reduzir ainda mais a atratividade do carry trade do iene, não se assistiu nas últimas sessões a momentos de instabilidade comparáveis com os registados em agosto”, reforçam os analistas da BA&N.

Paulo Monteiro Rosa salientou que uma eventual subida das taxas de juro do iene “facilitaria” uma nova revalorização da moeda nipónica, “comprometendo novamente” o carry trade.

“Ainda esta semana, o iene registou máximos do ano, perto dos 140 ienes por cada dólar americano. A pressão sobre o carry trade mantém-se, uma das principais fontes de financiamento globais e que poderá também ter contribuído para a valorização dos mercados acionistas dos Estados Unidos da América”, refere Paulo Monteiro Rosa.

O trader do Banco Best sublinha que o carry trade, sendo uma “manobra simples” de mercado cambial, “pode ser uma fonte de lucro gratuita, desde que a volatilidade se mantenha baixa”, algo que “não sucedeu após o aumento “surpresa” das taxas de juro” por parte do Banco Central do Japão, o que levou a uma “pressão em alta” do valor do iene, num momento em que as “posições curtas” especulativas em ienes rondavam os 14,5 mil milhões de dólares, segundo a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities dos Estados Unidos da América.

Para Ângelo Custódio, a atual posição do Banco Central [do Japão] em partilhar a sua visão da política económica através dos seus governadores e, de não voltar a agir enquanto o mercado demonstrar instabilidade, “diminui a probabilidade de movimentos tão agressivos” como os verificados em agosto.

‘Carry Trade’ do iene pode atingir quatro biliões de dólares

Apesar de não ser esperada uma nova subida das taxas de juro, no Japão, e de existir um maior desincentivo ao carry trade, Paulo Monteiro Rosa estima que, após a queda de agosto, o carry trade do iene poderia totalizar até quatro biliões de dólares, segundo a Reuters, Nikolaos Panigirtzoglou, um dos diretores do JP Morgan e outros analistas da instituição, o que corresponderia a cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos da América (EUA) e quase 15 vezes superior ao PIB português.

Os analistas da BA&N consideram que é “impossível determinar com exatidão” a dimensão do carry trade do dólar-iene, contudo referem que o consenso aponta para que “tenha atingido um pico superior” a 500 mil milhões de dólares antes da turbulência no início de agosto, sendo que “mais de metade destas posições” já terão sido revertidas.

“Alterações rápidas das condições de mercado, tal como aconteceu em agosto (Banco Central do Japão subiu juros inesperadamente e dados fracos do emprego nos Estados Unidos aumentaram os receios de recessão e descidas mais acentuadas de juros da Fed), podem acelerar a reversão das posições carry trade que ainda estão vivas, mas a pressão será sempre inferior ao que se registou em agosto”, reforçam os analistas da BA&N Research Unit.

‘El Dorado’ japonês favorecido por baixas taxas de juro

A política monetária japonesa, assente em taxas de juros mais baixas, face a outras realidades, acabou por tornar o país numa boa fonte de financiamento.

Paulo Monteiro Rosa, explica, ao Jornal Económico, que o iene japonês, num contexto de taxas de juro muito baixas, e até mesmo negativas, e um período deflacionista, um cenário que tem décadas, tornou-se uma das “principais fontes” de financiamento a nível global.

“A atratividade da moeda nipónica aumentou consideravelmente desde 2021, quando a inflação reapareceu na economia japonesa depois de mais de 30 anos ausente, desde o início da década de 1990. Nos últimos três anos, o Banco Central do Japão manteve as suas taxas de juro de referência negativas e inalteradas em -0,10%, enquanto a inflação aumentava gradualmente, tendo atingido 4,3% em janeiro de 2023”, contextualiza o economista do Banco Carregosa.

Paulo Monteiro Rosa salienta que a “postura inflexível” do banco japonês ao manter as taxas de juro negativas em -0,10%, enquanto a inflação “deteriorava” o poder de compra dos japoneses, contribuiu para a desvalorização do iene face ao dólar americano em quase 40%, “favorecendo consideravelmente” a estratégia do carry trade.

“Uma fonte de financiamento muito importante a nível global, o carry trade na moeda japonesa permitiu empréstimos a taxas de juro muito baixas na unidade de conta nipónica. Ainda mais relevante, a gradual depreciação do iene, em resultado da elevada inflação que não foi suportada por uma subida das taxas de juro, impulsionou ainda mais os ganhos dos investidores nesta estratégia de carry trade, que quando saldavam as suas dívidas em ienes, a moeda japonesa já havia desvalorizado, pagando menos do que o inicial montante de empréstimo contratado. Além disso, os investimentos em obrigações do tesouro norte-americanas permitiram a arrecadação de um considerável juro (em resultado da inflação elevada) ou ganhos nos mercados acionistas, impulsionados pelas empresas tecnológicas dos Estados Unidos da América, sobretudo de chips relacionados com a emergente indústria da inteligência artificial”, descreve Paulo Monteiro Rosa sobre os efeitos que a estratégia do banco japonês provocou nos mercados.

Este contexto levou a que a conversão de ienes em dólares americanos, se tornasse no mais importante carry trade global, com ganhos avultados em quem apostou nessa estratégia.

“Nos últimos anos os investidores pediram emprestado em ienes a taxas de juro muito baixas, investindo esse dinheiro a maior parte das vezes nos Estados Unidos da América, ações e obrigações, obtendo ganhos. E aquando do vencimento do empréstimo, a moeda japonesa estava muito mais barata, permitindo ganhos avultados”, referiu o economista do Banco Carregosa, sobre os ganhos obtidos através do carry trade.

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