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Je suis Charlie: Desferido um golpe brutal, existirá uma resposta tolerante?

“Vamos trabalhar em casa, vamos arranjar-nos. É muito duro, estamos todos com a nossa pena, a nossa dor, os nossos medos, mas vamos fazê-lo porque não é a estupidez que vai ganhar. Charb (diretor da publicação, morto neste atentado) dizia sempre que o jornal deveria sair, custasse o que custasse”, explica o colunista do jornal […]
9 Janeiro 2015, 11h56

“Vamos trabalhar em casa, vamos arranjar-nos. É muito duro, estamos todos com a nossa pena, a nossa dor, os nossos medos, mas vamos fazê-lo porque não é a estupidez que vai ganhar. Charb (diretor da publicação, morto neste atentado) dizia sempre que o jornal deveria sair, custasse o que custasse”, explica o colunista do jornal satírico Patrick Pelloux à agência France Presse. “Vamos continuar, decidimos sair na próxima semana. Estamos todos de acordo”, indicou, adiantando que a equipa do jornal se deve reunir em breve.

“O jornal vai continuar porque eles não ganharam. Charb, Cabu, Wolinski, Bernard Maris, Honoré, Elsa, Tignous, Mustapha, o guarda que foi abatido… não morreram em vão”, garante Pelloux. Fortemente afetado pelo ataque, o Charlie Hebdo já estava ameaçado de falência. Encontrava-se deficitário, vendia em média cerca de 30 mil exemplares e havia lançado recentemente um apelo para doações contra o seu desaparecimento. Mas, na próxima semana, estarão nas bancas um milhão de exemplares.

No rescaldo de um acontecimento de tamanha violência esta é a resposta de força que a equipa do Charlie Hebdo teima em dar e pelo mundo fora multiplicam-se as reações de solidariedade e dor. Num cenário de perseguição aos suspeitos já identificados, mas por apanhar, misturam-se emoções com reflexões e previsões sobre a dimensão do buraco, do vazio, que este ato louco deixará em todos nós.

Vivem-se horas conturbadas, de grande contestação, num cenário tenso, propício a excessos. Condena-se o terrorismo, o fanatismo, mas ainda se aguardam algumas respostas.

LEITURAS… A QUENTE

Ao OJE, Cátia Miriam Costa, investigadora do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL, começa por salientar que estamos diante de “um forte atentado à liberdade de expressão, é certo, enquanto ato intimidatório. Mas é também um ato contra a religião islâmica, dizendo que se mata em nome de Alá, o que não é verdade, pois os responsáveis de diversas mesquitas em diferentes países europeus condenaram este ataque e dissociaram-no da prática religiosa, como aliás deve ser feito”.

“Uma das vítimas era muçulmana, portanto, não poderia ser contrário ao Deus em nome do qual se matou”, sublinha. Para a investigadora, este atentado é, sobretudo, “mais uma iniciativa para incendiar mentes e corações, desta vez muito dirigida, e para provocar respostas também estas extremista, sabendo co-mo um país como a França e, em geral, a Europa prezam a liberdade de expressão e como a sua opinião pública seria reativa a um atentado deste tipo. No fundo, o seu objetivo é não permitir o diálogo entre religiões e culturas, a convivência e interculturalidade. No fundo, aquilo que nos torna a todos mais ricos”.

Cátia Miriam Costa afirma ainda de que, para a Europa, “trata-se de um aviso que é preciso compreender, integrar e intransigir na defesa de valores como a liberdade. Isso é o que de melhor a Europa tem e deve partilhar com o mundo”. Assim, “estamos de luto por todos os atentados que vitimam inocentes, mas estamos em luta e jamais poderemos admitir o silêncio como resposta, daí a importância do diálogo interno e externo. Está na hora de procurar interlocutores e fazer perceber que esse Alá sem misericórdia e vingador existe apenas na cabeça de alguns que, felizmente, são muitíssimo menos dos que o acreditam que viver em conjunto é possível”, conclui.

Para a investigadora, se se tratou de um crime hediondo, a verdade é que feriu de morte, não só a cultura dita ocidental, como a cultura islâmica. “Visa, essencialmente, destruir o pensamento crítico e livre”, frisou. E, assim sendo, na sua opinião, agora, o grande desafio é antecipar cenários de prevenção contra vinganças “que só vão gerar mais ódio e vítimas inocentes”.

O OJE foi também ouvir a opinião de Jorge Silva Carvalho, consultor especialista em inteligência competitiva e estratégia. Que principia afirmando que, em termos de gestão da informação nestes cenários, existe uma “tendência para o debate se tornar um esgrimir de lugares-comuns e de especulações que têm duas consequências negativas: prejuízos para a investigação criminal, nomeadamente ao nível do apuramento dos factos concretos; e, principalmente, ao nível da intenção estratégica de quem cometeu os crimes”. Assim, o especialista sublinha que “se, por um lado, o objetivo tático foi cometer os referidos crimes, o objetivo estratégico, mesmo que não dos autores materiais, mas das organizações ou dos movimentos formais ou informais em que se integram, é claramente político-ideológico e comunicacional”.

“Perceber isso é fundamental para não fazer o jogo dos criminosos”, frisa. Para Jorge Silva Carvalho, este é um período em que “é necessário lamentar e homenagear as pessoas que perderam a vida, muitas delas no cumprimento da sua missão, e fazer uma avaliação clara do que ocorreu”. Quanto ao ato em si, na sua opinião, insere-se na linha de evolução conhecida da ameaça terrorista de justificação política islâmica, “nomeadamente na sua dupla componente da radicalização de franjas de comu-nidades existentes em países europeus e da participação de elementos dessas comunidades em frentes externas de conflito, como é atualmente caso paradigmático o conflito na Síria”.

Por outro lado, salienta que “sempre que há um atentado com este tipo de dimensão há também uma consequente falha no dispositivo securitário preventivo. Nestes casos, havendo conhecimento mesmo que difuso da natureza da ameaça, é fundamental agir preventivamente e trabalhar ativamente para a redução das vulnerabilidades dos possíveis alvos”.

“Julgo que este tipo de ataques cirúrgicos envolvendo poucos meios humanos e materiais e, por isso, necessitando de muito menor planificação, mas com atores claramente motivados e treinados para a violência, serão dos mais difíceis de antecipar e prevenir”, conclui.

Também o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) veio comentar este atentado, alertando que estes ataques serão mais frequentes em detrimento de ataques de grande escala. Em declarações à Lusa, o porta-voz do OSCOT, Filipe Pathé Duarte, disse que “era uma questão de tempo até isto acontecer”. “Este tipo de ataque é uma situação que tem vindo a ser ensaiada progressivamente e é possivelmente a melhor forma de agir actualmente no Ocidente”, referiu o responsável.

Para o OSCOT, os atentados de grande escala e organizados “são cada vez mais difíceis de fazer, tendo em conta que a pressão e a monitorização é cada vez maior, mas os ataques pequenos são uma forma de acção cada vez mais evidente”.

Os países ocidentais têm uma “vulnerabilidade enorme” a este tipo de atentados e só deixarão de a ter “a partir do momento em que abdicarem das liberdades e garantias que os caracterizam enquanto Ocidente”, acrescentou.

Portugal não é excepção: “Estamos na linha inimiga, neste caso, da jihad, partindo do princípio que este atentado foi levado a cabo e será reivindicado pela jihad”, defendeu o representante da OSCOT.

Segundo Filipe Pathé Duarte, “a imprevisibilidade e o quase improviso deste tipo de ataques levam a que a monitorização seja extremamente complicada”. A resposta, defende, passa por aumentar o nível de segurança, o que implica “maior presença policial, que tem um efeito dissuasor, maior cooperação a nível internacional, maior colaboração de forças e serviços de segurança, seja a nível de intelligence [serviços de
informação] seja a nível de polícias criminais, e partilha de informações”.

O porta-voz do OSCOT alertou ainda que um atentado assim tem “um efeito mimético”: “este atentado foi bem-sucedido e está a ser bem mediatizado e portanto a informação chega facilmente a outros potenciais perpetradores de atentados. A possibilidade de uma réplica é muito grande, também”, conclui.

O MUNDO CONDENA A UMA SÓ VOZ

Portugal fez chegar rapidamente a França todo o apoio e solidariedade. O Presidente da República, Cavaco Silva, enviou ao presidente francês, François Hollande, uma carta expressando “condenação e repúdio” onde afirma que o atentado atingiu a liberdade de imprensa, um “princípio fundamental” da democracia. O Chefe de Estado português transmitiu ao presidente e ao povo francês, “nesta hora de sofrimento e de luto”, sentimentos de “profundo pesar e sentida solidariedade”.

Também Pedro Passos Coelho condenou o “ato de terrorismo odioso”, convicto de que os valores de “liberdade e tolerância” triunfarão e sublinhando que a França “sabe que pode contar com todo o apoio de Portugal”. E um pouco por todo o mundo fizeram-se ouvir mais vozes de apoio a França. A chanceler alemã, Angela Merkel, enviou um telegrama ao presidente francês expressando as “condolências sinceras aos parentes das vítimas”, acrescentando que este ato “repugnante não é apenas um ataque à vida de cidadãos franceses e à segurança interna da França, mas também à liberdade de imprensa e de expressão”.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, chamou o ataque de “bárbaro”, sublinhando que o Reino Unido está ao lado do povo francês “na luta contra qualquer forma de terrorismo e na defesa da liberdade de imprensa”.

Em comunicado, o Governo espanhol, condenando o ataque, destacou que a liberdade de imprensa é um “direito fundamental e irrevogável”.
Também o Presidente russo, Vladimir Putin, transmitiu condolências às vítimas e sublinhou que Moscovo “condena resolutamente o terrorismo em todas as suas formas”, disse o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov.

Os Estados da Liga Árabe e organizações muçulmanas também reprovaram o ataque em Paris. O Conselho Francês da Fé Muçulmana classificou o ataque terrorista de “ato bárbaro de extrema gravidade”, enquanto a instituição islâmica egípcia al-Azhar fez saber que considera tratar-se de um “ato criminoso e o Islão rejeita qualquer ato de violência”.

Por seu turno, a Casa Branca fez saber que está em contacto permanente com as autoridades francesas e criticou duramente o atentado. “Os EUA estão prontos para trabalhar em conjunto com os franceses e ajudar a investigar o ataque”, disse Josh Earnest, principal porta-voz do Presidente Barack Obama. A NATO e a União Europeia também se pronunciaram sobre o atentado: “os aliados da NATO mantêm-se unidos na luta contra o terrorismo que jamais poderá ser tolerado ou justificado”, afirmou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg. “Este é um ato intolerável, um ato bárbaro que desafia a todos nós, na condição de humanos e de europeus”, declarou o Presidente da Comissão Europeia,  Jean-Claude Juncker.

DIA SEGUINTE: LUTO E UM GRANDE NERVOSISMO

O dia de ontem começou com uma nova morte, a de Clarissa Jean-Philippe, agente policial, atingida juntamente com um funcionário municipal, que ficou ferido, vítimas de um homem munido de uma arma automática, no Sul de Paris. Porém, as autoridades disseram desde logo não ter elementos que permitissem relacionar este ataque e o atentado. Ocorreram ainda outros incidentes de pequena dimensão e que não provocaram vítimas. Eram claros os sinais de nervosismo que reina agora na sociedade francesa. Os alvos foram dois locais de culto muçulmanos e um restaurante de kebabs situado junto a uma mesquita. Este sentimento viria a passar fronteiras e em Espanha viveram-se momentos de apreensão. Em Madrid, a estação ferroviária Novos Ministérios foi evacuada por causa de um alerta de bomba que não passou de um falso alarme. Entretanto, as autoridades espanholas reforçaram as medidas de segurança nos espaços públicos.

PEGIDA CONVOCA MANIFESTAÇÃO

O movimento “Europeus Patrióticos contra a islamização do Ocidente” (Pegida, na sigla alemã) convocou uma manifestação em Dresden em
sinal de luto pelo atentado perpetrado contra o Charlie Hebdo. A concentração vai realizar-se na próxima segunda-feira na cidade onde o movimento está baseado e a organização pede que levem fitas negras em sinal de apoio às vítimas do atentado. “Os islamitas, contra os quais o PEGIDA adverte desde há semanas, mostraram em França que não se sabem comportar em democracia e que só contemplam a violência e a morte”, publicou o Pegida nas redes sociais.

SUSPEITOS POR APANHAR

Ao fecho desta edição, o mundo continuava em suspenso e a caça ao homem parecia não ter fim. Desde cedo, a polícia tornou públicas as fotos
dos irmãos suspeitos da autoria do atentado, Said Kouachi e Cherif Kouachi, esperando contar com a ajuda dos cidadãos para mais rapidamente os encontrar. Auxiliada por dois helicópteros e veículos militares, varreu a zona de Villers-Cotterêts, onde o gerente de uma bomba de gasolina reconheceu os suspeitos, tendo ainda passado por Crépy-en-Valois e Longpont.

A equipa de operações especiais viria a encontrar o veículo usado pelos suspeitos, abandonado entre Fleury e Corcy, na região da Picardia. As últimas informações revelavam que os suspeitos poderiam estar refugiados na floresta.

Por Sónia Bexiga/OJE

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