Jessemusse Cacinda é investigador no Centro de Estudos Sociais, onde integra o projeto de pedagogias revolucionárias. Foi o responsável pelo lançamento da editora Ethale Publishing que tem entre os seus objetivos promover o pensamento africano e das suas diásporas. Recentemente integrou a conferência que debateu “Direitos Humanos em Tempos de Instabilidade Política: Caso de Moçambique”, organizada pelo Projeto ‘Quid Iuris’ (organização não governamental dedicada a promover o conhecimento e a compreensão do direito e da justiça no seio da comunidade PALOP).
Em entrevista ao Jornal Económico, Jessemusse Cacinda aborda a situação de Moçambique, o atual estado do direito e da justiça nos PALOP, e as suas áreas de intervenção profissional.
Alerta que, em Moçambique, as massas “continuam nas margens” de um país que assistiu a um crescimento económico acelerado e que a exploração de recursos naturais como o gás natural “não beneficia a população, mas a uma pequena elite”.
Cacinda critica a saúde do direito e da justiça nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), nota o relevo que a língua portuguesa tem no mundo, mas considera que a visibilidade dos PALOP e das suas diásporas “é reduzida”.
Participou numa conferência sobre a situação pós-eleitoral em Moçambique. Que retrato faz?
Moçambique está a passar por um período de transformação social, em que a Frelimo, partido político que resulta do movimento de luta anticolonial, perdeu a legitimidade e o apoio das massas. Ou seja, ela chegou ao poder como um movimento que representava as aspirações das massas, tendo inclusive reivindicado a fundação de um estado de operários e camponeses, mas, volvidos quase 50 anos, as massas continuam nas margens de um país que assistiu a um crescimento económico acelerado, sem que isso se traduzisse na melhoria das condições de vida. Surgiram milionários, colocando o país na décima sexta posição entre os países africanos com mais milionários, e, ao mesmo tempo, está entre os cinco países mais pobres do mundo. A exploração de recursos naturais como o gás natural não beneficia a população, mas a uma pequena elite. Os serviços públicos são quase inexistentes, educação, saúde e infraestruturas são quase todas privatizadas e quando não, tem qualidade péssima.
É contra este cenário todo que uma grande maioria da população saiu às ruas para contestar. A manipulação dos resultados eleitorais por parte dos órgãos de administração eleitoral e o surgimento de uma figura que transformou todos estes problemas no seu discurso político servem de motivação para colocar nas ruas um povo que, inclusive, já ensaiou sair as ruas nos dias 1 e 2 de Setembro de 2010.
O projeto Quid luris atua nas áreas do direito e da justiça nos PALOP. Como caracterizaria estas duas áreas, vive-se boa saúde nestes sectores?
Quase toda história da filosofia tem tentado a partir dos espaços e do tempo vivido elaborar os seus ideias de justiça; o ideal de justiça ultrapassa o mero procedimentalismo do Direito, passa por olhar para a sociedade como um lugar de destino comum e pensar no que pode contribuir para o equilíbrio deste mesmo espaço. Se há um acórdão que valida um processo eleitoral (como acontece em Moçambique), que ignora as irregularidades de um processo e se foca nas questões procedimentais, é difícil pensar que o coletivo de juízes que o elaborou esteja a pensar na justiça. Os países africanos de língua portuguesa têm um histórico de anos de conflitos sociais, políticos e militares, por isso penso que a sua justiça devia servir para debelar conflitos. Neste sentido, não posso fazer um bom diagnóstico, porque em muitos casos são as instituições de justiça que criam conflitos. Em Moçambique, por exemplo, se o Conselho Constitucional optar pela verdade eleitoral, teremos uma instituição de justiça a acabar com um conflito. Se isto acontecer, então a minha resposta irá mudar e direi que a justiça está de boa saúde.
Acumula várias funções, como a de investigador no Centro de Estudos Sociais, com o projeto pedagogias revolucionárias, a que junta o lançamento da editora Ethale Publishing, que tem como um dos seus propósitos a promoção do pensamento africano e das suas diásporas. Como vê o estado dos PALOP e das várias diásporas portuguesas que se espalham pelos vários continentes nas suas áreas de intervenção?
A língua portuguesa está a crescer cada vez mais e a ocupar um espaço de relevância no mundo, tanto como língua diplomática, assim como como língua de produção cultura e intelectual, mas a visibilidade dos PALOP e das suas diásporas é reduzida. Neste sentido, sinto haver necessidade de uma maior mobilização dos produtores culturais destes espaços para dinamizarem iniciativas como o Quid Juris e outras. Há também a necessidade de um público que se interesse por estas comunidades, mas que tenha disposição de apreender uma outra ideia de humanidade que os povos dos PALOP, nas suas diversidades, pode desperecer.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com