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João Almeida: “Não receberei um euro que seja enquanto for presidente do CDS-PP”

Candidato à liderança do CDS-PP afasta coligações com os novos partidos e critica Assunção Cristas por contrariar relação de confiança com eleitores.
15 Janeiro 2020, 09h30

O único atual deputado a candidatar-se à presidência do CDS-PP no Congresso de 25 e 26 de janeiro marca diferenças em relação à direção de Assunção Cristas, de que fez parte, e garante que o partido continua a ter razões para voltar a ter peso na política portuguesa.

Fazer com que o CDS-PP deixe de ser o “maior dos partidos pequenos” é mais ou menos difícil do que foi há 27 anos, quando também estava reduzido a cinco deputados?
São circunstâncias diferentes e desafios enormes. Na altura, a questão era se continuava a justificar-se haver direita além da maioria absolutíssima do PSD. Houve um trabalho extraordinário do grupo parlamentar que marcou a diferença em relação à governação de Cavaco Silva. Depois surgiu uma nova geração, que marcou a direita portuguesa durante mais de 20 anos. Agora, a realidade é um contexto de maioria de esquerda.

E com novos partidos que disputam eleitorado ao CDS…
Tiveram juntos cerca de metade dos votos que o CDS perdeu. O que está em causa é que a distribuição de forças enviesou para a esquerda e há que fazer uma alternativa que leve novamente a uma governação de direita. Para isso, queremos ter o CDS o mais forte possível. Tal como então, há uma razão para o CDS continuar a existir. Nenhum dos partidos novos substitui o seu projeto de direita democrática e popular, que represente doutrinariamente a democracia-cristã, a corrente liberal e a conservadora num só projeto político.

Face ao risco de irrelevância ou de extinção, não é estranho que vários pesos-pesados não tenham tido disponibilidade para avançar para a liderança?
Não acho que haja tal risco e é relevante falarmos da disponibilidade que existe. Estou disponível. Apresentei um projeto. Não é a primeira vez. Já o fiz em circunstâncias muito mais favoráveis. Faço-o nestas e há mais gente a fazê-lo. Há gente com muita qualidade, que deu muito ao partido e ao país, que não se candidatando à liderança, está disponível. Tenho muito orgulho em ter muitos deles, diria que a maioria, disponíveis para o futuro do CDS e identificados com o projeto que apresento. É uma razão de tranquilidade para os militantes e eleitores, pois estarmos num momento difícil não faz com que o partido esqueça tudo o que está para trás. O CDS não é só um resultado eleitoral. Com certeza que tem, do ponto de vista da história, da consistência do projeto político e dos ativos humanos, capacidade para dar a volta.

Na moção defende que seria “um erro que o CDS-PP se convencesse de que necessita de ‘refundar’, ‘reposicionar’ ou ‘redefinir’”. Porquê?
Temos um ativo de mais de 40 anos, construído numa coerência doutrinária e ação política reconhecida pelos portugueses em muitos momentos. Iríamos abdicar de uma vantagem comparativa com projetos novos para nos tornarmos semelhantes. Não vejo vantagem em desperdiçar tamanho ativo. Além de que seria uma profunda falta de respeito por quem, em nome do CDS, lutou ao longo destes anos todos.

Quando diz que o partido não pode ter receio de se afirmar como de direita refere-se referir-se a Assunção Cristas e à tentativa de posicionar o CDS-PP ao centro?
Não é claro que Assunção Cristas tenha defendido um CDS ao centro. Claramente defendeu um CDS de banda mais larga, mas antes de irmos procurar novos eleitorados devemos representar bem a nossa base sociológica. Não podemos desiludir e contrariar a relação de confiança com aqueles que, posicionando-se à direita, esperam que o CDS, nas causas em que é preciso optar entre a solução socialista e a alternativa, tenha uma solução à direita. Acredito que há espaço para a direita em Portugal superior à representatividade atual do CDS. O fundamental é voltarmos a ter a representatividade que tivemos e crescermos a partir daí.

Enquanto membro da atual direção teve acesso às contas?
Tive acesso ao fecho de contas. Não tive o acompanhamento da evolução financeira, que é competência direta do secretário-geral.

Como descreve o que viu?
Não tenho um nível de detalhe suficiente para um juízo de valor.

Sabe se a dívida se aproxima dos dois milhões de euros?
Não acho que falar sobre a situação financeira beneficie quem quer ser presidente, acredita que o vai ser e terá de lidar com a realidade. A dívida é inferior aos números que têm vindo a público e tenho a certeza de que, com planeamento e colaboração dos envolvidos, credores e entidades financiadoras, é perfeitamente possível reequilibrar financeiramente o partido no médio prazo. Não no curto prazo, devido ao resultado eleitoral e redução da subvenção, que dá muito menor margem de gestão de tesouraria, mais do que pelo peso do passivo, gerível com planeamento adequado e capacidade de negociação. Temos pessoas para isso.

Onde prevê cortar despesas e onde espera obter receitas?
Cortarei no funcionamento corrente e atividade política, conseguindo através da comunicação suprimir gastos em eventos e deslocações, bem como na remuneração de órgãos dirigentes. Não receberei um euro que seja enquanto presidente do partido. Não serei remunerado. Foi uma decisão que tomei imediatamente. Com o partido nesta situação não faz sentido pagar o que quer que seja, e no resto da estrutura tentarei reduzir ao mínimo. Nas receitas, a lei do financiamento dos partidos não dá muitas possibilidades. Entre quotizações e donativos, iremos buscar o que perdemos em subvenção. Não tudo, mas iremos buscar parte através da solidariedade de todos os que se revejam no projeto político do CDS e que com transparência possam apoiá-lo.

Esta direção estará a rescindir contratos com trabalhadores e a alienar património. Manterá este processo caso seja eleito?
Foi-me pedida opinião enquanto candidato e dei parecer negativo a operações financeiras no período de transição. Operações de aquisição, alienação ou oneração de património devem passar a ser competência do Conselho Nacional, exatamente para serem escrutinadas. Outra solução é a prestação regular de contas da posição financeira e económica ao Conselho Nacional. Trata-se de dar ao parlamento do partido o escrutínio da gestão financeira e patrimonial. Proponho também a segregação de funções, concentradas no secretário-geral, da condução da atividade política e da gestão financeira, com separação entre a maximização dos cash flows e da atividade política, para não haver conflito de interesses. Defendo um vice-presidente acima do secretário-geral ou de um tesoureiro com a responsabilidade da gestão corrente. Isso faz com que haja intervenção de duas pessoas na contração de despesa. É uma medida não só de alteração de governança, mas também de contenção de despesa porque o duplo escrutínio fará com que o rigor na despesa seja maior.

A ideia base dessas propostas é reforçar a transparência. Rigor na gestão e a transparência nos processos. As regras atuais não asseguram essa transparência?
Nenhuma organização pode ser indiferente à polémica pública sobre a gestão de recursos. E um partido de forma acrescida, pois a maioria do dinheiro que gere vem do Orçamento do Estado. Há que garantir reputacionalmente que a gestão é rigorosa e transparente.

O apoio à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa será decidido em Conselho Nacional, após avaliação do mandato. Significa que não há cheques em branco?
A decisão terá em conta a circunstância de existir um Presidente apoiado pelo CDS, e é fundamental que a decisão caiba ao órgão máximo entre congressos e não a um presidente ou direção.

Defende que o futuro passa por olhar para as novas relações laborais e transição digital. Que principais medidas que gostaria de ver concretizadas?
Portugal não pode encarar a transição digital como uma inevitável redução do total de postos de trabalho. O risco, ao contrário do que diz a esquerda, é não termos mão-de-obra qualificada para oportunidades de emprego que podem surgir e puxar o salário médio para cima, pois são melhor remunerados. No lado das novas relações de trabalho, existe a oportunidade de conciliar melhor a vida profissional com a vida familiar e questões ambientais, com o trabalho à distância e a redução substancial das deslocações pendulares entre residência e local de trabalho que já não fazem o mesmo sentido. Vi com interesse a proposta da primeira-ministra da Finlândia de concentrar o horário de trabalho em quatro dias, algo que a nossa moção também aborda.

Não será bem assim…
Mas devia ser. Há que abrir espaço a uma conciliação muito mais positiva da vida pessoal com a vida profissional sem que tal constitua redução de produtividade. Pelo contrário, permitindo aumentos.

Defende também uma taxa fiscal única para os prémios de produtividade e bónus. Que benefícios espera da medida?
Incentivar o reconhecimento do mérito. Se nos rendimentos prediais há a intenção de valorizar a poupança, tributando-os abaixo do que seriam caso fossem englobados, queremos o mesmo numa lógica da meritocracia. Se alguém consegue atingir resultados, e tem prémio por isso, pode ter uma tributação mais baixa, o que incentiva o trabalhador a querer chegar aí e as empresas a darem maior motivação aos trabalhadores.

Que taxa será justa para o CEO que recebe um bónus de 500 mil ou de um milhão de euros?
Não estamos a falar disso…

Pode acontecer…
Se a medida não tiver um cap, que poderá vir a ter. O objetivo não é baixar a tributação dos prémios das remunerações mais elevadas; é incentivar quadros intermédios e técnicos e fazer com que as empresas vejam a vantagem.

Propostas como alargar o dia de votação à segunda-feira ou canais a desviar água do norte para sul são o equivalente às causas fraturantes que fizeram o Bloco de Esquerda crescer?
Não são minimamente fraturantes, pelo contrário.

Desviar água do Norte para o Sul poderá ser…
Quando discutirmos o ambiente não quero que o CDS arranje uma Greta de direita para debitar slogans. Temos problemas nossos, e os maiores são a desertificação e a seca. Vastas zonas, sobretudo a sul, têm grande carência de água. Temos de fazer uma gestão eficiente e grandes projetos, como o Alqueva, são essenciais para manter o equilíbrio territorial. Falta quem discuta o ambiente nos termos em que interessa a Portugal. A erosão costeira é outra questão importantíssima que se discute pouco. Devemos reposicionar o partido para o tornar central na gestão do território e nas questões ambientais.

Mas sem os tais tiques de Greta Thunberg…
Isso são slogans. Têm o seu lugar. O que não é normal é os políticos irem atrás e não acrescentarem nada. Ficarem subservientes a uma agenda muito superficial. Não vejo vantagem em que as novas gerações saibam mais acerca do degelo dos glaciares do que sobre a erosão da orla costeira portuguesa.

A recandidatura de Assunção Cristas em Lisboa é essencial para a estratégia autárquica?
Garanto que terei uma candidatura muito forte à Câmara de Lisboa nas próximas autárquicas. Tenho a certeza absoluta. Vamos voltar a ter um grande projeto e valorizamos muito aquilo que foi feito nas últmas eleições e os excelentes autarcas que temos. Teremos uma candidatura que valorize tal trabalho e volte a afirmar o CDS como partido fortíssimo na capital.

Não se compromete com a recandidatura de Cristas?
Respeitando vontades individuais, sei que tenho a garantia de um projeto vencedor para a cidade.

Admite que provavelmente o CDS só voltará ao poder numa coligação à direita. Formaria governo com qualquer um dos partidos que agora existem?
O CDS tem um parceiro natural, com quem já governou diversas vezes, que é o PSD. É por aí que devemos começar, e não faz sentido outros cenários que não passem pelos partidos que à direita governaram o país, e que há pouco mais de quatro anos o faziam. Concentraremos o diálogo no PSD.

E o Iniciativa Liberal e Chega?
Defendemos o diálogo permanente com o PSD e o fortalecimento do CDS. São as prioridades.

Portanto, não haverá coligação com outros partidos?
Não falo de coligações. O CDS tem a prioridade do fortalecimento interno. Não seria um bom princípio especular sobre a necessidade ou utilidade de se juntar a esta ou aquela força, à exceção do PSD.

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