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João Moreira Rato defende venda da Tranquilidade por 40 milhões e admite assessoria de Siza Vieira

João Moreira Rato, que foi o último administrador financeiro do BES e primeiro do Novo Banco (apesar de ter estado poucos meses na instituição), confirmou esta quinta-feira que o atual ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, esteve envolvido no processo de venda da seguradora Tranquilidade ao fundo Apollo. Lembrou que a Tranquilidade estava em risco de insolvência.
João Moreira Rato
18 Março 2021, 12h45

João Moreira Rato, ex-administrador financeiro do BES e do Novo Banco, foi o inquirido desta quinta-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

João Moreira Rato é economista, atual presidente do conselho de administração do Banco CTT e ex-presidente do IGCP (liderou o processo de “regresso aos mercados” após o programa da troika), foi o administrador financeiro (CFO) que substituiu Amílcar Morais Pires, depois da saída da administração de Ricardo Salgado.

O deputado Duarte Alves do PCP, começou as inquirições a João Moreira Rato – que foi administrador financeiro do BES e do Novo Banco entre julho e setembro de 2014 – com a venda da Tranquilidade ao fundo Apollo.

A venda da seguradora Tranquilidade em 2014/2015 foi feita por 40 milhões de euros (com o compromisso de um aumento de capital de 150 milhões de euros) ao fundo Apollo. Esse fundo, em 2019, vendeu à Generali por 600 milhões de euros.

O negócio de venda da seguradora Tranquilidade foi concretizado em janeiro de 2015, quatro meses depois de a gestora norte-americana de private equity (Apollo Global Management) e o Novo Banco, que tinha um penhor sobre a companhia, terem acordado os termos da operação.

João Moreira Rato assumiu que foi responsável por negociar a venda da Tranquilidade com a Apollo com a assessoria da sociedade de advogados Linklatters, que tinha como advogados António Soares e Pedro Siza Vieira, atual ministro da Economia, que segundo o gestor esteve muito envolvido na venda da Tranquilidade.

“Estava em causa a sobrevivência da Tranquilidade”, disse Moreira Rato perante as acusações que “foi a primeira venda ao desbarato do grupo”.  O gestor explicou aos deputados que o Novo Banco não tinha as ações da Tranquilidade, tinha sim um penhor sobre as ações, o banco era um credor pignoratício. Portanto a seguradora não estava no balanço do Novo Banco, o crédito é que estava no balanço do NB. Vendendo essas ações recuperava o crédito. Portanto a venda da Tranquilidade foi a execução de um penhor.

João Moreira Rato revelou ainda que era António Soares o advogado da Linklaters com quem lidava mais de perto, tendo sido esta sociedade de advogados contratada ainda antes da resolução para ajudar nos problemas jurídicos que iriam surgir naquele processo, problemas que viriam de “várias jurisdições”. Mas, Pedro Siza Vieira “terá sido chamado num ou noutro conselho para discutir o contrato de compra e venda” da seguradora.

O deputado confrontou o gestor, ex-CFO do BES, com uma proposta da Liberty Seguros de 200 milhões que terá havido naquela altura. Mas João Moreira Rato contou que essa era uma proposta não vinculativa e que essa seguradora nunca chegou a avançar com uma proposta vinculativa. O gestor disse ainda que a proposta da Apollo era de 215 milhões, mas a este valor descontava os 15 milhões de dividendos já distribuídos e os 150 milhões que a Tranquilidade tinha investido em títulos do Grupo Espírito Santo, operação que descapitalizou a seguradora do grupo e que a deixou à beira da insolvência.

O gestor elogiou a eficácia dos advogados da Linklatters na execução do penhor, porque a ESFG estava em gestão controlada. A dívida da ESFG ao BES garantida pela Tranquilidade era de 48 milhões de euros, e decorria de uma linha de crédito relativa à colocação de papel comercial da ESI e Rioforte, que tinha sido utilizada até àquele montante, porque não se autorizou que se usasse mais dessa linha.

A isto agrava o facto de a Tranquilidade estar descapitalizada em 150 milhões por ter investido em papel comercial das empresas do GES, insolventes.

O ISP (atual ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) pressionou a venda da Tranquilidade a um terceiro que a pudesse recapitalizar, porque o grupo não tinha capacidade de o fazer. “O ISP insistiu muito para que o processo continuasse, porque a Tranquilidade estava a perder clientes e em setembro tinha de renegociar contratos de seguro e resseguro com empresas”.

O deputado comunista frisou que o regulador dos seguros rejeitou suspender o processo de venda da Tranquilidade à Apollo que poderia ter permitido que a Liberty fizesse uma due-diligence para avançar com uma proposta vinculativa, em vez de ter de a fazer em quatro dias.

A venda foi feita com a não oposição do Banco de Portugal. O Novo Banco quando vendeu a Tranquilidade era um banco de transição e não podia efetuar vendas acima de 20 milhões de euros, esta operação só foi possível porque foi a execução de um penhor.

O deputado do PCP confrontou Moreira Rato com uma reunião de 8 setembro, onde é tomada a decisão de esta operação não ir à assembleia geral. Esta decisão segue um parecer da Linklaters contra o parecer do conselho fiscal que defendeu que a operação devia passar pela assembleia geral. Isto é, devia ser autorizada pelo acionista que era o Fundo de Resolução.

“A venda da Tranquilidade à Apollo tinha implícito um múltiplo que estava alinhado com os múltiplos do mercado, nomeadamente andava próximo dos múltiplos da venda da Caixa Seguros na época”, disse o gestor.

“Tínhamos consciência que a carteira de crédito do banco poderia vir a dar problemas”

A deputada do CDS Cecília Meireles questionou João Moreira Rato, que foi durante três semanas administrador do BES e seis semanas administrador do Novo Banco, sobre a capitalização inicial do banco.

“Tínhamos consciência que a carteira de crédito do banco poderia vir a dar problemas”, reconheceu João Moreira Rato, que esteve no banco na administração liderada por Vítor Bento.

O ex-CFO disse que embora se reconhecesse esse risco, naquelas escassas semanas não foi uma preocupação prioritária porque havia situações muito mais urgentes relacionadas com o capital do banco e até a saída relevante de muitos recursos humanos.

No dia 1 de agosto foram ao BdP para discutir a recapitalização do banco de forma privada, com aumentos de capital graduais, e tinham até conseguido mudar o RGICSF para poder executar esse plano. Foram surpreendidos pelo Governador com a notícia que ia ser aplicada uma medida de resolução ao BES.

“Nós, no dia 1 de agosto, quando fomos chamados para discutir o que se ia passar [a resolução] nós íamos preparados para discutir as opções de recapitalização privada que existiam. Fomos surpreendidos com os detalhes da resolução que nos pareceram muito vagos. Pediram-nos para estar disponíveis para os dias seguintes para o que fosse preciso”, relatou o ex- CFO, em resposta a João Cotrim Figueiredo. Foi Carlos Costa, na altura governador do Banco de Portugal, quem liderou essa apresentação de 1 de agosto à equipa diretiva do BES.

João Moreira Rato disse que a equipa de gestão de que fez parte “tentou estabilizar o banco em circunstâncias muito difíceis”, e que avisaram o Banco de Portugal que o capital inicial do Novo Banco poderia vir a não ser suficiente.

A administração de Vítor Bento queria recapitalizar o banco com investidores privados em dois anos e o Banco de Portugal, com base na diretiva europeia impôs uma limitação de tempo de seis meses. O facto de o Novo Banco ser um banco de transição criava uma limitação à venda de ativos, porque a venda de ativos com limites de tempo obriga a maiores descontos. A administração pediu ao Banco de Portugal para alargar os prazos, mas nunca obteve resposta e os prazos não foram alterados.

O Novo Banco, enquanto Banco de transição, tinha uma duração limitada de dois anos, prorrogável por períodos de um ano, com base em fundadas razões de interesse público, até ao máximo de cinco anos. O banco tinha ser vendido num prazo máximo de dois anos desde a data da sua constituição. Foi por intervenção da administração de Vítor Bento que a lei bancária mudou no sentido de permitir que o banco de transição fosse comprado por instituições que não bancos.

O banco liderado então por Vítor Bento tinha contratado o Deutsche Bank para o assessorar na otimização do balanço do BES e para o auxiliar na recapitalização do banco. Mas depois da resolução, o Fundo de Resolução contratou o BNP Paribas para o assessorar na venda do Novo Banco e o Deutsche Bank perdeu a segunda parte do seu mandato (o mandato para recapitalizar o banco).

O Novo Banco foi criado com um rácio de capital total de 8,5%, em julho, face a novos factos, esse rácio baixou para 7,8% e a 19 de agosto o rácio de capital era de 8,3% muito próximo do mínimo legal de 8%.

Já antes o economista tinha respondido ao elevado risco da exposição do BES ao BESA ao nível das linhas concedidas no contexto de Mercado Monetário Interbancário e que eram de 4,5 mil milhões de dólares. Relatou também, que quando a equipa de gestão entrou no BES foi indicado pelo Banco de Portugal que a garantia angolana ao BES Angola “era válida”. Acabou por não ser assim – colocando o banco a perder potencialmente os 4,5 mil milhões de dólares, um fator que foi decisivo para configurar as perdas que foram reconhecidas nos resultados do primeiro semestre do BES, logo antes da resolução.

O ex-CFO revelou que havia preocupações com a validade dessa garantia angolana.

João Moreira Rato revelou ainda, quando questionado pelos deputados, que o Crédit Suisse acionou a garantia que o BES tinha dado a um equity swap relativo a um fundo da Ongoing, razão pela qual o banco teve de suportar a perda. O Crédit Suisse reclamou da Ongoing 216 milhões de euros, uma quantia que estava garantida pelo BES.

Sobre a venda de carteiras de crédito malparado, Moreira Rato explicou aos deputados que são sempre vendidas a desconto, mas a dimensão desse desconto depende de muitos factores. Mais concretamente depende da qualidade e tipologia dos créditos, “se é hipotecário tem menos descontos, se é crédito pessoal o desconto é maior. No crédito a empresas depende muito do colateral que existe, depende da hierarquia dos créditos, da maturidade”, disse.

O gestor respondeu aos deputados às perguntas sobre as imparidades para crédito de grandes devedores depois de 2014, que somaram 3,3 mil milhões de euros, segundo a Deloitte, defendendo que seja sempre considerado as NPE – Non Performing Exposure, um conceito mais abrangente que NPL, por incluir o crédito reestruturado que ainda não está vencido e ainda as garantias.

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