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Joe Berardo: De bestial a besta? Ou será bode (expiatório)?

Na comissão de inquérito Joe Berardo disse com todas as letras aos deputados que foram os bancos que o contactaram e foram estas que quiseram apoiar estas operações.
13 Junho 2019, 07h15

Assistimos nestes últimos dias um país inteiro a “cair em cima” de Joe Berardo devido às declarações que prestou na comissão de inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos.

Curiosamente, enquanto se fala de Joe Berardo, é uma consequência natural deixar de falar na Caixa Geral de Depósitos, na sua lista de devedores e nos responsáveis pela mesma.

Sobre Joe Berardo, reconheço-lhe arrojo e perspicácia ao ter feito fortuna na África do Sul na sua faceta de empresário, ter regressado a Portugal, ter construído projectos empresariais puros como o Savoy, a Empresa Madeirense de Tabacos e a Quinta da Bacalhôa, sendo estes responsáveis por milhares de postos de trabalho criados e milhões de euros em impostos cobrados, e o mérito de ter dotado Portugal com o que o jornal britânico The Independent considera uma das melhores colecções privadas de arte da Europa (considera-a superior à de Guggenheim)…

À parte do Joe Berardo empresário, existe igualmente uma faceta de especulador, sendo esta faceta que tentou comprar 85% das acções do Sport Lisboa e Benfica e acima de tudo, foi esta faceta que esteve em plena acção no auge da luta de poder entre accionistas do Millennium BCP, relativamente às quais, a Caixa Geral de Depósitos (o banco público), assim como o BCP e o Novo Banco emprestaram ao empresário madeirense 980 milhões de euros.

Hoje em dia só se fala na postura e nas “tiradas” de Joe Berardo na comissão de inquérito que circulam abundantemente nas redes sociais, mas a verdade é que me parece que o país inteiro está a dar atenção ao acessório e escolher o caminho mais fácil que é atacar o homem, fazer dele um bode expiatório, culpá-lo e seguir em frente e com tudo na mesma, do que perceber a verdadeira origem do problema e resolver o mesmo de forma definitiva.

Na comissão de inquérito Joe Berardo disse com todas as letras aos deputados que foram os bancos que o contactaram e foram estas que quiseram apoiar estas operações. E isto afigura-se-me como muito credível porque o que reza a história é que foram os maiores bancos portugueses que emprestaram perto de € 1.000.000.000,00 (1 bilião de euros) a um empresário, entrou-se em incumprimento pela quase totalidade do crédito, não existem quaisquer garantias e foram os contribuintes portugueses que foram chamados a pagar para resgatar a mesma banca que concedeu estes créditos.

Mas por outro lado, se eu (ou o leitor, ou qualquer outro cidadão normal) for agora a um banco pedir, por exemplo, um crédito habitação, vão nos pedir a casa como garantia, exigir a prestação de letras e garantias pessoais, fiadores terceiros (normalmente só familiares é que aceitam semelhante responsabilidade), provavelmente negar-me-iam o crédito na mesma e, mesmo que o concedessem, se o incumprisse ficaríamos seguramente arruinados.

A verdade é que hoje assistimos um tratamento diferenciado que é inaceitável, a concessão de crédito aos cidadãos e às empresas (que são o motor do desenvolvimento do nosso país), é difícil, restrito, burocrático e exigente, e depois vemos que existe um outro tipo de crédito, fácil e escorreito, das grandes operações/especulações, de duvidosa cobrabilidade em caso de incumprimento, em que os banqueiros concedem milhões sem garantias, maximizando os seus bónus pessoais no final do ano e em caso de incumprimento recorrem ao Estado (todos nós) para pagar.

É por este motivo que Portugal é um país estagnado e que não consegue ir para a frente, porque é um país de duas velocidades, onde as famílias e as empresas (o alicerce da economia nacional, que consome, injecta dinheiro na economia, gera postos de trabalho e riqueza) são preteridas pelas negociatas e pelas operações de risco e onde é mais fácil e confortável atacar e concentrar todas as atenções num homem como Joe Berardo, fazendo dele um bode expiatório, do que enfrentar este problema que tem condenado Portugal à estagnação económica e ameaça continuar a fazê-lo para as gerações vindouras. É nosso dever deixar o este país aos nossos filhos e netos num estado melhor do que o encontramos!

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