[weglot_switcher]

Jogos de tabuleiro: opções ‘vintage’ na era digital

Decoram prateleiras com cores, prometem sorrisos, alegrias e emoções. Mas escolher o jogo certo é uma arte difícil de dominar. Tal como os jogos, ninguém é igual e não há um para todos os gostos.
16 Setembro 2018, 09h00

Depois da corrida pelo espaço, as duas potências mundiais da Guerra Fria enfrentaram-se no campeonato do mundo de xadrez de 1972, realizado na Islândia, um território neutro. De um lado do tabuleiro de 64 quadrados estava o então campeão em título, o russo Boris Spassky, pressionado em revalidar o título porque, para a antiga URSS, a mestria russa do xadrez demonstrava que a ideologia soviética era intelectualmente superior à do inimigo capitalista norte-americano. Do outro lado do tabuleiro estava aquele que é por muitos considerado o maior génio da história do xadrez: Bobby Fischer. O norte-americano ganhou e foi recebido em apoteose nos Estados Unidos, e até Richard Nixon ligou-lhe pessoalmente para felicitá-lo.

Apesar de complexo, o xadrez continua a ter milhares de jogadores pelo mundo fora. Mas, desde há uns anos, outros jogos de tabuleiro têm crescido em popularidade, como o Catan ou o Carcassone, que revolucionaram a indústria e tornaram-se no paradigma dos jogos de tabuleiro modernos, explica Joaquim Dorca, chief marketing officer da Devir, uma editora e distribuidora destes jogos. Para terem sucesso, estes jogos têm de basear-se na tomada de decisões, relegando o fator sorte para um plano secundário, ser simples de jogar e de curta duração.

O ressurgimento dos jogos de tabuleiro na era do mundo virtual é, por si só, um marco. Tanto mais que estamos na presença de um produto que exige tempo disponível. Por essa razão, diz Dorca, a indústria concorre não só com sucedâneos, como os jogos de vídeo, mas também com todas as atividades que ocupam tempo livre, desde o futebol à leitura ou idas ao cinema, o que dificulta bastante a indústria. A melhor forma para os jogos de tabuleiro conquistarem shelf space consiste em ter um produto que crie expetativas e ofereça experiências completamente distintas de todas as outras atividades concorrentes, explica Dorca.

Nessa medida, além de precisarem de um produto apetecível, como o Fantasma Blitz, um jogo de cartas para o qual as crianças têm particular jeito, as editoras de jogos de tabuleiro necessitam de uma estratégia de marketing muito bem trabalhada. A compreensão das regras é o primeiro obstáculo que este tipo de jogos tem de ultrapassar; por isso, a função principal do marketing da Devir consiste em explicar bem os seus jogos. Nas palavras de Dorca, o maior problema do marketing destes jogos é que toda gente gosta de jogar, mas nem todos gostam de jogar o mesmo jogo. Por isso, é impossível tratar todos os jogos debaixo de uma marca única – não são como a Barbie, cada jogo é um produto diferente.

Não ultrapassar a barreira inicial da compreensão das regras é um pecado capital para a editora do jogo de tabuleiro. Isto porque os jogos de tabuleiro não estão dentro dos itens culturais aceites por todo o mundo, explica Dorca. Uma má experiência com determinado jogo de tabuleiro condena todos os outros, na medida em que o jogador pura e simplesmente desinteressa-se, o que acontece com livros ou filmes, revela Dorca. Mas o inverso também se verifica, quando um jogador tem uma boa experiência com determinado jogo, corre para comprá-lo e jogá-lo com amigos ou familiares. Por isso, a Devir indica em todos os seus jogos o tempo que demora um jogo, o seu grau de complexidade, quem pode jogar, quanto tempo demora a perceber as regras, mas também quanto tempo demoram a ser explicadas.

Espanhol e na indústria desde 1988, Dorca conhece bem uma loja pequena em Barcelona que só vende jogos de tabuleiro. Para ele, a Amazon jamais conseguirá ameaçá-la porque os seus trabalhadores fazem uma coisa fora do comum: em vez de ‘impingirem’ um jogo qualquer, procuram perceber o perfil do cliente que têm diante de si para depois lhe venderem o jogo mais adequado. Com esta política, a Jugar X Jugar vende o ano inteiro. Na indústria dos jogos de tabuleiro não existe um one size fits all – há que encaixar o jogo certo no público adequado e com o conhecimento suficiente para determinado jogo, como se de um puzzle se tratasse.

Na indústria, prima-se pela abertura e pela integração de diferentes agentes que intervêm na produção de um jogo, desde os autores, passando pelos play-testers dos editores, acabando na mesa de jogo. No estado atual das coisas, embora em cooperação com as editoras, o papel principal na produção de um jogo de tabuleiro é sempre desempenhado pelo seu autor. Em 1995, Klaus Teuber saltou para a ribalta depois de ter vencido o prestigiado Spiel des Jahres, um prémio criado na Alemanha para a promoção de jogos de tabuleiro pelo mundialmente aclamado Catan, um jogo de estratégia e de negociação que, segundo Dorca, demonstra na perfeição a diferença entre os jogos de tabuleiro modernos e os clássicos, como o Monopólio, o Risco ou o Cluedo.

Um autor de jogos de tabuleiro, à semelhança de um escritor, é um observador da realidade que o rodeia. Olhando para a história dos jogos de tabuleiro desde a invenção da impressão a cores, depressa se percebe que os autores desses jogos clássicos trouxeram para a mesa de jogo realidades da sua época. O Monopólio, o primeiro jogo que obriga os jogadores a tomarem decisões, trouxe para a mesa de jogo a especulação do mercado (imobiliário) que deu origem ao crash de 1929. Seguiu-se o Scrabble, que deu um formato competitivo às palavras cruzadas que vinham nos jornais. Entre os anos 50 e 60 do século passado, saíram mais dois clássicos, o Risco e o Cluedo. A última inovação, antes do Catan, ocorreu depois do conhecimento se ter propagado na sociedade ocidental, capaz de competir num contexto de cultura geral, com o lançamento do Trivial Pursuit na década de 80. Atualmente, o ser humano, habituado à gratificação instantânea, quer jogos rápidos, emocionantes até ao fim, de fácil compreensão e que proporcionem experiências diferentes. Por não ter chegado a todos a que poderá chegar, Dorca reconhece que ainda há muito potencial para a indústria crescer.

A indústria dos jogos de tabuleiro teria, apesar de tudo, a vida mais fácil se todos os jogadores fossem como Fischer: pacientes, calmos e meticulosos.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.