14H12, 19-07-2021, Texas. O mundo assiste ao lançamento da cápsula da Blue Origin, naquele que foi o primeiro voo com pessoas a bordo realizado pela empresa criada por Jeff Bezos, num momento considerado histórico.

A reação ao acontecimento não foi unânime, contudo. Muitas foram as vozes de revolta, incluindo a de Alexandria Ocasio-Cortez. A conhecida congressista democrata contrastou a megalomania dos planos espaciais de Bezos com as precárias condições laborais dos trabalhadores da Amazon. Reside neste confronto de posições uma questão estrutural, a das desigualdades socioeconómicas.

A questão da justa distribuição de rendimentos e oportunidades começou por ser um tema de cariz filosófico, associado aos conceitos do utilitarismo e de justiça enquanto ideal teórico de construção social. Apêndice inevitável desta discussão é a reflexão sobre a ligação entre a riqueza e o bem-estar. Conclusões que se teçam sobre a importância do rendimento como motor do bem-estar influenciarão a visão do ser sobre a desigualdade socioeconómica.

Curiosamente, nem o pai da economia moderna, Adam Smith, se imiscuiu deste debate. Em “A Teoria dos Sentimentos Morais”, Smith afirmou que as posses do homem rico “impedem a aproximação das chuvas de abril, não das tempestades de inverno, mas deixam-no tão (e por vezes ainda mais) exposto à ansiedade, ao medo e à tristeza; às doenças, ao perigo e à morte”.

Mais de 250 anos depois, as “posses do homem rico”, em contraste com a escassez de meios do homem pobre, são alvo de discussão e trabalho contínuos. Por exemplo, Zucman et al. (2019) concluiu que as faixas mais ricas da população são as que mais recorrem à evasão fiscal, amplificando processos estruturais de desigualdades económicas.

A atual crise económica é, quiçá ainda mais do que na crise das dívidas soberanas, uma crise de impactos desiguais. A evidência mais recente comprova-o: Carvalho, Esteves e Peralta (2021) afirmam que “entre o 2.º trimestre de 2020 e o 1.º trimestre de 2021, o número médio de horas trabalhadas diminuiu para os agregados com salários mais baixos e aumentou para os agregados com salários mais elevados”. Para além disso, segundo dados do “The Global Wealth Report”, existiam, em 2020, mais 19.430 milionários em Portugal do que em 2019. Claramente, os impactos da atual crise fizeram-se sentir de forma muito desigual.

De acordo com a World Inequality Database, a percentagem da riqueza criada anualmente detida pelos 50% da população portuguesa mais pobre tem vindo a diminuir (de 21,9% em 1980 para 18,9% em 2017). No mesmo período, a percentagem de riqueza detida pelos 1% da população mais ricos aumentou três pontos percentuais, para 11,7%. Estes são dados relativos aos rendimentos antes de impostos – o fosso entre mais ricos e mais pobres diminui após o papel redistributivo desempenhado pelo Estado. Ainda assim, esta é uma questão a que devemos estar extremamente atentos.

Carlos Farinha Rodrigues, um dos maiores especialistas nas questões da desigualdade, afirma que as consequências da atual crise económica “certamente se vão traduzir em agravamentos da desigualdade”. Adicionalmente, questões estruturais como a progressiva digitalização da economia e a crescente automação dos processos produtivos tenderão a agravar a concentração de rendimentos, como estimado por Hong e Shell (2018).

A discussão de potenciais mecanismos de limitação das desigualdades socioecónomicas ocuparia facilmente o espaço ocupado por este texto. Quer seja através de harmonizações fiscais, maior progressividade fiscal ou um aumento da coordenação internacional, mitigando a evasão fiscal; quer seja através da implementação de um Rendimento Básico Incondicional; quer seja através de uma ação governativa mais assertiva na limitação do poder de mercado das big tech; quer seja através de uma taxação gradual destas empresas tecnológicas; quer seja através de uma congregação de todas estas medidas.

Qualquer que seja o caminho escolhido, o mais importante é que o delineamento de estratégias para os próximos anos beneficie desta reflexão, apoiando quem se encontra na cauda da distribuição de rendimento – aqueles que nem das “chuvas de abril” se conseguem proteger.

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.

 

Referências:

The Impact of Automation on Inequality, Sungki Hong e Hannah G. Shell, Federal Reserve Bank of St. Louis, 2018

Portugal, Balanço Social 2020, Bruno Carvalho, Mariana Esteves e Susana Peralta, Nova SBE, 2021

Tax Evasion and Inequality, Annette Alstadsæter, Niels Johannesen e Gabriel Zucman, American Economic Review, 2019

The Global Wealth Report, Credit Suisse Research Institute, 2021