Gustave Flaubert, no seu “Dicionário de Ideias Feitas”, definia assim a Literatura: “ocupação dos ociosos”; e na entrada para as Artes: “São verdadeiramente inúteis, substituíveis por máquinas que fabricam mais rapidamente”. Na sua ironia, quase antecipava o ‘advento’ da Inteligência Artificial, mas não é disso que aqui tratamos. A viagem que propomos vai à boleia da chamada 9ª Arte, a Banda Desenhada e da vontade de pôr de pé um espaço de encontro para os indefetíveis da BD e para todos os que queiram desbravar os mil e um universos que a habitam.
A Kingpin surgiu em maio de 1999 como a primeira loja online em Portugal especializada em comics americanos. Um projeto arriscado? Talvez, mas para o seu fundador, Mário Freitas, esse era o caminho a seguir. Licenciou-se em gestão de empresas, diz ao JE, “há precisamente 30 anos, em janeiro de 1995. Na altura, já trabalhava como consultor de investimentos”. “Foi uma coisa pragmática da juventude”, a pensar nas saídas profissionais.
Mas rapidamente percebeu que “a gestão não é uma vocação, como a medicina ou um curso de música”. Conta pelos dedos das mãos as cadeiras de que gostou, estratégia e marketing. Mais importante, percebeu também que não estava “fadado para trabalhar para outras pessoas”. Conclusão, ao fim de dois anos numa consultora saiu para criar uma empresa na área dos projetos de investimento, juntamente com um punhado de amigos. O know-how foi oleando os dias, mas cinco anos depois era tempo de tomar as rédeas do seu negócio.
Na altura, começou a disseminar-se a internet e eu tive a ideia estúpida de abrir uma loja de banda desenhada para vender comics americanos”. [sorriso] Decidiu fazer um site, estudou HTML e fez de uma mailing list, de um grupo chamado Comics PT, o seu vaso comunicante. “Comecei aí a promover a loja e, logo nesse primeiro ano, em 99, tive um pequeno stand no
Festival Internacional de BD da Amadora. Foi a minha primeira grande apresentação pública”, diz
Mário.
Em novembro de 2002 abriu a primeira loja física, no C.C. São João de Deus, em Lisboa. Seguiu-se, em 2008, o espaço que fez história, no nº. 16B na rua Quirino da Fonseca, à Alameda, e que perdura na memória de muitos fãs. Dez anos a tratar por tu 80 m2 que se tornaram demasiado exíguos para os muitos livros de BD em várias línguas e para todo o merchandising associado.
A Kingpin Books entrou assim para a história como referência nacional, e também fora de portas, numa nova casa, na palpitante Av. Almirante Reis. Com mais de 200m2 de área de exposição, o leque de obras cresceu, abarcando desde autores consagrados a emergentes. No ano de abertura do espaço, em 2018, a Kingpin esteve entre os cinco finalistas para os Eisner Retailer Awards,
os prémios que levam a chancela da Comic Con de San Diego, nos EUA, atribuídos às melhores
lojas de banda desenhada no mundo
Consolidar é o verbo e a meta
Além de livreiro e de editor, Mário Freitas é argumentista, legendador e designer de publicação, pelo que tem um olhar clínico, que anda de mãos dadas com o comentário acutilante. Edita álbuns de BD de autores portugueses desde 2006 e diz que a “falta de sensibilidade” de alguns editores é
algo com que lida muito mal.
“Temos um problema em Portugal que é não haver uma palavra para editor e uma palavra para
publisher. Chamamos editor a tudo, mas são coisas muito distintas. E há editores que não passam de publicadores, ou seja, aquilo que recebem é aquilo que editam e, depois, falta-lhes aquela sensibilidade extra em relação aos formatos: se tem capa dura, se tem capa mole com badanas, o tipo de papel, a gramagem… E antes disso, coisas como a legendagem, a cor”.
Quando lhe perguntam se lê na perspetiva de leitor ou de editor, responde não consegue desligar
partes de si. “Não consigo dizer, ‘este livro tem um belo argumento, mas vou-me desligar da legendagem horrível’. Não consigo!”, exclama.
Por outro lado, garante que nunca houve tantos bons autores portugueses. “Alguns trabalham para o mercado internacional, como o Jorge Coelho e o Filipe Andrade, que eu aprecio muitíssimo. Fez dois livros muito bons, ‘As Muitas Mortes de Laila Starr’, de Rem V, que já está editado em português, e o mais recente ‘Rare Flavors’, que ainda não tem edição portuguesa”. Mas há muitos mais.
“Desde meados dos anos 90 que a coisa tem vindo a crescer, porque há uma geração que neste
momento têm 40 e tal anos e que começou a aparecer há 20 e poucos, e que se percebeu que iam
ser muito bons” [ver caixa]. E como em negócios os números contam, foi visivelmente satisfeito que Mário disse terem passado o meio milhão de faturação em 2022. Para logo contrapor que, entretanto, “já caiu quase 200 mil euros”. [risos] “Eu sabia que isso ia acontecer”, como que a justificar o riso. “Entre 21 e 22, as vendas dispararam, ou seja, duplicaram em relação ao que era a pré–pandemia”, mas Mário Freitas sabia que a bolha ia estourar. Porquê? “Porque as pessoas iam readquirir hábitos de consumo que tinham antes, viajar, jantar fora, ir a concertos, etc. Tudo o que implique não poupar dinheiro, digamos assim”. E como “o nosso melhor mês de 2024 correspondeu ao pior mês de 2022”, a meta agora é continuar a consolidar o negócio.
“Nesta altura não estamos em fase de crescimento, estamos em fase de consolidação. Ou seja, as perdas já foram limitadas e estabilizadas, agora é consolidar”. Confiante e de pés bem assentes no passeio da Almirante Reis, diz ao JE que o outro grande objetivo é continuar a divulgar a BD
para chegar a públicos diferentes.
“No ano passado organizei, em final de novembro, o Marvila Comics, na Dois Corvos Marvila,
e a 2ª edição já está confirmada, por isso, a ideia é mesmo alargar o leque de fãs”.
A Banda Desenhada que não pode faltar na sua estante
Os dois melhores álbuns de BD de sempre…
• “Asterios Polyp”, de David Mazzucchelli: “Do ponto de vista conceptual, é um marco
fundamental da história da BD”.
• “Watchmen”, Alan Moore e Dave Gibbons: “Moore é, talvez, o melhor argumentista que já
trabalhou para a BD americana”.
… e os dois melhores álbuns de 2024 de autores portugueses
• “Fojo”, argumento e ilustração de Osvaldo Medina
• “O Punhal”, escrito por Nuno Duarte e 4 ilustradores: João Lemos, Osvaldo Medina, Rita
Alfaiate e André Caetano
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