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Legislação sobre segurança é nova mas problemas continuam

A segurança privada está a mudar. As propostas de lei saídas do Conselho de Ministros do início de agosto têm por objetivo clarificar a atividade, mas é consensual que as grandes questões ficarão por resolver.
  • A security guard patrols a subway carriage at the Central Station stop in Brussels, Belgium, November 25, 2015. Brussels’ metro re-opened on Wednesday after staying closed for four days following tight security measures linked to the fatal attacks in Paris. REUTERS/Benoit Tessier – RTX1VQDH
1 Setembro 2018, 15h00

As propostas de lei para as áreas da segurança ainda vão ser alvo de modificações e só depois passarão ao parlamento. Daquilo que a indústria sabe é que a futura lei a continuar como está, ficará aquém daquilo que era o desejo do setor. Para ser simpático esta é uma lei que tem os seus limites.

O primeiro grande problema que vai ficar por resolver é a questão da concorrência. O dumping social que não sendo ilegal, cria distorções e graves dificuldades ao setor. O dumping social é reiterado e traduz-se na prática de preços baixos e que são impostos pelos grandes clientes com destaque para o Estado que representa cerca de 70% das compras dos serviços de segurança humana. Um dos exemplos públicos foi o contrato do Ministério da Justiça de 2016 feito com a Securitas e que ficou abaixo do preço de custo. Outro exemplo que o setor avança é o dos aeroportos que é dominado pelas duas maiores companhias do setor: a Prosegur e a Securitas e que no último concurso terão deixado os preços no limite depois da tentativa de entrada de um outsider, a Arko, uma empresa que entretanto terá sido declarada insolvente.

Outros exemplos que acontecem nas câmaras municipais onde os preços por portaria estarão mais baixos do que o considerado mínimo em cerca de mil euros. Sem fiscalização e com os clientes a pressionarem e as empresas a quererem manter o volume de negócio e os clientes, a tendência tem vindo a agravar-se. Paulo Ribeiro de Lima, CEO da PowerShield diz que uma empresa que cumpra com a legislação, com a responsabilidade social e com todos os requisitos sociais e fiscais tem margens brutas de 1,5%, o que não deixa ninguém satisfeito e tem repercussões nefastas no reinvestimento e nos salários dos colaboradores. As empresas internalizam o custo e para quem está em outras áreas consegue repartir custos pelas várias áreas de negócios.

Outra tema que a nova legislação deixa de fora é a capacidade de fiscalização. Há cerca de 1 ano que o presidente da AES, a associação do setor que agrupa as maiores empresas de segurança privada falava em “inspeções inteligentes”. Defendeu na altura que entidades como a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), a Autoridade Fiscal, a Segurança Social e a PSP (como entidade de tutela) poderiam fazer uma verificação conjunta e simultânea através da informação pública disponível. Seria uma espécie de “big brother” na segurança privada com a interceção da informação empresarial simplificada que é pública, com os contratos celebrados que são públicos e que estão registados no Sistema Integrado de Gestão de Segurança Privada. Também o CEO da PowerShield questiona se será assim tão complicado cruzar a informação da Autoridade tributária com a informação da Segurança Social; e questiona ainda se será complicado cruzar a faturação com o número de funcionários. Diz que com este simples cruzamento será facílimo a obtenção de resultados que permitem perceber quais as empresas que cumprem e as que não cumprem.

E conclui nas suas declarações com a pergunta: “Não existirá no século XXI software capaz de fazer uma validação destas?”. José Morgado Ribeiro, o presidente da AESIRF, outra das associações patronais do setor, diz a este propósito que já nos anos 90 tinha um descritivo sobre os preços, mas quando se chegava a um concurso público todo o trabalho era colocado no caixote do lixo. Sempre defendeu que os preços não poderão ser imperativos mas terá de haver preços mínimos e defendeu ao longo dos últimos 40 anos o aumento dos vencimentos dos vigilantes. O seu grande objetivo, que não foi conseguido, seria equiparar o vencimento de um vigilante a um agente de autoridade e isso não conseguiu. Nos dias de hoje a diferença é abissal, com os vigilantes a auferirem pouco mais do que o Salário Mínimo Nacional. Diz ainda esse dirigente associativo e acionista do Grupo 8 que a fiscalização não se faz por falta de meios. Não é possível fiscalizar mais de 100 empresas com as condições atuais, sendo que algumas das empresas têm poucos clientes e faturação e obrigam a deslocações demoradas. Silva Carvalho, da Anthea, é taxativo ao afirmar que “a PSP pode e deve funcionar como o elemento agregador da fiscalização e supervisão de outras entidades reguladoras”.

Aliás, o recente diploma saído do Conselho de Ministros tem por objetivo reforçar os poderes da PSP e o mesmo gestor salienta que esse poder “deveria até ter sido mais reforçado. A PSP é a Autoridade pública mais vocacionada para o acompanhamento do setor”. Acrescenta que “há diferenças fundamentais entre o excelente trabalho feito pelo departamento de segurança privada e, infelizmente, o menos bom porque, menos conhecedor, trabalho feito por outros setores da PSP”.

O setor questiona-se sobre o motivo de não alocar os recursos para fiscalizar as 10 maiores empresas que representam 85% da faturação, enquanto as muito pequenas são responsáveis por 5% a 6% do volume de negócios. Aliás, a tendência do cliente privado é privilegiar as empresas grandes e médias por uma questão de credibilidade e confiança nos serviços e isto acaba por ser outro fator de pressão e que leva ao incumprimento. A solução estará na autorregulação que não pode ser combinação de preços. O exemplo mais gritante de incumprimento e posterior insolvência foi o caso da AnerSegurança no contrato com os hospitais. Paulo Lima culpa o Estado pela situação que classifica de “vergonha”. A história só aconteceu, frisa, “porque os hospitais compram serviços de segurança ao mais baixo preço”.

E há outro grande tema que fica em aberto com a nova regulação e que respeita ao mercado e ao emprego. As contas dizem que o vencimento médio de um vigilante andará nos 740 euros, tendo em conta que envolve mais horas do que a base e ainda turnos. Este é um valor de quase metade do de um agente da Autoridade, e que está pouco acima do SMN.

Globalmente este é um emprego mal remunerado e com o crescimento da economia e com as regras da segurança social o resultado tem sido a falta de mão-de-obra. A opção dos vigilantes e que afeta a qualidade do serviço tem sido o trabalho a tempo parcial, continuando estes vigilantes a beneficiar dos subsídios da Segurança Social. Na prática o vigilante “tornou-se um bem escasso”, parafraseando uma das nossas fontes. A subida dos ordenados torna-se impossível porque isso obrigaria a repercutir os preços nos clientes finais e isso significaria, por seu lado, o fim do contrato.

O mercado

Este é um mercado de 700 milhões de euros por ano, dos quais cerca de 100 milhões de euros são gerados no transporte de valores. A indústria envolve cerca de 37 mil pessoas que trabalham em 107 empresas. As três maiores representam cerca de 50% do mercado e o top 10 assegura 85% das vendas de serviços.

O setor opera com margens médias baixas, da ordem de 1,5% brutos, o que torna difícil a expansão para outras atividades e é alvo de obrigações, nomeadamente a nível de formação que encarece a atividade. É sintomática uma afirmação de Pedro Lima, da PowerShield que diz que “acionistas e sócios vivem para três dias do mês: dia 10 para o pagamento do IVA; dia 20 para o pagamento da Segurança Social e IRS, e dia 30 para o pagamento de salários. Sendo todos os meses a mesma realidade. Já os funcionários, com os salários reduzidos versus a responsabilidade que têm na prestação dos serviços, veem-se descontentes”. Também em declarações ao JE, Jorge Silva Carvalho, presidente da Anthea, uma companhia que fatura cinco milhões de euros/ano, frisa que se trata de um setor “em situação económica difícil”. Nos concursos públicos promovidos pela entidade pública ESPAP cerca de 30% dos contratos ficam abaixo do preço de custo.

E nos novos negócios o que mais se fala é nos drones que são meros instrumentos e que o presidente da AESIRF. José Morgado Ribeiro chama a atenção para as limitações na sua utilização, estando restringidas em situações específicas. Entretanto há um outro negócio que as empresas têm vindo a tentar e que está ligado à cibersegurança, ou seja, à segurança da informação. Silva Carvalho diz que as empresas de segurança privada “têm um papel claro por serem as entidades legitimadas para assegurar a segurança física de pessoas e bens”, mas alerta para aquilo a que chama o “faroeste” e isto porque é um setor quase sem regulação e inexistente fiscalização”. Defende este gestor que esta área por ser crítica não deveria funcionar sem uma lei específica como a lei da segurança privada, “uma lei que definisse de forma correta e exigente a necessidade de licenciar, certificar e até autorizar as diferentes empresas a estarem no mercado”. Jose Ribeiro, por seu lado, sublinha que continua a ser a segurança-homem o trabalho nuclear para que as empresas estão vocacionadas e sublinha que a videovigilância tem crescido, mas não tanto como se pensa. Silva Carvalho tem um raciocínio bastante diferente e diz que videosegurança “não é futuro, é presente”. E acrescenta que não há projetos futuros sem esta tecnologia e sustenta que isto “vale particularmente para a segurança pública. No fundo estamos a falar de IMINT ou IMINF, Imagery Intelligence ou Information”.

A concentração

A concentração de empresas é o mote na Europa, sublinha Paulo Lima. Em Portugal não tanto mas diz que o mercado não comporta o número atual de empresas autorizadas e sublinha que num negócio onde as margens são diminutas o que resta é a escala e dá o exemplo dos supermercados. O gestor faz contas simples para concluir que a média de faturação por empresas se todas vendessem o mesmo, seria de sete milhões por ano, o que significa que as margens brutas atuais permitiram um resultado bruto anual pouco acima dos 100 mil euros, o que deduzido da carga fiscal ficaria em 70 mil euros.

Um negócio que se fala desde há dois anos, a venda da ESEGUR, propriedade de três acionistas (NB, CGD e Beirão da Veiga), está em “banho-maria”. As contas feitas pelo mercado de transporte de valores, onde atuam quatro empresas, indicam um valor da ordem dos 25 milhões de euros, considerado elevado perante a margem que liberta.

Na concentração de empresas o caso de sucesso é do grupo Trivalor que está nas áreas de facility services, restauração, cartões de refeição, limpezas e segurança privada e cuja faturação global já se aproximará dos 1000 milhões de euros/ano. Este agrupo absorveu a Strong e a SOV e criou a Strong Charon, uma empresa que está entre as três grandes e acompanha as multinacionais Securitas e a Prosegur que entretanto se dividiu em várias companhias para se focar em determinados mercados. No nível intermédio de faturação e com algumas dezenas de milhões de euros de vendas estão a Prestibel, Esegur, 2045 e Grupo 8, enquanto no nível acima dos cinco milhões de euros estão a Ronsegur, a PSG (que tem ganho contratos na noite), a Comansegur, a PowerShield (que cresceu com os maiores clientes do retalho alimentar), a Anthea (que tem atacado o mercado corporativo) e a Vigiexpert. Depois existe uma miríade de dezenas de pequenas e micro empresas.

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