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Lei dos grandes devedores à banca não é clara para o Banco de Portugal

O Banco de Portugal tem interpretação diferente da dos deputados sobre a lei dos grandes devedores. O Jornal Económico sabe que o regulador considerou que a lei em alguns casos não é clara, suscitando dúvidas interpretativas quanto aos prazos previstos no diploma e em relação ao modo como o regulador deveria aglomerar a informação relativa a grandes posições financeiras. Mas garante que o Banco de Portugal considerou que a lei foi cumprida.
29 Maio 2019, 19h35

O Jornal Económico (JE) sabe que o Banco de Portugal (BdP) alegou que a lei que impõe a entrega, à Assembleia da República, da lista com os grandes devedores à banca (Lei nº15/2019, de 12 de fevereiro) em “alguns casos não é clara”, suscitando não apenas dúvidas interpretativas quanto aos prazos previstos no diploma, como também em relação ao modo como o regulador deveria aglomerar a informação relativa a grandes posições financeiras. Mas garante que “a lei foi cumprida”.

Recorde-se que o PSD acusou o BdP de não ter cumprido com a lei quando entregou, no dia 23 de maio, a lista dos grandes devedores à banca por ter falhado “na sua obrigação de entrega de informação do relatório agregado“.

Já esta tarde, após proposta dos sociais-democratas, o Parlamento exigiu que o BdP divulgue publicamente os valores agregados dos créditos em dívida pelos grandes devedores à banca até ao dia 2 de junho, domingo.

“A lógica do artigo está pensada para operações futuras”

Segundo apurou o JE junto de fonte próxima ao processo, o regulador interpretou que o preceito do diploma que o obrigava a publicar na sua página oficial da internet “um relatório com o resumo sob a forma agregada e anonimizada da informação relevante relativa às grandes posições financeiras” (artigo 4º nº 3), está inserido num artigo que “se aplica a factos futuros”. A mesma fonte salientou  que para o regulador “toda a lógica deste artigo (o artigo 4, tomado no seu todo) aplica-se a operações futuras”.

Ora, sucede que o artigo 4º nº3 remete para o artigo 6º, sendo que é neste último preceito legal que estava prevista a imposição de o BdP entregar o relatório extraordinário à Assembleia da República até ao dia 23 de maio – situação que foi cumprida pelo supervisor bancário.

É na articulação destes dois preceitos que residem as dúvidas interpretativas. O BdP considerou que a publicação de um relatório resumido sob a forma agregada e anonimizada de informação relevante relativa a grandes posições financeiras apenas se aplica para o futuro. Esta interpretação excluiria, assim, a obrigação do BdP de ter publicado este relatório aglomerado e anonimizado na sua página da internet sobre a lista dos grandes devedores que já foi entregue aos deputados.

“E a interpretação do Banco de Portugal foi neste sentido: este relatório agregado só se justifica para operações futuras”, apurou o JE.

Em todo o caso, a mesma fonte disse que o BdP está em “total cooperação” com o Parlamento e que se os deputados exigirem a aglomeração, tal como ocorreu esta tarde, o supervisor “vai aglomerar”, embora não seja “detentor da informação” que foi entregue à Assembleia da República. Dentro do BdP paira a dúvida sobre aglomeração de créditos.

Segundo a nossa fonte, o regulador não tem “interesse divergente” do da Assembleia da República e que cabe aos deputados “trabalhar sobre estes dados”.

Lei não é clara quanto aos critérios de aglomeração de créditos

Foi numa ‘pen’ que o BdP entregou à Assembleia da República mais de três mil posições de crédito que estão em mapas de Excel que podem ser trabalhados. A definição dos critérios para incluir as posições de crédito foi uma tarefa de difícil execução.

Entre as dificuldades verificadas pelo BdP, destacaram-se o que a lei pediu ao regulador, isto é, uma informação detalhada sobre a evolução dos créditos, algo que é complexo de aferir quando cada crédito tem o seu historial.

Outra questão relevante foi entre créditos incumpridos e imparidades registadas, que podem ser revertidas, além de que os bancos têm registos diferentes sobre as respectivas imparidades.

Ainda neste aspecto, a nossa fonte contou que o BdP alertou para sensibilidade que envolve as imparidades, uma vez que constituem “a coisa em que os bancos mais reservas têm”. E explicou: “se um devedor estratégico sabe que [determinado] banco já imparizou, não vai pagar” o crédito que tem em falta para com o banco.

Outras das dificuldades prendeu-se com a qualidade de ‘grande devedor’ que pode variar de banco para banco. Á luz da lei, um dos critérios que qualificam a concessão de um crédito como uma “grande posição financeira” reside no facto de este ser superior a cinco milhões de euros, “desde que igual ou superior a 1% do valor do montante” da ajuda estatal.

Assim, entre os sete bancos que foram analisados pelo BdP para relatório extraordinário – que incluem a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Banco Espírito Santo/Novo Banco (BES/NB), o Banco Português de Negócios (BPN), o Banco Internacional do Funchal (Banif), Banco Comercial Português (BCP), Banco BPI e Banco Privado Português (BPP) – o que constitui um grande devedor para um banco, poderá não o ser para outro.

Segundo aquele critério legal, aplicando 1% sobre o total da ajuda estatal atribuída a cada banco, será um grande devedor para a CGD alguém que deva, pela menos 62,5 milhões, para o BES/NB quem deva aproximadamente 43,3 milhões, para o BPN cerca de 49,15 milhões, para o Banif, 33,55 milhões, para o BCP cerca de 30 milhões, para o BPI cerca de 15 milhões e para o BPP cerca de 5 milhões.

“A lei, tal como está construída, precisa de mais trabalho para se chegar a alguma ilação”, reforçou a nossa fonte, sobre a aglomeração dos créditos.

(atualizada às 21h38)

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