Quando este artigo for publicado nesta coluna de opinião já largos dias decorreram sobre a realização de dois eventos politicamente determinantes: o congresso do PS, com a “entronização” do novo secretário-geral, e a cerimónia constitutiva da Aliança Democrática (PSD, CDS, PPM) que, muito colada à imagem da antiga AD de Sá Carneiro, não representa de momento senão o PSD mais uns minguados 2% de adesão eleitoral.

Mas mesmo assim esta aliança compreende-se francamente mais pela vantagem marginal que pode gerar em função da aplicação do método Hondt no preenchimento dos lugares na Assembleia da República do que por um novo élan político. Pena, pois que não seja o PSD sozinho a dar a cara por uma proposta alternativa às opções do PS, integrando no movimento partidos meramente residuais (caso do PPM).

Correndo o risco de já terem vindo a lume inúmeros e diversificados comentários a propósito destes factos políticos, mesmo assim não deixo de expressar alguns pontos específicos – sobretudo um – que entendi como relevantes.

Em jeito de mero sobrevoo analítico direi que na referida cerimónia constitutiva da AD o foco esteve nas duras críticas às políticas públicas do Governo PS, designadamente a propósito da situação difícil em que se encontram sectores sociais chave como a saúde (escolhida como prioritária), educação e habitação. Com efeito trata-se de sectores que suscitam críticas legítimas, mesmo urgentes, e embora não tenham sido tornadas explícitas medidas de superação (o que se aguarda para breve), podemos concluir que a AD seguirá uma via mais liberal visando em matéria destes setores a consolidação duma efetiva complementaridade com o setor privado.

Já quanto ao discurso do novo líder do PS no Congresso – e após os momentos de glorificação de António Costa – foi visível o tom ideológico quer nos valores que a sociedade deve assumir, quer no propósito de reforço da intervenção do Estado nas opções sociais e económicas (visão esta que necessariamente tem de ser devidamente detalhada). Mas aqui, a meu ver, devem os analistas (já que aos políticos tolera-se) evitar o “espantalho” da tendencial coletivização da economia.

E isto vem a propósito da visão que Pedro Nuno Santos apresentou quanto à transformação estrutural da economia, em particular do seu perfil de especialização, onde espera que se desenvolvam sectores/empresas com forte sustento tecnológico e recurso à inovação, designadamente assegurado pelo sistema científico e tecnológico a par duma sólida capitalização.

Segundo Pedro Nino Santos – e nisso concordo – devem ser discriminados positivamente os apoios do Estado ao desenvolvimento  das iniciativas empresariais mais especializadas, complexas, com vocação internacional (não resumida às exportações) inseridas em setores que tenham um potencial de arrastamento da economia em geral e logo da produtividade (forte mazela da economia portuguesa).

Pois bastou esta intenção/visão política do novo líder socialista para surgirem diversos alertas apontando um caminho para a planificação coletivista da economia, fazendo reviver – alguns afirmaram – os planos quinquenais da antiga União Soviética!

Nada disso afigura-se-me. Sendo eu, ainda por cima, um claro defensor de que a criação de riqueza deve assentar na sustentabilidade das empresas privadas e, logicamente, da livre iniciativa empresarial.

Só que há vulnerabilidades estruturais do nosso tecido empresarial, como a falta de escala, como a tímida apetência pelo risco e ainda a insuficiente qualificação  de gestores e empreendedores que determinam uma intervenção do Estado se ela for – como espero- incentivadora duma economia/empresas/sectores  que  possam gerar maior valor acrescentado (baseado na produtividade) e que produzam o tal efeito de arrastamento na economia em geral, não deixando de assumir contudo apoios mais genéricos e transversais para o resto das empresas.

Segundo Pedro Nuno Santos, o quadro referencial de setores que urge discriminar será estabelecido em diálogo com entidades representativas das empresas e dos sistemas científico e tecnológico permitindo um núcleo empresarial mais consistente exigindo capital – interno e externo – muitas vezes em complementaridade. E creio que nada mais!

Mas, para sossegar aqueles que propagandeiam um objetivo de economia coletivista, faço aqui relembrar que nos inícios dos anos 90, com um Governo do PSD (sendo Ministro da Indústria Mira Amaral) a equipa do estratega e insuspeito Prof. Michael Porter elaborou um detalhado relatório sobre a indústria portuguesa – após ter dialogado com diversas entidades representativas – onde discriminava os importantes clusters da economia portuguesa (já existentes  ou a potenciar) nos quais se devia apostar dado  o seu carácter  estruturante. E nunca tal foi assumida como vaga ideia colectivista.

Infelizmente, as recomendações expressas nesse relatório não terão sido em boa parte postas em prática, mas mesmo assim há que reconhecer a onda meritória de desenvolvimento por exemplo de centros tecnológicos ligados ás indústrias têxtil, do calçado, da metalomecânica, da madeira ,da cortiça , etc..

Por tudo isto, vejo com bons olhos este novo propósito de transformação estrutural da economia portuguesa recorrendo à discriminação dos apoios do Estado, porque as referidas vulnerabilidades do tecido empresarial permanecem apesar dos vultosos fundos comunitários distribuídos, e há que superá-las desde logo via aumento da produtividade e efeito de contágio ao resto da economia privada.

Muito longe está da minha mente o lançamento de empresas públicas nos sectores escolhidos. Insisto: será da atividade empresarial privada que a nossa economia pode esperar criação de mais riqueza e obtenção de níveis satisfatórios da competitividade externa.

Como referido há 30 anos no relatório de Porter e agora, estou em crer, na consubstanciação da mera visão genérica lançada pelo líder do PS. Os debates na próxima campanha eleitoral devem ser esclarecedores a este propósito.

Nota final: foi apenas por esta questão que aqui expresso o meu ponto de vista, mesmo que a propósito de eventos já ocorridos há mais de três semanas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.