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“Licenciar e lidar com qualquer entidade pública é um martírio”, diz CEO da Mello RDC

Ao JE, António Ribeiro da Cunha explica que construir em Portugal é um desafio já que “os terrenos são caros, licenciar e lidar com qualquer entidade pública é um martírio, as obras estão caras e o peso tributário é uma loucura”.
António Ribeiro da Cunha (Mello RDC)
30 Julho 2025, 07h00

A Mello RDC – um family office fundado e gerido por António Ribeiro da Cunha, que, além de participações em várias empresas, atua essencialmente como promotora imobiliária – prevê investir neste setor entre 120 e 150 milhões de euros nos próximos três anos, com a criação de dez projetos de âmbito residencial e turístico, em Lisboa, no litoral alentejano e na Costa Azul.

Ao Jornal Económico explica que construir em Portugal é um desafio já que “os terrenos são caros, licenciar e lidar com qualquer entidade pública é um martírio, as obras estão caras e o peso tributário é uma loucura”.

A Mello RDC também detém uma posição na Sovena/Nutrinveste, a maior distribuidora de azeites do mundo (detentora, entre outras, das marcas Oliveira da Serra e Andorinha, e dos óleos Fula), com presença industrial em sete países e vendas anuais de 1,8 mil milhões de euros.

Em 2022, a empresa adquiriu, com um grupo de outros investidores, o Club7, numa altura em que o clube apresentava prejuízos anuais de 300 mil euros, e transformou-o num Health and Wellness Club de referência em Lisboa, com lucros anuais esperados de cerca de um milhão de euros e um EBITDA de dois milhões de euros. O Club 7, sob a nova gestão, duplicou o número de sócios e também a receita por sócio em apenas dois anos. Por outro lado, cresceu 20% no número de colaboradores.

Em joint venture com uma equipa de gestão com provas dadas no setor do rent-a-car, Paulo Moura e Nuno Barjona, fundaram em 2023 a Tangerine Rent-a-Car, uma empresa que atualmente conta com uma frota de 2.000 viaturas e uma faturação anual de 13 milhões de euros. A empresa detém uma quota de mercado, em crescimento, de 3%.

A Mello RDC tem ainda participações minoritárias em várias empresas, como por exemplo na Grow Solar e, mais recentemente, adquiriu, em conjunto com a Iberis Capital, duas sociedades da DouroGas que operam como líderes nacionais no setor do Gás Natural Veicular.

“Quando apostamos nas equipas certas de gestão, a probabilidade de sucesso é gigante”, explica em entrevista ao Jornal Económico, concedida para a rubrica “Decisor da Semana” da edição impressa que é publicada às sextas-feiras.

Ainda é lucrativo investir em imobiliário em Portugal?

Diria que sim. Existe procura no segmento residencial, nos escritórios prime na pequena logística. Quanto ao imobiliário comercial não estou tão a par. No entanto, no que toca ao segmento residencial, continua a haver procura por nova habitação, mas o problema é que, muitas vezes, o Excel “não fecha”: os terrenos são caros, licenciar e lidar com qualquer entidade pública é um martírio, as obras estão caras e o peso tributário é uma loucura. Só para se ter uma ideia, um terreno, no dia em que é comprado, fica imediatamente 7% mais caro devido ao IMT que é cobrado. É praticamente impossível construir um projeto na Grande Lisboa por menos de 3.500  euros/m² a 4.000 euros/m². Uma parte significativa deste valor corresponde a impostos e custos de contexto, sobretudo pelo tempo que os processos demoram a ser aprovados.

Não devemos, no entanto, tratar mal os clientes que nos procuram — sejam portugueses ou estrangeiros — e, sobretudo, não devemos mudar as regras do jogo constantemente.

 Tem 30 anos de experiência no setor imobiliário. O que mudou neste período?

A grande diferença está ao nível dos promotores. Atualmente são mais sofisticados, capitalizados e competentes. Existem hoje muitos investidores institucionais e privados bem preparados. No entanto, no que toca à burocracia está igual ou até pior — o que é difícil de compreender numa era em que tudo no mundo é mais rápido e eficiente. A mediação imobiliária também evoluiu, mas precisa de perceber que opera com pricings muito altos e corre o risco de deixar de ser competitiva para os grandes promotores, que recorrem cada vez mais a ferramentas digitais e a equipas de vendas internas. No nosso caso, cerca de 50% das nossas vendas já são realizadas através do nosso broker interno.

 Quais são os principais obstáculos à construção de habitação acessível?

O tempo de licenciamento é o principal obstáculo. Os projetos demoram muito tempo a ser aprovados, sobretudo por entidades externas às câmaras municipais que têm de emitir pareceres. Há atualmente um enorme receio por parte dos técnicos em tomar decisões. Depois, a carga fiscal: o custo tributário de cada projeto é elevadíssimo, com a acumulação de impostos e taxas como o IVA, IMT, taxas urbanísticas, entre outros.

As soluções construtivas: embora estejam a evoluir, muitas ainda não são suficientemente eficientes. No entanto, como este é um setor privado, sente-se uma grande urgência por parte das empresas em encontrar alternativas — e felizmente já começamos a ver soluções inovadoras a surgir.

Neste momento tem em construção, ou com início previsto até 2027, dez projetos.

Sim. Estamos com um forte dinamismo neste setor.

Em construção temos o Vintage Lapa (Lapa), que são 13 apartamentos já totalmente vendidos; o São Ciro 19 (Lapa), um condomínio fechado com 14 apartamentos, estacionamento subterrâneo, jardim e piscina, foi lançado há três meses e tem cerca de 50% das unidades vendidas; e o Vila Ourique (Campo de Ourique) que são 15 apartamentos em condomínio com um belíssimo jardim. Já foram vendidos cerca de 75% dos apartamentos.

Com início previsto ainda para este ano temos previsto quatro projetos: Freedom (Arroios) que é a reconversão de uma garagem da década de 50 num empreendimento com 23 apartamentos, garagem e um incrível rooftop, com preços acessíveis. O início da obra está previsto para setembro.

Depois temos o Filipe Folque 43 que consiste na remodelação de dois edifícios contíguos. A construção pestá revista para outubro. O Belém Vista (Belém) é um edifício de raiz com nove pisos e 29 apartamentos com início previsto para o outono, e em parceria com a Draycott. Depois temos o Vila Graça (Graça) que é o desenvolvimento de um quarteirão completo para condomínio. O início de obra está previsto para novembro/dezembro.

Para 2026, em Lisboa, está ainda previsto iniciar a construção de um segundo empreendimento residencial em Campo de Ourique e, já em 2027 prevemos começar a construir um empreendimento no Dafundo e outro em Sintra para habitação acessível.

Como são financiados todos estes projetos? E qual a sua perspetiva de calendário para chegarem ao mercado?

Somos muito tradicionais e conservadores na forma como financiamos os nossos projetos. Compramos os terrenos e suportamos os soft costs (projetos, taxas, project management, etc.) com capitais próprios. As obras são depois financiadas com apoio bancário. Até ao momento, não sentimos necessidade de recorrer a soluções mais sofisticadas.

Qual a percentagem de capital que a Mello RDC tem em cada um destes projetos imobiliários?

Temos percentagens diferentes em cada projeto, que variam entre os 100% e, no mínimo, os 20%. A participação depende da estratégia de investimento e das parcerias envolvidas em cada desenvolvimento.

O projeto imobiliário de Sintra será de habitação acessível? Será em parceria? Qual é o modelo de investimento deste projeto?

Sim, o projeto de Sintra será orientado para habitação acessível. Estamos ainda na fase de negociação e conclusão de uma parceria com uma família proprietária de uma pool significativa de terrenos, o que permitirá desenvolver soluções que incluam moradias e construção em altura.

Este projeto implica uma valorização substancial da qualidade dos terrenos, através da criação de novos equipamentos para a população, e da requalificação das redes viárias. Será necessário atrair outros parceiros para este desenvolvimento — por exemplo, cooperativas de habitação — dado o volume e a ambição do projeto.

 É possível construir rápido e barato em Portugal? O que é que falha? O que é preciso mudar?

Atualmente, não é fácil construir nem de forma rápida nem económica em Portugal. Falhamos no tempo excessivo dos licenciamentos, na elevada carga fiscal (IMT, IVA, taxas urbanísticas, etc.) e na escassez de soluções construtivas mais eficientes e padronizadas, que poderiam reduzir custos e acelerar os prazos de construção. É essencial atuar nestes três pontos para tornar a construção mais acessível e competitiva.

Para além de Lisboa, a Mello RDC procura ativos no litoral alentejano, onde está a desenvolver um projeto em Melides e está a concluir outra aquisição. Qual?

Em Melides temos um projeto com a Authentic Living, que, para mim, é a promotora de referência na zona da Comporta. Desenvolve projetos com base na arquitetura tradicional da região e demonstra um cuidado excecional com os espaços verdes. Este é, aliás, um tema que me preocupa muito. Existe um legado português — e, mais especificamente, da Península da Comporta — que deve ser preservado por todos. A Authentic Living está, sem dúvida, a fazer esse trabalho. Também considero que o JNCQUOI está a trabalhar de forma extraordinária, assim como o projeto do Atlantic Club Comporta. Vamos ver se os restantes operadores estarão à altura. No dia em que vir uma branded residence de uma marca automóvel ou de pseudo-luxo na Comporta, acho que me virão lágrimas aos olhos. Mas como os terrenos não são meus e não tenho qualquer autoridade sobre eles, resta-me apenas alertar para a importância de preservar o espírito e a identidade da região.

O que está previsto construir em Melides em 2026 é um projeto hoteleiro. Qual é o investimento previsto e como será repartido? O que considera essencial num projeto hoteleiro em Melides ou na Comporta?

O investimento será de cerca de 25 milhões de euros, repartido entre a Mello RDC e a Authentic Living. Será um projeto de traça tradicional, com um número relevante de amenities e concebido com enorme cuidado em todos os detalhes — desde a arquitetura de interiores aos espaços verdes, passando pela forma como as pessoas circulam dentro do hotel. Tudo será pensado com rigor e respeito pelo local.

Defendo que um projeto hoteleiro na Comporta ou em Melides deve ser discreto, sustentável, integrado na paisagem, e respeitar o património arquitetónico e cultural da região. Não se trata apenas de luxo, mas de autenticidade e coerência com o ambiente envolvente. Ao contrário dos italianos e dos espanhóis, valorizamos e mostramos pouco do que é nosso, e temos complexos, indo buscar fora ideias por insegurança. O cliente que vem cá quer ter uma experiência verdadeira, autêntica do país e da região onde se insere.  Devemos projetar o que é nosso. Garanto-lhe que o nosso projeto terá uma bandeira portuguesa na entrada.

A Mello RDC também tem projetos imobiliários em Cracóvia, na Polónia? Estão em construção? Por que motivo escolheram a Polónia?

Ao longo dos anos, construímos algumas centenas de apartamentos em Cracóvia, em consórcio com outros investidores portugueses. Foi uma verdadeira epopeia, que correu medianamente bem — e que, a nível pessoal, adorei viver. Atualmente, já não temos projetos residenciais em desenvolvimento na Polónia. Resta-nos apenas um ativo: o Porto Office, um office park com cerca de 13.000 m², totalmente arrendado.

A Mello RDC tem participações minoritárias na Grow Solar e, mais recentemente, adquiriu em conjunto com a Iberis Capital duas sociedades da Dourogás que operam no setor do Gás Natural Veicular (GNV). Qual foi o racional e a estratégia por trás destes investimentos?

Diria que somos agnósticos em relação aos setores em que investimos. À primeira vista, os nossos investimentos podem parecer uma mistura algo aleatória, mas há uma lógica clara: investimos em oportunidades que fazem sentido no momento, sempre com o apoio de equipas muito experientes em cada um dos setores em que estamos a atuar.

Quando apostámos na área fotovoltaica, a legislação em vigor na altura favorecia a nossa estrutura e equipa, o que nos tornava altamente competitivos. Quando o enquadramento legal mudou e passámos a ser “mais um” no mercado, decidimos não continuar a investir.

No rent-a-car, investimos com base num business plan sólido apresentado por uma equipa considerada a melhor do setor — e que estava disponível para entrar como acionista e dedicar-se ao projeto a tempo inteiro.

Nas sociedades de GNV adquiridas à Dourogás, a abordagem foi semelhante: identificámos uma oportunidade num setor relevante, com uma equipa com provas dadas.

Estão a olhar para outros setores?

Neste momento, não. O nosso foco é consolidar os investimentos que já temos em carteira.

A Sovena tem um legado familiar. Em que é que esse legado o ajudou como empresário?

Ser trineto, bisneto, neto, sobrinho e primo de grandes empresários e gestores foi, no início, algo assustador. A sombra era grande! Mas o caminho, mais humilde e não comparável, foi-se fazendo com base no exemplo que sempre recebi de todos. O meu ecossistema familiar alargado é feito de trabalho e esforço. Trabalhamos todos, sofremos todos — uns mais em silêncio do que outros. Existe uma enorme valorização das equipas, do investimento e da criação. Vi o meu avô, Jorge de Mello, fazer muitas coisas que lhe custaram muito. Aos 60 anos, voltou a ser empresário com coragem e determinação. Isso marcou-me profundamente.

 O que considera ser a pedra de toque da boa gestão?

Acredito que o essencial é rodear-se de boas equipas, mais capacitadas do que nós próprios. Ouvir mais do que falar — o que, para mim, é difícil! —, ter uma atenção constante ao risco e, acima de tudo, controlar o ego. Quando apostamos nas equipas certas de gestão, a probabilidade de sucesso é gigante.

Em que citação se revê?

O meu avô disse-me uma frase algo que nunca esqueci: – “Toma a decisão, e nunca mais olhes para trás. Olha para a frente com a alma e o coração limpos.”

António Ribeiro da Cunha 

Licenciado em Gestão de Empresas pela European Business School, com formação complementar na Nova Business School e em Harvard, António Ribeiro da Cunha iniciou a sua carreira em banca de investimento em Genebra (Crédit Lyonnais) e posteriormente em private equity (Argos Soditic).Viveu, até 2003, entre Genebra e Lisboa.  Em 2004, aceitou o desafio do seu avô, o conhecido empresário Jorge de Mello, para integrar os negócios da família na Nutrinveste/Sovena. Desde então, tem vindo a expandir os negócios em Portugal, com forte crescimento sustentado. Criou e gere a Mello RDC, uma holding de investimento e private equity, que atua nas áreas de promoção imobiliária e energias limpas.

Pai de dois filhos, dedica o seu tempo livre aos seus hobbys, nomeadamente à caça e à preservação da natureza. Gosta de viajar e de praticar desporto, nomeadamente Ski e padel.  Adora música e tem um gosto eclético, que vai da música techno à música clássica.

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