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Licínio Pina: “Dificilmente haverá uma nova prorrogação das moratórias pela EBA”

O presidente do Crédito Agrícola, Lícino Pina, foi o convidado da Mesa Redonda “Do Salto Tecnológico à Retoma da Economia – os desafios do sector financeiro no pós-pandemia”, um evento organizado pelo Jornal Económico na sequência da publicação do “Quem é Quem no Sector Financeiro”.
  • Licínio Pina, presidente do Grupo Crédito Agrícola
3 Março 2021, 18h15

O presidente do Crédito Agrícola, Lícino Pina, foi o convidado da Mesa Redonda “Do Salto Tecnológico à Retoma da Economia – os desafios do sector financeiro no pós-pandemia”, um evento organizado pelo Jornal Económico na sequência da publicação do “Quem é Quem no Sector Financeiro”.

Como é que vê o atual momento da banca, nomeadamente o tema das moratórias que está na ordem do dia. É necessário mais tempo para os clientes conseguirem voltar a pagar os seus créditos? Ou não é possível e é preciso outro tipo de abordagem?

O sistema bancário português enfrenta esta crise sanitária com muito mais robustez do que enfrentou a crise financeira anterior e que tantos danos teve na economia e nos próprios bancos. Repare que, em termos de rácios de capital e de liquidez, os seis maiores bancos, onde se inclui o Crédito Agrícola, têm rácios muito confortáveis. Os bancos foram e serão sempre essenciais para acudir a problemas, tais como este que afetou as economias de forma global.

Os bancos têm tido um papel fundamental nesta função distributiva que lhes é atribuída, para que as famílias e as empresas conseguissem, de alguma forma, aliviar os custos desta pandemia. É evidente que, a solução encontrada em Portugal e também na Europa, de conceder moratórias [de crédito] é uma solução transitória, não é permanente. Mas ninguém estava a contar que a pandemia se prolongasse por tanto tempo e que houvessem estas vagas (pelo menos três) de contágio, com um novo confinamento em Portugal e noutros países da Europa. O que provocou ainda mais disrupções e rendimentos menos conseguidos no conjunto de sectores, designadamente em toda a área ligada ao turismo (hotelaria, agência de viagens, restauração).

Estamos praticamente no final da ponte e temos de saber o que fazer agora relativamente às moratórias. A pandemia prolongou-se por mais tempo do que prevíamos e a vacinação não está a ser tão célere quanto precisávamos.

 

O turismo não recupera e há muitas empresas desse sector em dificuldades…

Há empresas, grandes e pequenas, com muita dificuldade em cumprir com os seus compromissos. Há que encontrar soluções e eu diria que têm de ser soluções dirigidas para os sectores carenciados e que vão precisar de um prolongamento adicional das moratórias.

Nós em Portugal temos um problema de fundo. Repare, temos o maior peso de moratórias no total das carteiras de crédito dos bancos, porque não conseguimos que o Estado apoiasse de outra forma as empresas, que não fosse através do prolongamento do pagamento da dívida aos bancos ou através de mais concessão de crédito, aumentando a dívida das empresas.

 

Devido ao elevado endividamento da economia portuguesa…

Portugal tem um rácio de dívida pública que ronda os 135% face ao PIB, o que é uma brutalidade.

 

No fundo os bancos acabaram por compensar esta falta de margem de manobra do Estado, ajudando as empresas e os particulares…

Os bancos foram os facilitadores, porque o Governo não podia fazer mais. Tem feito o possível e o impossível para dar apoio às famílias e às empresas. É evidente que este regime de moratórias foi feito, não para beneficiar os bancos, mas para beneficiar os clientes dos bancos.

Nem todos os que recorreram a moratórias foram afectados pela crise. Alguns recorreram às moratórias por precaução e esses já estão a sair das moratórias e estão a pagar. O que me preocupa são os clientes que ficaram no desemprego, e as empresas viáveis que não têm negócio devido ao confinamento.

Para esses vamos ter de encontrar uma solução interna. Os bancos vão ter de assumir aqui uma grande responsabilidade porque a flexibilização das guidelines da EBA [Autoridade Bancária Europeia] penso que será uma miragem. Dificilmente haverá uma nova flexibilização [prorrogação], por parte da EBA, dado o elevado peso das moratórias em Portugal face ao total do crédito. Portanto vamos ter de arranjar uma solução interna (nacional) e cada um dos bancos vai ter de ajudar os próprios clientes a sair desta dificuldade. É evidente que haverá algumas empresas que nunca mais irão recuperar, mas as que são viáveis vão ter de ser reabilitadas.

 

Os bancos vão ter um papel ativo nessa solução interna?

Claramente.

Acha que o sector bancário tem capacidade para isto, neste momento?

Tem. O sector tem capacidade para isso. O sector é capaz de ajudar a resolver estes problemas e é evidente que nós vamos ser convocados a resolver estes problemas conjuntamente, certamente no âmbito de uma negociação da Associação Portuguesa de Bancos (APB) com o Governo e talvez também com o regulador. Embora conte pouco com soluções vindas do regulador (BCE/Banco de Portugal). Conto mais que internamente se encontrem soluções para resolver o problema.

Há a preocupação de antecipar o pós-30 de setembro. Os bancos, todos eles, estão a preparar-se para os efeitos que podem surgir do fim das moratórias e não estamos a aguardar que chegue essa data.

Nós no Crédito Agrícola estamos a contactar os clientes todos que recorreram a moratórias e saber qual é a sua situação. Saber se perderam o emprego, se estão em layoff, se as empresas trabalham, se estão fechadas. Todas as situações para que antecipadamente o banco possa criar as imparidades com base no risco pandémico para acudir a situações que hão-de ser detetadas e que serão alvo de negociação.

 

Neste momento quais as previsões de imparidades que terão de constituir?

O processo esta a decorrer, nós fizemos agora uma primeira ronda de contactos a clientes com responsabilidades acima de um milhão de euros, com moratórias ou os que estão expostos às actividades afectadas pelo confinamento, nomeadamente do cluster do turismo. Os valores a que estamos a chegar são perfeitamente acomodáveis e sem trazer grande disrupção às contas dos bancos.

Não é por acaso que, as contas já conhecidas e divulgadas pelos bancos, até agora (nós ainda não divulgámos as nossas) têm quebras face ao ano anterior, na ordem dos 30%. Mesmo assim, excetuando um banco que também já revelou os resultados e que teve prejuízos [Montepio], todos os outros apresentaram resultados positivos, com quebras justificadas pelo reforço de imparidades e provisões para risco pandémico. Portanto os bancos estão a fazer um bom trabalho.

 

Os bancos têm uma almofada para amortecer o impacto da pandemia…

Os bancos vão conseguir sobreviver a esta crise. Oxalá que em 2021 se conclua a vacinação para que a economia retome e também estou convencido que o retomar da economia vai ser bastante acelerado. Estou optimista.

 

Apesar de esse disparo do consumo interno que é expectável, será que Portugal tem capacidade para atrair os turistas estrangeiros que normalmente vinham todos os anos a Portugal?

Acredito que sim. Vi recentemente uma notícia que os ingleses já estão a reservar hotéis no Algarve, no Verão.

Na economia portuguesa, está a verificar-se agora, um dos problemas é a dependência excessiva do turismo. Uma das coisas que esta pandemia nos revelou é que não devemos aceitar o crescimento económico com base num monoproduto. Eu espero que no futuro se olhe para o resto da floresta.

 

O Plano de Recuperação e Resiliência vai servir para uma diversificação da economia? O apoio é diversificado ou estamos a dar demasiado peso ao Estado?

Estamos a dar algum peso ao Estado. Mas o Plano de Recuperação e Resiliência merece algumas observações. Eu espero que grande parte dos montantes destinados às empresas venham para a modernização e formação especializada técnica para aumentar a competitividade das nossas empresas de bens transacionáveis para exportação. Isso é fulcral. E não sirvam para apostar na formação do Centro de Formação e Emprego, que colecionam cursos variados (cabeleireiro, jardineiro, mecânica, informática etc), apenas com a finalidade de reduzir as taxas de desemprego. Isso não cria riqueza.

Até vou mais longe. Os engenheiros que saem das universidades deviam, em todos os casos, ter no seu plano curricular um período de integração em empresas, e conseguir sair das universidades, não só com a formação universitária, mas com uma forte componente prática, principalmente nas áreas de engenharia. Eu vejo isso como positivo.

A tecnologia está a evoluir. Não é só no sistema bancário, mas também nas empresas – a metalurgia, os têxteis, a construção civil, etc – têm se adaptar continuamente a planos tecnológicos para aumentar a sua capacidade e a sua produtividade, para que o país se torne competitivo.

 

Estes fundos europeus são uma oportunidade única para fazer essa evolução?

Penso que sim. Outra coisa que resultou desta pandemia é a necessidade de o país se dotar com uma rede de comunicações que abranja todo o país. Não é gratificante saber que com o encerramento das escolas e com a necessidade de as aulas serem online, há alunos em aldeias portuguesas no interior, que não têm internet. Isto não pode ser. Estamos a discutir o 5G e há zonas do país que nem o 4G ou 3G têm.

 

O país deve apostar nas comunicações digitais…

O Crédito Agrícola tem como fornecedor a Altice, e em todos os pontos remotos onde o grupo tem um ponto bancário, seja um ATM, seja ou um balcão, nós temos 4G. Temos a banda larga de última geração na Caixa Agrícola, mas a população dessas terras não tem. Portanto há necessidade de investir fortemente na extensão da rede de internet a todo o país, em vez de fazer autoestradas.

 

O Crédito Agrícola tem a maior rede bancária do país. Acha que pode haver necessidade de racionalizar essa rede no país?

Nós, no Crédito Agrícola temos uns programas de optimização e temos em curso um programa de fusões entre caixas agrícolas. Há a necessidade de as caixas agrícolas terem dimensão para responder às exigências quer do mercado, quer regulatórias que continuamente vão aumentando. Há um programa de fusões internas e ao mesmo tempo, nós aqui na Caixa Central fizemos um levantamento de toda a rede, balcões e ATM, e dotamos as várias caixas agrícolas de informação suficiente para decidirem que agencias podem atuar, em termos de redução de horário de atendimento ou mesmo equacionar o encerramento.

Nós pensamos que o encerramento de agências no grupo vai ser muito modesto. Porque as populações que estão em vilas ou aldeias do interior não têm outro ponto de contacto que não seja aquele balcão da Caixa Agrícola, mesmo que só funcione alguns dias por semana. Mas é um serviço que as pessoas valorizam, como valorizam um posto médico.

A Caixa Agrícola não pode olhar apenas para a rentabilidade do balcão, tem de pensar na responsabilidade social. É esta banca de proximidade que nos dá uma vantagem comparativa em relação aos outros. Temos consciência que alguns balcões vão encerrar, mas não é um encerramento massivo. Dos 632 balcões haverá encerramentos pontuais. Eu diria que devemos baixar para 600 balcões.

 

A solução passa por reduzir custos com balcões, em vez de reduzir balcões?

É o que temos feito. Temos horários adequados à realidade da população, podemos encerrar por exemplo, nalgumas localidades, à hora de almoço. Temos que optimizar e melhorar o rácio de eficiência.

 

Acha que a nível do sector bancário vai ser preciso um enorme ajuste das estruturas de custos? E faz sentido a consolidação bancária? Há consultoras que apontaram para consolidações envolvendo também o Crédito Agrícola…

De facto, os bancos portugueses, comparado com os bancos da zona euro, de uma forma geral, têm uma dimensão reduzida. Mas na minha opinião não tem interesse criar grandes bancos nacionais. Os bancos, tal como estão e com a dimensão que têm, são suficientes, contribuem para a empregabilidade do país, para o financiamento da economia, e não precisam de consolidação. Quanto ao Crédito Agrícola ser consolidador, conforme uma reputada consultora [Roland Berger] indicou, isso deixa-nos satisfeitos. Porque o Crédito Agrícola ser consolidador significa que olham para nós como um banco robusto e de facto, eu diria que é um banco robusto e com capacidade para fazer mais. Nós não vamos comprar nenhum problema. Continuamos a querer crescer organicamente e não por fusão. Nós não estamos a jogar num campeonato de rankings, portanto queremos uma gestão cuidada e prudente, queremos continuar a acrescentar valor à instituição e crescer em termos de ativos, de fundos próprios, e continuar a prestar o serviço ímpar que prestam as nossas caixas agrícolas nas várias localidades do país.

Que soluções sugere para uma optimização dos custos na banca?

O sector bancário conseguiu fazer algo que não foi feito em mais nenhum país da Europa, que foi juntar-se, criar uma sociedade interbancária de serviços e gerir uma rede de ATM, a SIBS. O nosso sector bancário conseguiu fazer isso, que beneficia todos. Foi algo que não foi feito em mais nenhum país da Europa. Há áreas atualmente em que seria possível fazer serviços partilhados. Por exemplo no risco climático, que terá de ser incorporado nas nossas análises. E outros relacionados com a respostas ao regulador, que se houvesse uma entidade supra-bancária que fizesse isso seria um grande serviço de optimização dos custos do funcionamento dos bancos, como na área do branqueamento de capitais. Esta é uma ideia que devia ser amadurecida e ser falada.

Olhando para o sector bancário português, acha que há bancos que se deviam fundir, caso venham a precisar de capital?

Não creio que seja um movimento de grande dimensão. A vida de acionista de bancos não está fácil. O regulador veio impor a não distribuição de dividendos em contexto pandémico. De uma forma geral, os bancos têm rácios de capital muito confortáveis e rácios de liquidez muito robustos.

Não antevê então um problema sistémico?

Não vai haver até porque a própria regulação tem sido muito presente.

E quanto aos desafios da digitalização e da retenção de talento, como é que o Crédito Agrícola os encara?

Ao nível da digitalização estamos a fazer fortes investimentos. Queremos continuar a ser um banco de proximidade, mas em casa das pessoas.

Como sabe, sendo o Crédito Agrícola, um banco mais rural do que urbano, nós pensámos que seria interessante lançar uma app (a moey) e através dela conseguir captar os clientes jovens e urbanos. Tem sido feito. Temos um business plan para 10 anos e estamos de facto atrair clientes jovens e urbanos que não eram clientes do crédito agrícola, e através desta ferramenta conseguimos melhorar os indicadores da média etária dos nossos clientes e a média de rendimentos. Por outro lado, não só através da app moey, mas também a melhorar o mobile e o online. Com este confinamento as adesões a estes canais têm subido bastante.

Relativamente aos talentos e ao capital humano, nós estamos a fazer uma grande renovação ao nível do capital humano do Crédito Agrícola, quer nas caixas, quer na Caixa Central. Os talentos estão a ser disputados por várias unidades que não são só os bancos e não é fácil reter os melhores. Nós temos uma equipa cada vez mais jovem, muito adaptada às novas tecnologias, imbuída do espírito e princípios do Grupo Crédito Agrícola. Mas talentos são muito cobiçados por todos e temos que lhes dar melhor condições.

Com Maria Teixeira Alves

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