Tem sido recorrente alguns comentadores, não apenas em Portugal, criticarem a timidez e as hesitações dos decisores europeus quanto ao apoio militar a prestar à Ucrânia, sobretudo no que toca ao fornecimento de armamento que os ucranianos possam utilizar para atacar território russo, algo considerado pelo Kremlin uma linha vermelha.

Argumentam tratar-se de um receio infundado. Afinal as ameaças de retaliação de Moscovo não passam de conversa fiada. Para eles, sem responsabilidades governativas, não existem problemas em fornecer equipamentos que possam atingir a Rússia na sua profundidade estratégica. Afinal, as ameaças do Kremlin não são para levar a sério.

Como estão aparentemente esquecidos, convém fazer um breve repasso histórico para lhes avivar a memória sobre como o Kremlin tem respondido a quem se esquece das suas linhas vermelhas. Podemos começar pelo convite feito pela NATO à Ucrânia e à Geórgia, na cimeira de Bucareste, em abril de 2008, e à tentativa de Shakhasvilli colocar a Abkhazia e a Ossétia do Sul sob o controlo de Tbilisi. O resultado foi uma guerra na Geórgia, que Washington procura agora reativar, para abrir uma segunda frente no confronto militar com a Rússia, recorrendo mais uma vez a uma guerra por procuração.

Em 2014, os EUA voltaram a pisar uma linha vermelha ao financiar e promover um golpe de estado para instalar em Kiev um regime hostil a Moscovo. A resposta russa foi a invasão da Crimeia. Não satisfeitos com isso, armaram e treinaram as forças ucranianas para, numa primeira fase, subjugarem os rebeldes do Donbass, e numa segunda, expulsarem as forças russas da Crimeia.

Quando em fevereiro de 2022 o Exército ucraniano se preparava para atacar o Donbass, Moscovo antecipou-se e invadiu a Ucrânia transportando-nos para uma guerra que dura há quase um ano e meio. A tentativa de Kiev subjugar a população ucraniana russa pela força era outra linha vermelha, para além de no futuro tornar a Crimeia vulnerável. Já durante a guerra, a tentativa de Kiev isolar a Crimeia da Rússia através da destruição da ponte de Kerch, provocou uma campanha aérea sem precedentes, que causou a destruição generalizada de infraestruturas energéticas ucranianas. Apesar destas respostas, os comentadores continuaram a ver falta de coragem em Moscovo não havendo, por isso, razões para não se continuar a aumentar a escalada.

Entretanto, a Rússia colocou armas nucleares táticas na Bielorrússia. Provavelmente, não terão ainda percebido que esse passo tem a ver com a possibilidade de a Polónia vir a pisar mais uma linha vermelha e invadir a Bielorrússia. Varsóvia está cada vez mais autónoma, e a alavancagem de Washington sobre os polacos é cada vez menor.

Sem perceberem que a adesão da Ucrânia à NATO é uma linha vermelha para Moscovo, que explica a atual guerra e justificará outras de natureza existencial, os deputados no Parlamento Europeu aprovaram uma resolução, por uma larga maioria, apelando à NATO para convidar a Ucrânia a aderir à Aliança.

Mais recentemente, o ministro da defesa russo veio avisar que se a Ucrânia atingir território russo com misseis americanos e ingleses de longo alcance isso os arrastaria para o conflito e os centros de decisão na Ucrânia seriam atacados. Provavelmente não será aconselhável voltar a testar Putin em matéria de linhas vermelhas.