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Literacia financeira: o método mais eficaz na prevenção da fraude e dos maus investimentos

As crónicas baixas taxas de poupança, a falta de leitura dos documentos contratuais são obstáculos a ultrapassar na promoção das competências financeiras dos portugueses.
24 Novembro 2020, 07h55

Num país com um problema crónico de poupança, a pandemia e a incerteza económica que esta trouxe até podem ter a virtude de melhorar este indicador. Pelo menos no segundo trimestre de 2020 foi o que aconteceu, com o Eurostat a apontar Portugal como o terceiro país onde a taxa de poupança mais cresceu no bloco europeu.
Ainda assim, o aumento de 9,6 pontos percentuais (p.p.) deve ser interpretado com cautela. Portugal continua a ser um país onde, por exemplo, as poupanças são aplicadas de forma pouco eficiente, isto nos casos em que há aplicação.

“Os portugueses reconhecem a importância de constituir poupança e afirmam que a fazem, mas demonstram dificuldade em selecionar os produtos mais adequados aos seus objetivos.” Quem o diz é a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), cujos inquéritos à literacia financeira dos portugueses revelam uma “baixa proatividade na aplicação de poupanças e a tendência para delegar em terceiros as decisões ao nível da aquisição de produtos financeiros”.

Os dados da DECO apontam no mesmo sentido: os consumidores portugueses, além de “muito tradicionais e conservadores, (…) acabam por privilegiar os depósitos como o grande instrumento para aplicar as suas poupanças”.
Pedro Lino, presidente executivo da Optimize Investment Partners, identifica um problema semelhante. “Quem tem poupanças acumuladas construiu uma série de receios, suportados na mais recente história do mercado português, de que pode perder as suas poupanças”, argumenta. Mas os problemas no conhecimento financeiro dos portugueses vão muito para além deste receio.

“As maiores falhas dos investidores estão ao nível da compreensão do efeito de capitalização e acumulação, do efeito do horizonte temporal na carteira de investimento e da compreensão do que são níveis de risco de uma carteira”, acrescenta.

Também para a DECO é “constrangedor continuarmos a ver pessoas sem noção dos créditos que já contrataram, que não sabem o que é, por exemplo, um crédito revolving, que têm um crédito habitação e não sabem se têm taxa fixa ou variável, e, se for variável, se está indexada à Euribor… As pessoas não sabem”. E a situação agrava-se tratando-se de famílias já com problemas de sobreendividamento.

“São poucas as famílias que fazem o seu orçamento familiar”, salientou Natália Nunes, que lidera o Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado, usando como exemplo “um grupo de 20 pessoas, todas com significativos cortes ao seu rendimento, onde apenas duas faziam orçamento familiar. Isto é revelador da falta de competências financeiras em Portugal”, defende.

Por outro lado, também o ambiente de taxas zero que se vive e deverá viver nos próximos anos aumenta a necessidade de um adequado conhecimento das opções de investimento. Todos estes fatores levaram à adoção por parte dos vários reguladores do setor financeiro do país, o Banco de Portugal (BdP), a ASF e a Comissão de Mercado e Valores Mobiliários (CMVM) do Plano Nacional de Formação Financeira em 2011.

O programa tem vindo a ser trabalhado em várias vertentes. A educação financeira digital tem experienciado uma importância crescente, especialmente dado o contexto trazido pela Covid-19, que acelerou a transição digital em muitas áreas do dia-a-dia. Uma das áreas em que o plano se intensificou, por exemplo, foi a segura utilização dos canais digitais no acesso a produtos e serviços bancários, especialmente junto dos jovens, que fazem maior uso das novas tecnologias ao mesmo tempo que “tendem a ser mais confiantes, o que os pode levar a descurar algumas regras de segurança”.

De resto, os jovens são identificados como um dos grupos onde se torna mais importante promover estes conceitos, como argumenta a DECO. “Falamos de alterar comportamentos, e isso só tem efeitos no longo prazo. (…) A literacia financeira tem de começar nas escolas, com os miúdos, porque eles começam desde cedo a lidar com dinheiro”, lembra a associação de defesa do consumidor.

Pedro Lino destaca igualmente a importância de educar os jovens, sobretudo dado papel de vários agentes do mundo digital, “como bloggers ou influencers”, que, movidos por outros motivos “que não o da simples partilha de experiência”, podem facilmente enganar indivíduos menos cientes da realidade financeira, especialmente considerando que atuam num “espaço ainda sem supervisão ativa dos reguladores”.

Outro dos públicos-alvo são pessoas em situações vulneráveis, como desempregados. Através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), o plano conjunto das entidades reguladoras visou sublinhar a importância da resiliência financeira junto de trabalhadores que haviam perdido o seu emprego e a iniciativa prevê mais ações de formação para colaboradores do IEFP.

Também as empresas podem contar com o apoio do programa nacional para a literacia financeira, que promove ações de formação de gestores e empresários através da Agência para a Criatividade e Inovação (IAPMEI) e o Turismo de Portugal. Importa realçar que estas ações decorreram já em contexto de pandemia, pelo que a Covid-19 não desacelerará os esforços de educação financeira dos supervisores portugueses.

Ainda assim, as dificuldades na promoção das noções e competências financeiras adequadas são muitas. Conceitos simples como a leitura prévia da informação pré-contratual e contratual dos produtos financeiros que contratam são muitas vezes descartados, isto porque os consumidores “confiam na informação que lhes é transmitida aquando da aquisição ou porque não dão importância a essa informação”, salienta a ASF.

Para a DECO, é preocupante a evolução dos hábitos financeiros dos portugueses depois da crise financeira do início da década. Apesar da aprendizagem, à altura, de alguns termos e noções financeiros, verifica-se que “os consumidores desaprenderam aquilo que haviam aprendido”.

Pedro Lino não crê que o Plano Nacional de Formação Financeira “tenha tido o dinamismo e eficácia que se propunha”, pedindo ações mais adaptadas “às novas tendências, redes sociais e à distância”. Além disso, a confiança nos reguladores do setor também tem de ser trabalhada, isto numa “área que sofreu com as falências e escândalos financeiros”. Isto porque “a abordagem mais eficiente contra fraudes, perdas e, possivelmente, maus investimentos é a preventiva, através da educação”, conclui.

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