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Livro: “Escritos Africanos”

Annemarie Schwarzenbach nasceu na Suíça e escreveu que é com as montanhas que “aprendemos a erguer os olhos e a acalentar esperanças.” A África que percorreu não a privou desse sentimento, mas fê-la sentir “impotente”. Para devorar com vistas infinitas.
22 Abril 2023, 10h51

“Após sete dias a subir o Congo num pequeno vapor fluvial, julgava já conhecer alguma coisa da floresta virgem africana e, durante esse tempo, essa visão que se assemelha a um mar ondulante verde-escuro tornou-se para mim uma espécie de sonho opressivo. Para se ver a floresta, era mesmo preciso subir à ponte de comando; da coberta de carga onde estavam igualmente alojados os seis passageiros, só se viam muros de árvores e mato cerrado e, em pequenas clareiras, as aldeias dos nativos, as suas fogueiras e pirogas impelidas por lentas remadas.”

 

 

A Relógio d’Água continua a publicar os livros de viagem da suíça Annemarie Schwarzenbach (para além da ficção, mais ou menos autobiográfica). Depois de “Todos os Caminhos Estão Abertos”, em que descreve a sua viagem de carro entre Genebra e o Afeganistão, com passagem pelos Balcãs, Turquia e Pérsia, e “Inverno no Próximo Oriente”, relato dos seis meses em que acompanhou um grupo de arqueólogos numa expedição pela Turquia, Síria, Palestina, Iraque e Pérsia, eis que surge um livro onde narra viagens por outros lugares que não o Oriente – Oriente esse que tão profundamente a marcou e lhe deixou uma impressão, nas suas próprias palavras, “de intemporalidade, de incerteza e de impotência”: “Escritos Africanos”.

Em Abril de 1941, Schwarzenbach deixa Lisboa a bordo do pequeno vapor português ‘Colonial’. A escala no Funchal deixa-lhe uma impressão extremamente favorável; considera a ilha um paraíso, “onde há vinho e plantações de cana-de-açúcar ao lado de robustos carvalhos”, dela fazendo uma descrição encantadora. Se em vários textos escritos posteriormente recorda a Madeira com enlevo, o mesmo já não acontece com São Tomé; apesar da pormenorizada e colorida descrição da ilha, quando o navio se afasta, afirma que dela não sentirá saudades, contribuindo certamente para a fraca impressão o calor húmido do Equador.

Parte depois para o Congo Belga, para subir o rio. Mais de um ano depois da partida para África, é de novo de Lisboa que sai, desta vez em direção a Marrocos, onde compreende que “com as montanhas [logo ela, nascida na Suíça], aprendemos a erguer os olhos e a acalentar esperanças.”

Se nos livros anteriores, encontramos uma Annemarie tensa, crítica, negativa, nestes “Escritos Africanos” o tom muda substancialmente, tornando-se mais informativo, menos inclemente, o que se poderá explicar pelo destino destes textos: a publicação em jornais suíços, para um público leitor que, apesar da sua neutralidade geopolítica, estava impedido de viajar para estes mundos tão diferentes, mas ávido de os conhecer.

Annemarie Schwarzenbach nasceu na cidade suíça de Zurique em 1908. Faleceu com apenas 34 anos em Sils im Engadin, na sequência de um acidente de bicicleta. Manteve toda a vida uma relação difícil com a mãe, Renée Wille, filha de um comandante militar. Aos 22 anos, conheceu Erika e Klaus, filhos de Thomas Mann, com quem estabeleceu estreita amizade.

Em 1931, fixou-se em Berlim, onde começou a escrever narrativas e contos e se manifestou contra o nazismo. Formada em História, arqueóloga e jornalista, empreendeu inúmeras viagens entre 1934 e 1941, percorrendo zonas da Ásia, África, Europa e Estados Unidos. Em geral, viajava de automóvel com amigas fotógrafas ou escritoras.

A presente edição tem seleção e prefácio de Gonçalo Vilas-Boas e tradução de Maria Antónia Amarante.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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