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Livro: “Exterminem Todas as Bestas”

Esgotado há anos, a Caminho teve a excelente ideia de reeditar esta obra, talvez por o tema estar a ser debatido com tanta intensidade nos dias que correm. E qual o tema em jogo? Colonialismo. Com todas as letras.
26 Fevereiro 2022, 10h55

 

Há livros – e filmes – que marcam as nossas vidas (e a história da literatura e do cinema). “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, é um deles e o sueco Sven Lindqvist um desses leitores em quem o livro terá deixado uma impressão profunda.

O título é ele próprio uma citação da obra de Conrad: “Exterminem Todas as Bestas” é uma das frases proferidas por Kurtz, o sinistro comerciante de marfim que o marinheiro Marlow encontra nas suas viagens pelo rio Congo.

Esgotado há anos, a Caminho teve a excelente ideia de o reeditar, talvez por o tema estar a ser debatido com tanta intensidade nos dias que correm. Recorde-se que, na época em que Conrad escrevia (o livro é de 1899), o ambiente ideológico e uma abundante literatura justificam o colonialismo e o racismo em nome do “progresso” e da “civilização”, comum a todos os países com colónias.

Não muitos anos mais tarde, George Orwell retrataria o colonialismo britânico na então Birmânia, colocando na boca de uma das personagens em “Dias Birmaneses” que “apesar de tudo, os nativos eram nativos — interessantes, sem dúvida, mas (…) um povo inferior de pele negra”.

O desprezo dos colonos pelos colonizados, reduzindo a pouco mais que nada o valor da vida destes últimos (quando havia valor era apenas comercial, como qualquer matéria-prima), e os consequentes sofrimento e extermínio de milhões de pessoas são das maiores vergonhas que os povos ocidentais terão de carregar ao longo da História – e uma possível expiação passa necessariamente por ouvir atentamente as vozes que cada vez mais se levantam dos descendentes destes povos, mostrando o outro lado, a outra versão dos acontecimentos.

O rei Leopoldo II da Bélgica, no caricatamente denominado Estado Livre do Congo – que considerava a sua coutada –, é talvez o exemplo mais atroz que nos chega do século XIX (oportunamente denunciado por Roger Casement, mas lamentavelmente ignorado) e é este o pano de fundo do livro de Conrad.

Em “Exterminem Todas as Bestas”, misto de livro de viagens, relato autobiográfico e história das ideias, Lindqvist afirma que Auschwitz foi a aplicação industrial moderna de uma política de extermínio sobre a qual há muito assentava o domínio europeu na América, Austrália, África e Ásia. Ao longo de 168 capítulos, o autor penetra cada vez mais profundamente no continente africano, revelando uma espécie de geografia cultural “oculta”: a teoria e a prática da expansão imperialista.

Sven Lindqvist nasceu em 1932, em Estocolmo. Viajou largamente pela Ásia, América Latina e África. Foi professor e autor de mais de três dezenas de livros. Era doutorado em História da Literatura pela Universidade de Estocolmo e tinha um doutoramento honoris causa pela Universidade de Uppsala. Morreu, em Estocolmo, em 2019.

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