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Livro: “Finisterra. Paisagem e povoamento”

Uma das maiores vozes do Neorrealismo, Carlos de Oliveira, deixa-nos uma espécie de cartografia imaginária, como lhe chamou Herberto Helder, nesta “Finisterra”.
16 Outubro 2021, 10h05

 

“Segue-se uma faixa estreita de gramíneas: a evaporação da lagoa (juncos densamente roxos) submerge-as num tom mais carregado que o da própria água. Esta área, no entanto, é bastante instável: sob a declinação do sol, as cores mudam com frequência de intensidade; basta um sopro de vento, a ondulação pouco perceptível que provoca, para clarear ou escurecer as gamíneas.”

Ancorada no areal da gândara, uma casa em falência. A família que nela habita, há várias gerações, tenta captar, de forma obsessiva, a paisagem – seja pelo desenho, a pirogravura, a fotografia ou a construção de maquetas. Em seu redor, o halo lucilante protege o terreno antes da execução da hipoteca.

Imagens difusas povoam a paisagem de dunas a perder de vista, tentando capturar o que resta do real: a criança sentada num osso de baleia, o pai premindo o obturador, a mãe na senda da alquimia das gisandras, o tio aperfeiçoando a fórmula da porcelana etérea. E o silêncio atemorizador ao longo dos dias: o executor fiscal, os peregrinos de cabeça em chamas ameaçando a harmonia do reino mineral. A chave para a salvação poderá estar na paisagem? Poderá evitar o fim?

“Finisterra. Paisagem e povoamento”, segundo Herberto Helder, “proposto como romance, é antes uma alegoria ficcionalmente articulada que pode ser lida na perspectiva de uma espécie de cartografia imaginária do autor, constituindo assim a melhor introdução ou o melhor comentário à sua obra.”

Carlos de Oliveira nasceu em 1921, em Belém do Pará, filho de pais portugueses emigrados no Brasil. Tinha apenas dois anos quando a família regressou a Portugal. Na cidade que o acolheu, Coimbra, participou no grupo do Novo Cancioneiro, na génese do movimento Neorrealista, de que viria a ser uma das maiores vozes. Colaborou nas revistas “Altitude” e “Seara Nova”, e dirigiu durante algum tempo a revista “Vértice”.

Começou a destacar-se no panorama literário português com os seus livros de poesia – “Mãe Pobre” (1945), “Micropaisagem” (1968), “Pastoral” (1977), entre outros. O seu trabalho distingue-se pela constante depuração da escrita e pelo questionamento do gesto autoral, levando-o a corrigir e reescrever quase todos os seus trabalhos até ao final da vida: são disso exemplo os seus romances “Casa na Duna” (1943), “Pequenos Burgueses” (1948), “Uma Abelha na Chuva” (1953) – talvez a obra pela qual é mais conhecido dos leitores – e este “Finisterra” (1978), agora republicado pela Assírio & Alvim, onde se podem encontrar as restantes obras do autor, falecido em Lisboa em 1981.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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