A política não estranha à minha família. O meu avô paterno foi um afamado combatente na crise do Líbano de 1958, que quase provocou uma guerra civil entre várias fações libanesas. Teve seis filhos homens e todos, em algum momento da sua vida, se envolveram na política, ora como militantes e guerrilheiros ou como jornalistas, numa altura em que a política era um jogo letal de homens.

Sempre fui curiosa em relação à política, mas não ao ponto de passar à ação. Num país pacato como Portugal, houve algumas grandes causas sociais e internacionais que agitaram as águas na minha adolescência. Era uma leitora atenta de jornais mas, à época, a ideia de me envolver em juventudes partidárias ou novos movimentos políticos e partidos pareceu-me algo bizarra.

Tudo isso mudou com os anos da Troika. Quando o governo de Pedro Passos Coelho tomou posse e começou o seu empreendimento neoliberal de ser mais zelota que os mestres zelotas, a indignação e a revolta atingiram um ponto insuportável e eu não quis fechar os olhos. Então, eu e outros começámos a acompanhar a grande agitação entre os movimentos de esquerda que não se sentiam representados por nenhum dos partidos com assento parlamentar. E quando surgiu o LIVRE, tornei-me membro e envolvi-me ativamente na política. O que senti como mulher na política é certamente diferente do que o meu avô, tios ou pai sentiam. Decidi perguntar a algumas mulheres que palavra escolheriam para definir a sua atividade política enquanto mulheres — militantes ou candidatas, mulheres a trabalharem em ambientes altamente politizados — e obtive respostas curiosas que vão ao encontro daquilo que tenho observado e sentido.

Uma delas usou o adjetivo “estafante” para descrever a sua posição como mulher num meio de homens. “As pessoas têm muito mais expectativas sobre o trabalho desenvolvido por uma mulher. O trabalho tem de ser mastigado, sólido, com provas, os homens mandam uns bitaites à mesa…” Face a isto, é impossível não pensar nas palavras provocatórias da feminista e política canadiana Charlotte Whitton: “O que quer que as mulheres façam, têm de fazer o dobro melhor do que os homens para ser considerado metade tão bom. Felizmente, isto não é difícil.” Uma outra mulher partilhou comigo: “No início sentia-me uma intrusa, mas hoje já não. O que sinto como mulher na política é uma espécie de afirmação. Sinto-me presente. Presente seria a palavra que escolheria.”

E que palavra escolheria eu? Talvez “frustrada”. Frustrada por ver demasiadas mulheres que se sentem menos confortáveis em dar a cara, não porque não sejam capazes, mas simplesmente porque preferem o trabalho de bastidores e dedicar-se à organização e à gestão. Frustrada porque, quando finalmente encontramos uma mulher disposta a enfrentar a exposição pública, ela é apelidada de “mulher ambiciosa”. Pergunta: quantas vezes encontramos uma referência nos media a um “homem ambicioso” de modo pejorativo?

Frustrada porque foi preciso impor no Parlamento a Lei da Paridade para forçar as mulheres a ter um lugar à mesa e, ainda assim, é uma luta para preencher as listas e respeitar as quotas. Temos um longo caminho a percorrer até deitar abaixo a vergonha que parece tomar conta das mulheres que desejam fazer-se ouvir. Perante a misoginia entranhada na política portuguesa, essa vergonha ou timidez tem de acabar. Precisamos que mais mulheres insatisfeitas com o rumo da sociedade abracem a política, não para preencher lugares, mas para exercer ação de forma eficaz, para surpreender com a força das suas convicções e – o mais velho cliché de todos – para contribuir para um mundo melhor. Até porque, como temos observado em anos recentes, a política é tão mais refrescante quanto maior for o equilíbrio de género.