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Ana Gomes: “Maior roubo organizado das poupanças dos depositantes no BES”

A acusação é de Ana Gomes. Do BES partiram 7,9 mil milhões de euros, 80% das transferências que ficaram omissas no sistema informático da AT.
  • Reuters
20 Abril 2019, 12h00

Ana Gomes volta a apontar o dedo à falta de controlo de fluxos financeiros para paraísos fiscais e que no caso do ‘apagão fiscal” dos 10 mil milhões de euros de transferências tem o BES como o banco por onde  passou 80% deste montante sem controlo do Fisco e com operações que ficaram omissas no sistema informático da Autoridade Tributária (AT). E considera que, face ao peso nestas operações do banco que faliu em 2014, pode estar em causa “um esquema de desvio de recursos” numa altura, diz a eurodeputada, em que a administração sabia poder estar sob investigação do supervisor e da troika.

“Em causa pode estar o maior roubo organizado das poupanças dos depositantes no BES, hoje os chamados ‘lesados do BES’, porque o BES transferiu 80% das transferências para contas no estrangeiro”, defende Ana Gomes na carta dirigida à procuradora-geral da República, onde alerta Lucília Gago de que a investigação ao chamado apagão fiscal está parada há 19 meses.

Transferências que acabaram por não ser controladas pelo Fisco porque ficaram omissas no sistema informático da AT, o que, diz a eurodeputada, “ocorreu num período em que a sua administração sabia poder estar sob investigação do BdP e das autoridades europeias  (troika incluída)”. Ana Gomes não tem dúvidas: “Um esquema de desvio de recursos para offshores comandado pela administração do BES e organizado para frustrar os controlos de branqueamento de capitais e os controlos das autoridades fiscais”.

Recorde-se que a larga maioria do valor das transferências (80%), num total de 7.917 milhões de entre 10 mil milhões de euros, são fluxos enviados a partir de contas sediadas no BES, que não apareciam nas estatísticas entre 2011 e 2014, apesar de terem sido declarados pelo banco que foi liderado por Ricardo Salgado, tal como o Jornal Económico revelou a 3 de março de 2017. Um montante que corresponde a 96% do total de transferências para offsores que partiram do BES (8.247 milhões de euros).

“Apagão” ocultou 98% dos fluxos do BES em 2014

Só no ano da derrocada do BES, em 2014, contam-se quase 4.000 operações. Saíram do banco então presidido por Ricardo Salgado 2.054 milhões de euros em 2014. Mas desse total só 38 milhões de euros ficaram registados na base de dados da AT no total das diminutas 150 transferências que chegaram ao Fisco. Ou seja, o “apagão” que os auditores da IGF atribuíram a uma “insuficiência informática” tecnologicamente complexa deixou de fora do sistema central do fisco 98% do valor das transferências feitas a partir do BES no ano da derrocada. Ficaram por conhecer 2.016 milhões de euros num total de 3.807 transferências que escaparam ao radar do Fisco.

Uma das falhas apontadas à auditoria determinada à Inspeção Geral de Finanças (IGF) pelo ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade,  foi o facto de esta entidade não ter conseguido explicar “a singularidade estatística de este ‘erro’ afetar especialmente algumas instituições e manifestar-se de forma diversa ao longo de vários períodos temporais”.

Só BES e o Montepio tiveram “apagão”durante três anos

BES e Montepio representam 51% de transferências afectadas pelo ‘apagão’ entre 2011 e 2014: perto de 13 mil operações. Escaparam ao radar do Fisco 8.055 milhões de euros: 7.917 milhões de euros do BES, representando 80% do total omisso em 20 declarações, tendo ficado de fora do sistema informático 10.834 operações; e 138 milhões de euros do Montepio, referentes a 1.730 transferências que não foram controladas.

O BES e o Montepio foram mesmo os únicos bancos com problemas em três anos, segundo noticiou em primeira mão o JE a 9 de julho de 2017. No caso do Montepio, em três anos (2011, 2012 e 2013), foram realizadas a partir desta entidade 2.315 transferências para offshores, no valor de 192 milhões de euros, mas ficou omisso do sistema 72% deste montante (138 mihões).  Já as transferências para offshores a partir do BES somaram 8.247 milhões de euros em três anos (2012, 2013 e 2014), mas só chegaram ao sistema central 330 milhões de euros deste montante.

Estas são as duas entidades sinalizadas pela IGF, mas cuja identificação foi riscada a negro no relatório enviado ao Parlamento, como aquelas em que ocorreu em mais anos um ‘apagão’ fiscal das operações de transferências para paraísos fiscais. O erro de leitura nas declarações submetidas por estes bancos à AT registou-se por mais que um ano, tendo afetado 12.564 operações, mais de metade do total de transferências que não chegaram ao sistema central da AT.

Venezuela enviou cinco mil milhões para fora de Portugal

A 2 julho de 2017, o JE revelou que cinco empresas do grupo Petroleos de Venezuela (PDVSA) foram responsáveis por mais de um quarto das transferências para offshores entre 2011 e 2014 (5,1 mil milhões de euros dos 18,2 mil milhões transferidos para paraísos fiscais). Parte “significativa” do dinheiro ficou no denominado ‘apagão’ fiscal.

Na lista destas empresas, está a própria PDVSA, que tinha receitas depositadas no BES; a Pequiven (de produtos petroquímicos);  e a Petrocedeño (controlada em 60% pela PDVSA, em 30% pela francesa Total e em 10% pela StatoilHydro da Noruega). E também  a Bariven, filial da PDVSA com escritórios em Lisboa, posicionando a capital portuguesa como a plataforma a partir da qual são dirigidos os interesses da petrolífera estatal venezuelana nos mercados europeus e árabes. E ainda a PDVSA Petróleo, empresa que explora, extrai, transporta, refina, armazena e comercializa petróleo bruto e hidrocarbonetos.

Artigo publicado na edição nº 1983 de 5 de abril do Jornal Económico

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