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“Maioria” das empresas da Zona Franca está “insolvente ou sem capacidade” para pagar apoios ilegais

O alerta é dado pela presidente da mesa do CINM da Associação Comercial e Industrial do Funchal, Tânia Castro, que avisa ainda que a decisão de Bruxelas tem levado à “debandada” de empresas desde 2020, provocando estagnação na área dos serviços.
9 Julho 2024, 10h45

A presidente da mesa do CINM-Serviços da Associação Comercial e Industrial do Funchal-Câmara do Comércio e Indústria da Madeira (ACIF-CCIM), Tânia Castro, alerta que a “maioria” das empresas do Centro Internacionais de Negócios (CINM), ou Zona Franca, que foram notificadas pela Autoridade Tributária (AT) para devolver os apoios ilegais, resultantes da investigação levada a cabo pela Comissão Europeia, em 2020, ou “está insolvente” ou “não tem capacidade” para pagar. Tânia Castro avisa também que existiu uma “debandada” de empresas após a investigação da Comissão Europeia, levando à estagnação na área dos serviços na Zona Franca.

O alerta surge cinco dias depois da rejeição, pelo Tribunal de Justiça Europeu, do recurso apresentado pelo Estado, relativo à conclusões da Comissão Europeia sobre os apoios concedidos a empresas instaladas na Zona Franca, no âmbito do regime III. Em setembro de 2022 já tinha sido rejeitado, pelo Tribunal Geral da União Europeia, o recurso que Portugal apresentou sobre a decisão da Comissão Europeia.

No dia em que foi tomada a decisão, o secretário regional das Finanças, Rogério Gouveia, disse que o executivo iria “acatar” a decisão tomada pelo Tribunal embora manifeste a sua discordância.

O governante sublinhou que o executivo “aguarda” ainda a decisão do tribunal relativamente à ação que foi interposta pela Região Autónoma sobre o assunto.

A “debandada” de empresas, denunciada por Tânia Castro, deveu-se a fatores como a “falta de confiança” na “estabilidade” do sistema implementado na Zona Franca madeirense.

Tânia Castro referiu que dados oficiais apontam para 1.599 empresas ligadas aos serviços, um número que ficou constante entre 2021 e 2024, ou seja, no período posterior às conclusões da Comissão Europeia sobre o terceiro regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira.

Os dados do CINM confirmam a estagnação apontada por Tânia Castro na área dos serviços. Em 2023, existiam 2.643 empresas licenciadas no CINM, distribuídas por três áreas, 1.589 eram dos serviços internacionais, 53 na Zona Franca Industrial e 1.001 embarcações no Registo Internacional de Navios (MAR).

A decisão do Tribunal de Justiça Europeu esgotou os recursos do Estado. Mas as empresas que foram notificadas para devolver os apoios, considerados pela Comissão Europeia como ilegais, não têm os recursos esgotados nas instâncias judiciais nacionais e europeias, salienta Tânia Castro.

Tânia Castro diz ao Económico Madeira que a mais recente decisão do tribunal “não surpreende”.

Tânia Castro diz que existiram 322 notificações da Autoridade Tributária (AT), que começaram a ser enviadas desde 27 de junho de 2022, estando em causa cerca de 800 milhões de euros de apoios.

As 322 notificações da AT envolveram entre 200 a 220 empresas, salienta Tânia Castro, que esclarece que a via judicial só ficou disponível às empresas a partir do momento em que se iniciou o processo de notificação da AT, ou seja, no tal dia de 27 de junho de 2022.

Logo nessa altura, entre 20% a 30% das empresas notificadas pela AT contestou a decisão para o Tribunal Europeu, disse Tânia Castro.

Regime III previa taxas de IRC entre 3% e 5%

O regime III da Zona Franca, o regime que foi investigado pela Comissão Europeia, abrangeu as entidades licenciadas a partir de 1 de janeiro de 2007 e até 31 de dezembro de 2013, para o exercício de atividades industriais, comerciais, de transportes marítimos e serviços de natureza não financeira.

Este regime definia a tributação em IRC a 3% (empresas licenciadas entre 2007 a 2009), valor que subia para 4% para empresas licenciadas entre 2010 a 2012, e para os 5% para as empresas licenciadas a partir de 2013. Este regime produzia efeitos até 2020.

O regime manteve também as entidades que estavam licenciadas para operar na Zona Franca Industrial (ZFI) com uma dedução de 50% à coleta do IRC, desde que cumpridas determinadas condições, nas quais se incluíam critérios, como por exemplo: modernização e diversificação da economia regional, a fixação de recursos humanos, a melhoria das condições ambientais e a criação de postos de trabalho.

As entidades, no caso de serviços internacionais, para beneficiarem de uma taxa reduzida de IRC, tinham que iniciar a sua atividade no prazo de seis meses a contar da data de licenciamento, e de um ano, no caso de atividades industriais ou de registo marítimo.

Para beneficiar da taxa reduzida necessitavam de cumprir um dos seguintes critérios: criar entre um a cinco postos de trabalho, nos primeiros seis meses de atividade, e realizar um investimento mínimo de 75 mil euros nos primeiros dois anos de atividade; ou em alternativa criar seis ou mais postos de trabalho nos primeiros seis meses de atividade.

Contudo existia limitação ao benefício consoante os postos de trabalho criados: dois milhões de euros pela criação de um até dois postos de trabalho; 2,6 milhões de euros pela criação de três até cinco postos de trabalho; 16 milhões de euros pela criação de seis até 30 postos de trabalho; 26 milhões de euros pela criação de 31 até 50 postos de trabalho; 40 milhões de euros pela criação de 51 até 100 postos de trabalho; e de 150 milhões de euros pela criação de mais de 100 postos de trabalho.

Dos benefícios ficaram excluídas as atividades de intermediação financeira, de seguros e das instituições auxiliares de intermediação financeira e de seguros, e atividades do tipo “serviços intragrupo”, como por exemplo centros de coordenação, de tesouraria e de distribuição.

Representante da ACIF pede clarificação no novo regime

Tendo em conta que decorrem, nesta altura, negociações entre a Comissão Europeia e o Estado português no sentido de ter operacional, no início de 2025, um novo regime para a Zona Franca, Tânia Castro apela a que esse novo regime seja “muito claro” e “100% correto”, ou seja que haja conformidade entre aquilo que é a legislação da Comissão Europeia e a nacional, de modo a evitar instabilidade no regime e situações como o episódio da investigação da Comissão Europeia.

Tânia Castro sublinhou que as empresas no CINM agiram em conformidade com a legislação que estava em vigor.

Investigação da Comissão considerou terem existido auxílios ilegais

A investigação da Comissão Europeia concluiu, em dezembro de 2020, terem existido auxílios ilegais na Zona Franca, no âmbito do terceiro regime, salientando que Portugal “não esteve em conformidade” com as decisões da Comissão em matéria de auxílios estatais, de 2007 e 2013.

No entender da Comissão, as reduções fiscais de que beneficiaram estas empresas, no âmbito do regime em vigor na Zona Franca, “não contribuíram verdadeiramente” para o desenvolvimento da região e “violaram as regras” da União Europeia referentes a auxílios estatais.

“Portugal deve agora recuperar o auxílio incompatível, acrescido de juros, junto de empresas que não preenchiam as condições”, salientou a Comissão Europeia.

A Comissão Europeia disse que estão abrangidas pela decisão empresas que “receberam mais de 200 mil euros ao abrigo do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira (Regime III), e que “não podem demonstrar que os seus rendimentos tributáveis ou postos de trabalho criados estão ligados a atividades efetivamente realizadas na região”.

O auxílio a empresas instaladas na Zona Franca, referiu a Comissão Europeia, estava dependente do “número de postos de trabalho criados ou mantidos na Madeira”, e os lucros aos quais se poderia aplicar a redução do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) “deveriam resultar de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira”, critérios que, no entender da Comissão Europeia, não foram cumpridos por algumas dessas empresas.

Zona Franca gera mais de quatro mil empregos

O CINM já é responsável por 4.005 empregos diretos, conforme indicam os dados da Direção Regional de Estatística (DREM), referentes a 2022 e que correspondem a um crescimento de 17,6% face ao ano anterior.

CINM é responsável por 79% das exportações

O CINM foi responsável por 79% do total das exportações da Região Autónoma da Madeira que ficaram em 359,2 milhões de euros (mais 92 milhões de euros face ao ano anterior), em 2022, de acordo com os dados da Direção Regional de Estatística (DREM). No ano anterior, o peso da Zona Franca, nas exportações tinha sido de 77,2%.

O CINM exportou 283,8 milhões de euros, em 2022, um valor superior aos 206,4 milhões de euros do ano anterior.

Quanto às importações, as empresas licenciadas no CINM atingiram os 181,1 milhões de euros, um valor superior aos 140,6 milhões de euros do ano anterior.

O peso da Zona Franca nas importações foi de 52,6%, uma descida face aos 56,9% do período homólogo.

A Madeira, em 2022, teve importações de 344,2 milhões de euros, uma subida de 97,3 milhões de euros face ao ano anterior.

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