[weglot_switcher]

Mais de 264 mil portugueses estão em risco de desemprego devido à pandemia

Pandemia de Covid-19 pode fazer desemprego disparar 75% até ao final do ano, segundo cálculos do Jornal Económico, com base em cenários publicados pelo Banco de Portugal e dados do Instituto Nacional de Estatística. Serviços e indústria são os mais expostos, dizem especialistas.
9 Abril 2020, 11h01

Mais de 264 mil portugueses poderão perder o emprego este ano devido à recessão provocada pelo surto do novo coronavírus. Segundo cálculos do Jornal Económico (JE), com base em cenários publicados pelo Banco de Portugal (BdP) e dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de desempregados poderá disparar 75% em 2020, de 352.400 para 616.700.

O cálculo tem como base o cenário adverso para a economia portuguesa divulgado pelo BdP no Boletim Económico de março, divulgado no dia 26 do mês passado e que projeta uma contração de 5,7% no Produto Interno Bruto e uma taxa de desemprego de 11,7% este ano, e os dados do INE sobre o desemprego no quarto trimestre de 2019. Para efeitos de análise, presume-se que a população ativa se mantenha nos 5,27 milhões.

No cenário base avançado pelo BdP a situação é só ligeiramente menos grave. O banco central explicou que, com uma recessão de 3,7% este ano, a taxa de desemprego interrompe a tendência de redução dos últimos anos, e aumenta de 6,7% no quarto trimestre de 2019 para 10,1% no período homólogo de 2020. Nesse cenário, os cálculos do JE mostram o número de 180 mil novos desempregados, ou seja, um salto de 50%, para um total de 543.400 portugueses sem emprego.

Em ambos os cenários, o BdP adiantou que a evolução do desemprego depende criticamente da configuração e magnitude das medidas de apoio às empresas e famílias que serão implementadas no imediato, de forma a mitigar a destruição da capacidade instalada na economia que inevitavelmente decorrerá durante a pandemia.

Os cenários do banco central são partilhados, de forma geral, pelos especialistas consultados pelo JE. Pedro S. Martins, antigo secretário de Estado do Emprego e professor na Queen Mary University of London, estima que no caso de uma paralisação da economia de dois meses a taxa de desemprego atinja 9 a 10%, face aos atuais 6,7%, utilizando como base a probabilidade de teletrabalho entre os trabalhadores por conta de outrem no setor privado e a produção das suas empresas. “No caso da paralisação da economia se prolongar por mais tempo, haverá cerca de um ponto percentual de aumento da taxa de desemprego por mês adicional de paralisação”, calcula.

João Cerejeira, economista especializado nas questões relacionadas com o mercado de trabalho e professor na Universidade do Minho, assume que a taxa de desemprego deverá ficar acima dos 10% este ano, num cenário de retoma da atividade em junho, apesar de salientar que não existem ainda dados disponíveis que permitam avançar com estimativas precisas.

“O problema vai-se agravando se a paralisação se mantiver por mais tempo. O maior risco é que não haja renovação de contratos a prazo, numa primeira fase, e despedimentos coletivos ou encerramento de empresas, numa fase posterior, que levem ao desemprego de contratados sem termo. Mas isso vai depender da duração da quarentena e da velocidade do arranque da economia”, diz.

O impacto do aumento das prestações sociais nas contas públicas é ainda difícil de medir. No Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), com a projeção de uma taxa de desemprego de 6,1%, o Governo estimava gastar 1.197,7 milhões de euros em subsídios de desemprego este ano. João Cerejeira considera que o impacto poderá começar a ser visível a partir do segundo trimestre.

“Atualmente estão cerca de 150 mil pessoas como beneficiárias, com uma despesa de cerca de 1.100 milhões de euros. Eventualmente poderemos chegar às 200 ou 250 mil a curto prazo. O valor da despesa poderá subir na mesma proporção”, diz.

Apesar de considerar que é difícil prever a amplitude do desemprego que poderá atingir a economia no rescaldo da paralisação, Renato Carmo, sociólogo e professor do ISCTE-IUL, alerta “que, do ponto de vista estatístico, o modo como a taxa de desemprego oficial é construída pode não abarcar completamente o conjunto das situações mais vulneráveis”, dando como exemplo as atividades em trabalho informal e sem contrato ou trabalhadores que estão em situação de subemprego.

Serviços e indústria
O comércio e serviços, mas também a indústria, deverão ser os setores com maiores taxas de desemprego, apontam unanimemente os analistas consultados pelo Jornal Económico. Pedro S. Martins indica que as maiores taxas de desemprego deverão chegar ao turismo, comércio, restauração, hotelaria, alojamento local, transportes (táxis e TVDE), serviços de limpeza e construção civil.

Renato Carmo assinala que, “apesar de não exclusivamente”, as atividades que crescem direta ou indiretamente com o turismo deverão estar entre as mais afetadas. “Este setor parou quase completamente, provocando impactos acrescidos na viabilidade económica das empresas (sobretudo as mais pequenas) e na dificuldade extrema em se garantir os salários dos trabalhadores”, diz.

O sociólogo e professor do ISCTE-IUL explica que são setores “onde a precariedade laboral se generalizou num contexto em que o desemprego estava a diminuir” e “parte significativa do emprego criado até à presente crise baseava-se em contratos temporários (não permanentes) ou em trabalho informal, e com níveis salariais relativamente baixos”.

“Muitos destes trabalhadores estão a ser (ou já foram) despedidos ou simplesmente descartados”, diz.

Apesar de salientar que o turismo é um exemplo, João Cerejeira alerta que todos os setores que têm uma maior incidência de trabalhadores a termo ou independentes, em pequenas e microempresas, estarão mais expostos e que “os serviços pessoais e pequeno comércio retalhista são setores onde a entrada e saída do mercado é relativamente simples, o que pode levar ao encerramento de empresas”, ao que acrescem atividades industriais exportadoras para mercados também eles sujeitos à crise, referindo que “a indústria de componentes é um bom exemplo”. Também o setor da cultura deverá ser afetado, realça Renato Carmo.

Os jovens deverão ser os mais atingidos, segundo os analistas, que apontam a maior incidência de contratos a termo nesta faixa etária. “Nomeadamente nos 18-30, na medida em que o mercado de trabalho deve ter congelado em termos de contratações e são em geral os mais jovens que mudam mais de emprego e têm contratos mais curtos”, diz Pedro S. Martins.

Renato Carmo enumera ainda os trabalhadores com menores níveis de qualificação e a população imigrante como os que deverão ser mais afetados.

Exposição ao turismo
O antigo secretário de Estado do Emprego, Pedro S. Martins, estima que Lisboa, Porto, Algarve – durante o verão – e Madeira terão uma maior exposição à crise pela importância que o turismo tem nessas regiões. Apesar de considerar que o Algarve venha a ser a região com a maior queda no PIB regional, seguido pela região Norte e partes da região Centro devido ao perfil exportador, João Cerejeira considera que “a região de Lisboa vai sofrer com a queda no turismo, mas a forte concentração de emprego público e o facto de se localizarem as sedes das grandes empresas nacionais vai servir de travão à queda na procura”.

Para Renato Carmo, as regiões mais afetadas serão as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, por concentrarem a maior atividade económica. Contudo, adverte que “não existe ainda a noção do impacto da crise nas zonas mais vulneráveis situadas no interior do país e em territórios rurais, tendencialmente mais envelhecidos e com menor acesso à informação e ao conhecimento”.

Artigo publicado no Jornal Económico de 09-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.