A autodesignada “Agenda de Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho” foi, por fim, publicada a 3 de abril e mais de 90 alterações ao Código do Trabalho irão entrar em vigor a partir de maio, em matérias tão diversas como plataformas digitais, trabalhadores independentes economicamente dependentes, período experimental, parentalidade, trabalhador cuidador, deveres de informação, teletrabalho, contratação a termo e trabalho temporário, trabalho suplementar, renúncia a créditos laborais, compensações por cessação de contrato de trabalho, proibição de recurso ao outsourcing, contratação coletiva e reforço dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho.

Este pacote de alterações surge na sequência da publicação do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho (2021) e da Proposta de Lei n.º 15/XV/1.ª, que veio a ser aprovada pelo PS, com a oposição do BE, PCP, e IL e abstenção dos restantes partidos.

A promulgação surgiu em 22 de março, embora a Presidência da República advertisse que “o Decreto aprovado pela Assembleia da República se afast[ava], nalguns aspetos, do acordo assinado pelo Governo com os parceiros sociais e consagr[asse] certas soluções que pode[ria]m porventura vir a ter, no mercado de trabalho, um efeito contrário ao alegadamente pretendido”.

Ainda que a fiscalização preventiva da constitucionalidade não tenha sido requerida, antecipa-se que diversas normas, cuja conformidade constitucional tem vindo a ser questionada, venham a ser, muito em breve, objeto de análise pelo Tribunal Constitucional.

Questiona-se, efetivamente, o desígnio das novas soluções, adiantando-se três exemplos que geram controvérsia:

Período experimental

O Código do Trabalho indica, atualmente, que o período experimental tem uma duração de 180 dias para trabalhadores “à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração”. A Lei n.º 13/2023 vem prever que um tal período “será reduzido ou excluído consoante a duração de anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias”.

As organizações passam, assim, a ter de escrutinar o passado contratual dos trabalhadores, enquanto ao serviço de outros empregadores, vendo reduzido ou excluído o período experimental, quando os profissionais contratados já tenham desempenhado atividade profissional perante um outro empregador – portanto, no contexto de uma organização diferente, estruturada de forma distinta e em que o desempenho e adequação ao cargo são, certamente, avaliados em moldes diversos.

E – o que é especialmente impactante – ainda que o posto de trabalho ocupado nada tenha que ver com o ora assumido, junto do novo empregador. Antecipa-se, pois, que esta solução – tornando as condições de contratação destes profissionais menos atrativas e mais exigentes – venha a ter, na prática, efeito inverso ao pretendido, reduzindo a contratação de uma categoria de trabalhadores cujo ingresso (ou reingresso) no mercado de trabalho é consabidamente mais difícil.

Plataformas digitais

A este respeito, a redação final não resistiu a manter expressa menção a uma relação triangular – frequente na prática – entre plataforma digital, profissional contratado e o designado “intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores”.

O aparente propósito de promover a vinculação laboral direta do prestador de atividade à plataforma – nos casos em que a relação entre as partes autorizasse uma tal qualificação – corre, pois, sério risco de insucesso. E assim uma vez que nada é previsto quanto à possibilidade de as plataformas optarem sempre pela contratação intermediada, apenas se salvaguardando que não deverá haver tratamento discriminatório entre profissionais contratados por via direta ou indireta no que concerne, nomeadamente, à gestão algorítmica.

É ainda antecipado que a Autoridade para as Condições do Trabalho desenvolverá, até maio de 2014, uma “campanha extraordinária e específica de fiscalização deste setor, sobre a qual será elaborado um relatório a ser entregue à Assembleia da República”. Portanto, nada de concreto deverá mudar, neste âmbito, no médio prazo.

Trabalhadores independentes economicamente dependentes e proibição de recurso ao outsourcing

A par de outras medidas, surgem fundadas dúvidas quanto à conformidade constitucional do ora introduzido direito à representação coletiva dos trabalhadores independentes em situação de dependência económica por parte de associações sindicais e comissões de trabalhadores e, bem assim, da proibição do recurso à “terceirização de serviços”. Em particular quanto a este último ponto, passa a ser vedado o recurso ao “outsourcing” para o preenchimento de postos de trabalho ocupados por profissionais cujos contratos tenham cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho.

Ora, até ao momento, um dos casos possíveis de recurso a despedimentos por razões empresariais é precisamente uma decisão de reestruturação, que passa, frequentemente, pela externalização de certos segmentos de negócio. Inviabilizar uma tal solução é, segundo se crê, uma contradição jurídica e limita de forma desajustada a margem de gestão empresarial.

Muitas são, assim, as alterações legais a considerar até ao final do mês e pouco o tempo de ajuste. Assistiremos, no imediato, à tentativa de rápida apreensão das novidades introduzidas. Seguir-se-á – e aí está o verdadeiro o desafio – a superação das dúvidas operacionais implicadas.