Em Portugal, como na generalidade da Europa, assistimos a uma subida consistente do preço da habitação desde 2015, atingindo hoje níveis que nunca imaginaríamos possível. O cenário económico mais recente, pressão inflacionista e subida dos juros, impactou o rendimento real das famílias e levou os bancos a colocarem entraves adicionais no acesso ao crédito, agravando o acesso a habitação principalmente à classe média e a quem procura uma primeira casa.

A crise a que hoje assistimos no mercado da habitação tem vários fatores de origem.
A recuperação económica após a crise financeira e o cenário de taxas de juro muito baixas proporcionou uma nova dinâmica ao mercado imobiliário. A atratividade de Portugal no mercado internacional, pelas suas características naturais e pelos preços atrativos bem como por mecanismos de incentivo (nómadas digitais, residentes não habituais), trouxe procura externa adicional.

Mas, o lado da oferta é, talvez, o fator mais relevante nesta equação. O número de fogos construídos nos últimos 10 anos é uma fração do que foi edificado nos 10 anos anteriores. O aumento dos custos de construção (mão de obra, materiais), processos de licenciamento complexos e morosos, IVA na construção a 23%, entre outros, são fatores que agravam os projetos de construção e levam ao escalar do preço de venda.

O programa “Mais Habitação” surge num contexto complexo, de forma tardia, com medidas controversas (arrendamento coercivo, controlo de rendas, fim dos vistos Gold, redução do Alojamento Local) cuja eficácia é questionável por não ser conhecido um estudo aprofundado das necessidades de habitação e dos impactos estimados das medidas, principalmente nas zonas de maior pressão de Lisboa e Porto.

No pressuposto que a solução para a habitação passará por maior colaboração entre o setor publico e privado, num contexto de crescimento do mercado de arrendamento, que em Portugal é muito pouco representativo por comparação com outros países da europa, este conjunto de medidas traz um custo elevado pela forma como a mudança das “regras do jogo” abala a confiança e o apetite dos investidores para projetos futuros.

Em contraste, uma das medidas previstas no pacote “Mais Habitação” para criação de habitação acessível refere-se à cedência de terrenos e edifícios devolutos do Estado em regime de direito de superfície para promoção privada de arrendamento acessível. Esta medida vem acompanhada de linhas de financiamento com garantia mútua e taxa de juro bonificada e um regime fiscal mais favorável. As habitações construídas estarão sujeitas a arrendamento no regime de renda acessível pelo prazo mínimo de 25 anos, podendo estender-se até um máximo de 90 anos. O sucesso desta medida está dependente do tipo e do número de imóveis a serem disponibilizados, da viabilidade económica do modelo e da estabilidade legislativa, para que possam convergir os interesses públicos e privados, permitindo atrair os players relevantes neste tipo de projetos (ex: investidores institucionais).

O compromisso entre privados e o Estado para tornar esta medida num sucesso será fundamental para criar confiança em futuros projetos “build to rent”, que permitam gerar uma oferta forte, incluindo em arrendamento acessível, e provocar estabilidade de preços. A dimensão dos projetos que vierem a ser projetados será relevante para criar economias de escala e propiciar a introdução de técnicas inovadoras, mais eficientes e sustentáveis.

O “build to rent” está consolidado nos Estados Unidos da América, tem tido resultados muito positivos na Europa e tem sido apontado como a solução para a crise da habitação. Será, certamente, a forma mais impactante para garantir a oferta necessária para a elevada procura no mercado.