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Mais Habitação – Reviravolta ou Propaganda?

O Estado quer ser comprador, inquilino, promotor, construtor, cobrador e subsidiador. Tanta função dará mau resultado, e não será mais do que propaganda, uma vez que este pacote não é mais do que um cuidado paliativo, quando na realidade o problema não se resolve sem uma intervenção cirúrgica profunda.
22 Março 2023, 07h30

Foi lançado recentemente pelo governo o programa Mais Habitação, que contém várias medidas polémicas com o objetivo de atenuar a crise na habitação em Portugal. Subsistem várias dúvidas sobre a eficácia e constitucionalidade de algumas medidas.

O problema da habitação em Portugal tem a ver essencialmente com o lado da oferta, e que se tende a exacerbar com a crescente procura por imóveis residenciais.

Do lado da oferta, não existe edificado novo ou usado em quantidade suficiente para a procura que existe atualmente. A construção nova na última década é muito inferior à da década anterior. E porquê? Porque a construção foi um setor muito afetado na última crise. As médias e grandes construtoras ou faliram ou têm uma atividade residual. Empreiteiros que construíam prédios deixaram de o fazer, escaldados pelo risco, ou porque emigraram ou mudaram de atividade. Eram esses que normalmente construíam habitação para a classe média. Atualmente o mercado da nova construção encontra-se dominado por empresas de promoção imobiliária que profissionalizaram o setor, mas que têm como alvo os segmentos premium e de luxo para maximizar o seu lucro.

O Estado não soube antecipar e não aumentou o parque público de habitação nem criou condições aos privados para desenvolverem habitação para a classe média quando devia. Ao invés, vai agora atrás do prejuízo num ataque à propriedade privada que não resolve o problema. A posse administrativa de imóveis já era uma realidade, embora os municípios não tivessem capacidade financeira para o fazer. Será que agora já têm? E o Estado que beneficiou da subida de preços e vendeu imóveis próprios que podiam ser convertidos em habitação pública tem moral para tomar posse de casas privadas devolutas, quando não sabe gerir nem rentabilizar o seu património?

Neste pacote não se viram medidas como por exemplo a uniformização dos procedimentos de licenciamento de projetos em todos os municípios. Mas querem que os projetistas assumam uma responsabilidade que é do Estado (município) e que não deve deixar de o ser. Não acabaram com o IMT, para a primeira habitação, nem promoveram parcerias com empresas especializadas em built-to-rent. Não pensaram em criar novas centralidades para dispersar a densidade populacional. As cooperativas de habitação são uma incógnita. E como é que o Estado vai obter mão-de-obra e capacidade financeira para intervencionar dezenas, centenas, ou milhares de casas que irá arrendar coercivamente?

Do lado da procura, apesar da maioria serem cidadãos nacionais (88% de acordo com o INE), existe uma parcela residual do mercado composta por estrangeiros europeus (5% do volume total de transações, segundo o INE) que tende a concorrer pelas mesmas habitações que os portugueses mas que, por terem uma capacidade financeira superior, conseguem influenciar em alta o resto do mercado. O cidadão nacional que precisa de casa tem de se sujeitar ao aumento dos preços, porque a oferta não é suficiente.

Mais uma vez, estaria à espera que acabassem com os benefícios fiscais para estrangeiros europeus, mas ao invés decidem acabar com os vistos gold, que investem em propriedades inacessíveis se calhar a 99% dos portugueses e que não concorrem com o segmento alvo da classe média portuguesa.

O apoio às rendas e à amortização dos empréstimos são medidas positivas para evitar uma eventual calamidade social, mas devem ser vistas como medidas temporárias e transitórias enquanto o problema estrutural não é resolvido.

O Estado quer ser comprador, inquilino, promotor, construtor, cobrador e subsidiador. Tanta função dará mau resultado, e não será mais do que propaganda, uma vez que este pacote não é mais do que um cuidado paliativo, quando na realidade o problema não se resolve sem uma intervenção cirúrgica profunda.

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