A atividade logística em Portugal vive um momento de tensão permanente entre aquilo que consegue fazer e aquilo que o país lhe permite que faça.
Um setor fragmentado, composto em muito por microempresas, com um claro domínio do transporte rodoviário, o que condiciona a resposta aos desafios que se perfilam, que formatam a capacidade de resposta e que vão muito além da operação diária.
À frente de todos os desafios, e mais estrutural, estão as pessoas. “A mão de obra é, efetivamente, um fator preocupante”, afirma ao Jornal Económico o presidente da Associação Portuguesa de Operadores Logísticos (APOL), Vítor Figueiredo. Faltam quadros qualificados, faltam trabalhadores indiferenciados e faltam motoristas num mercado nacional onde a idade média ultrapassa os 50 anos.
A pressão é dupla: a tecnologia avança, mas as equipas não crescem ao mesmo ritmo, num mercado que já absorveu toda a flexibilidade disponível. E flexibilidade é uma palavra-chave para o setor. A disrupção das cadeias de abastecimento acrescentou incerteza. A guerra, os prazos de entrega mais longos e a dificuldade em renovar frota criaram um efeito dominó que chega à operação nacional, como reconhece Vítor Figueiredo. “Houve um prazo muito grande na entrega de camiões”, diz, o que atingiu diretamente a atividade dos operadores. Ao mesmo tempo, a procura continuou a aumentar, impulsionada pelo comércio eletrónico e por padrões de consumo mais fragmentados. O setor adaptou-se, mas paga um preço elevado para conseguir acompanhar.
Custos e mais custos
O terceiro desafio é económico. A subida dos custos da energia e do combustível, a pressão salarial e o impacto crescente do imobiliário estão a reconfigurar o mapa competitivo. No segmento da armazenagem, por exemplo, “as rendas têm vindo a aumentar significativamente” e “o preço de acesso à rede começa a ser cada vez mais significativo e a pesar cada vez mais”, alerta o presidente da APOL. Os operadores veem as margens comprimidas e a necessidade constante de investimento para renovar equipamentos e adaptar plataformas.
A transição digital é inevitável, mas exige escala financeira e humana. Os operadores investem em rastreabilidade, automação e visibilidade, mas a capacidade nacional para competir depende de massa crítica. Portugal continua a ser um mercado fragmentado, o que limita o investimento em grandes sistemas. Figueiredo admite que a consolidação é inevitável, num setor que “necessita de massa crítica para enfrentar estes investimentos”.
A transição energética é o desafio mais complexo. Nos armazéns, a tecnologia existe e, muitas vezes, o “mais sustentável e o economicamente mais atrativo estão alinhados”. Mas no transporte pesado — que concentra o impacto ambiental — a equação não fecha.
“Importa promover uma logística cada vez mais sustentável, incentivando a renovação das frotas empresariais para veículos mais sustentáveis e a instalação de infraestruturas de carregamento rápido para pesados e veículos de distribuição urbana”, diz Hermano Rodrigues, principal da EY-Parthenon.
Os veículos elétricos têm pouca autonomia, a oferta de mercado é limitada e os incentivos são residuais. “O investimento é praticamente quatro vezes superior”, sublinha o presidente da APOL, lembrando que a própria rede de carregamento “não está tratada” e pode tornar inviável uma migração acelerada.
E há ainda o maior de todos os desafios: o contexto nacional. O setor precisa de infraestruturas, previsibilidade e decisões. Falta tudo. “Decisões estratégicas em relação ao plano nacional de infraestruturas já tardam demasiado tempo em ser tomadas”, denuncia Figueiredo. “As cadeias de abastecimento representam cerca de um quarto de todas as emissões”, logo, o atraso penaliza também a descarbonização, acrescenta.
Acresce a ação do decisor político no enquadramento. “Ao nível regulatório e fiscal, é possível e relevante reduzir a burocracia aduaneira, harmonizar procedimentos transfronteiriços, rever regime de portagens para transporte pesado em corredores logísticos estratégicos e criar benefícios fiscais para investimento em frota verde, automação e infraestruturas logísticas. A promoção de planeamento urbano para entregas de última milha é igualmente estratégica, apostando na criação de micro-hubs urbanos para descongestionar centros, na definição de janelas horárias, zonas de carga/descarga e regras harmonizadas entre municípios e no incentivo a veículos de zero emissões para distribuição urbana”, defende Hermano Rodrigues.
Do lado dos operadores, a adaptação continua: tecnologia, reorganização de processos, procura de talento, parcerias e investimento. Do lado do país, persistem decisões adiadas que anulam ganhos de eficiência e custam competitividade.
O setor logístico português tem mais carga do que nunca — em termos de volumes, exigências ambientais, tecnológicos e de serviço — e responde com capacidade e adaptação. Mas a competitividade do país depende agora de outro nível de ação: agrupar empresas, elevar escala, modernizar infraestruturas, formar mão de obra e acelerar a transição energética. No meio desta equação, o presidente da APOL deixa o aviso direto: “O custo da inação é superior ao de uma má decisão”.
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