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Mara Franco: “O atual sistema do subsídio de mobilidade aéreo revela fragilidades que comprometem eficiência e sustentabilidade”

O subsídio de mobilidade para as viagens aéreas entre o território continental e as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores (SSM) representou quase metade (49,4%), o equivalente a 114 milhões de euros, ao nível dos apoios concedidos pela EGTF, salienta um relatório do Tribunal de Contas (TdC). Sócia da Namora Cerejeira Marinho Falcão, Mara Franco, diz ao Económico Madeira que Portugal deve avançar com uma adaptação do sistema espanhol, que aplica o subsídio social de mobilidade diretamente no ponto de venda.
29 Novembro 2024, 16h00

O subsídio de mobilidade para as viagens aéreas entre o território continental e as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores (SSM) representou quase metade (49,4%), o equivalente a 114 milhões de euros, ao nível dos apoios concedidos pela EGTF, salienta um relatório do Tribunal de Contas (TdC). O que mais se aproximou foi a habitação (27,3%) com 63 milhões de euros, e o arrendamento jovem (14,3%) com 33 milhões de euros. Para a sócia da Namora Cerejeira Marinho Falcão, Mara Franco, o atual modelo revela fragilidades que comprometem a sua eficiência e sustentabilidade.

“A evolução dos valores globais ao longo dos anos reflete o aumento gradual dos montantes atribuídos, desde a entrada em vigor do atual regime do SSM em 2015, com exceção dos anos de 2020 e 2021 devido à significativa redução do número de viagens decorrente da pandemia de COVID-19. A normalização da procura pela retoma da atividade económica observa-se a partir de 2022, registando-se em 2023 o maior aumento desde a criação do subsídio, especialmente na Região Autónoma dos Açores, cujo valor representou 64,4% (81 milhões de euros) do valor total (126 milhões de euros)”, salientou o relatório do TdC.

O documento continua referindo que o aumento dos encargos do Estado com o SSM resulta “não só do aumento do número de viagens”, mas também do “aumento sustentado” do seu custo unitário (subsídio por beneficiário).

“Desde 2015, o SSM por beneficiário aumentou 98,6% na Região Autónoma da Madeira e 131,1% na Região Autónoma dos Açores, o que se explica, em grande medida, pelo facto de o regime legal em vigor não incentivar a procura de viagens mais económicas”, considera TdC.

O SSM define um custo no preço das ligações entre Açores e Madeira para adultos de 134 euros e para estudantes de 99 euros. Na ligação entre Madeira e Continente o custo é de 86 euros para residentes e de 65 euros para estudantes, e na ligação entre Açores e Madeira o custo é de 119 euros para residentes e de 89 euros para estudantes.

Para a Madeira existe um teto máximo de 400 euros e para os Açores não existe limite.

Em termos práticos, quem adquira, por exemplo, uma passagem de 400 euros, paga esse valor na aquisição da viagem e depois é reembolsado da diferença entre os 400 e os 86 euros. Os valores das viagens que ultrapassem os 400 euros são suportados pelos viajantes. Por exemplo, numa viagem de 500 euros, o passageiros receberia o valor da diferença entre os 400 e os 86 euros, mas teria que suportar mais 100 euros que corresponde à diferença entre os 400 e os 500 euros que já não estão abrangidos pelo SSM.

Contudo, o executivo da República procedeu a alterações em algumas das regras do SSM. Uma das medidas prende-se com a redução dos preços das viagens entre Continente, Madeira e Açores e com a introdução de um teto máximo no SSM dos Açores.

TdC defende revisão do subsídio de mobilidade

O relatório do TdC considera que o atual modelo do SSM evidencia fragilidades e riscos.

“Ainda que possam ser reforçados alguns aspetos relacionados com o controlo da atribuição do SSM, é de salientar a necessidade de proceder à revisão do regime legal, uma vez que as regras vigentes têm evidenciado riscos vários e conduziram ao aumento do custo unitário deste subsídio”, afirma o Tribunal de Contas.

O TdC aponta várias fragilidades ao SSM, fazendo a ressalva que algumas delas têm sido “apontadas de forma recorrente” nas avaliações anuais elaboradas pela IGF e pela ANAC.

Entre as fragilidades identificadas pelo TdC estão: “Não existem motivos de mercado ou de concorrência que justifiquem a adoção de modelos diferenciados para as duas regiões autónomas; Não estando definido um limite para o custo elegível (como sucede no caso das viagens de e para a Região Autónoma dos Açores) ou para o subsídio a suportar pelo Estado, os beneficiários não têm qualquer incentivo em adquirir passagens aéreas mais económicas; Não existindo limite para a taxa de emissão do bilhete, não há incentivo para que as transportadoras e agências de viagens pratiquem valores mais baixos; O cartão de embarque é assumido como comprovativo suficiente da realização da viagem quando, pelo facto de ser emitido antecipadamente, não comprova efetivamente que esta se efetuou”.

A sócia da Namora Cerejeira Marinho Falcão, Mara Franco, considera que este subsídio é “essencial” para promover a continuidade territorial, obrigação essa do Estado prevista no Estatuto Político-Administrativo de ambas as Regiões Autónomas, “permitindo que os cidadãos destas Regiões tenham o mesmo direito” à mobilidade que os demais residentes em Portugal continental.

“Contudo, o atual sistema revela fragilidades que comprometem sua eficiência e sustentabilidade, carecendo, por isso, de uma revisão urgente e estratégica por forma a evitar uma sobrecarga dos contribuintes, como recomendado no recente relatório do Tribunal de Contas”, salienta a advogada.

Mara Franco acrescenta que “é preciso corrigir a assimetria regulamentar” entre as Regiões Autónomas.

“Note-se que a ausência de um teto no custo elegível para a Região Autónoma dos Açores desencoraja a procura por passagens mais baratas. A contrário, na Região Autónoma da Madeira existe um limite que modera os custos e incentiva a procura de opções de viagem mais acessíveis”, explica Mara Franco.

Mara Franco sublinha que Portugal deve avançar com uma adaptação do sistema espanhol, que aplica o subsídio social de mobilidade diretamente no ponto de venda. “Em Espanha, o desconto de 75% nas tarifas aéreas para residentes em regiões insulares ocorre automaticamente, por via do Número de Identificação Fiscal (NIF), dispensando o processo de reembolso posterior e minimizando o risco de fraude. Adotar um sistema semelhante em Portugal, porém com limites máximos, digamos de 600 euros por passagem durante o ano, e de 800 euros no Natal e em Agosto (altura de maior movimento estudantil e familiar), simplificaria o acesso ao subsídio social de mobilidade e reduziria significativamente a carga administrativa”, considera a sócia da Cerejeira Namora Marinho Falcão.

Mara Franco sublinhou que o subsídio de mobilidade é processado por meio dos CTT, entidade responsável por verificar a documentação dos beneficiários. “No entanto, o Tribunal de Contas alerta que a verificação efetiva dos montantes cobrados é, na prática, insuficiente. A IGF e a ANAC, responsáveis pela fiscalização e monitorização dos custos, enfrentam limitações para cruzar dados devido ao elevado volume de viagens e à complexidade do sistema. Por isso o modelo vigente permite que intermediários, como agências de viagens, cobrem valores superiores aos das transportadoras aéreas, o que encarece o subsídio social de mobilidade e favorece a opacidade do sistema”, diz Mara Franco.

A advogada acrescenta que, face a isto, existe vantagem no modelo espanhol, “uma vez que são as transportadoras aéreas responsáveis pela implementação do desconto direto no preço das passagens aéreas, aquando do pagamento da reserva”.

Para Mara Franco, a implementação de uma plataforma digital centralizada, “ainda que possa permitir um controle mais rigoroso sobre os valores e documentações, minimizando o risco de fraudes e a sobrecarga de trabalho manual, levanta questões relativas aos seus encargos de manutenção”.

Nesse sentido, a advogada questiona se “não seria mais fácil a Autoridade Tributária partilhar, de forma devidamente regulamentada e garantido a privacidade, a base de dados de residentes fiscais em Regiões Autónomas com as companhias aéreas”.

Para Mara Franco, apenas a modernização do subsídio social de mobilidade, “inspirada em práticas bem-sucedidas, garantirá que os recursos públicos sejam utilizados de forma justa e eficiente”, afirmando que é “necessário priorizar soluções tecnológicas e regulatórias que alinhem o sistema com os objetivos de equidade e sustentabilidade, beneficiando não apenas os residentes das Regiões Autónomas, mas também o interesse coletivo de uma administração pública justa e eficaz”.

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