O Jornal Económico está esta semana no Instituto Universitário de Lisboa, neste ciclo de entrevistas-antevisão de 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal.
Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do Iscte-IUL, ministra da Educação de um Governo PS entre 2005 e 2009, esteve mais uma vez em foco no final do ano passado com a publicação, de “O Futuro da Ciência e da Universidade”. No livro, uma co-autoria com Jorge Costa, vice-reitor do Iscte, defende a necessidade de recuperar níveis de investimento público que permitam continuar a desenvolver o sistema científico português e fazê-lo retomar a rota que estava a seguir desde os anos 90 do século XX.
Nesta entrevista ao JE, Maria de Lurdes Rodrigues diz que 2024 pode ficar como o ano de “uma viragem nas políticas públicas, com impactos positivos no futuro”. Aplaude a aplicação da fórmula de financiamento do Ensino Superior, que repõe “um equilíbrio mais justo na distribuição das dotações do OE pelas instituições” e espera “que tenha invertido o ciclo de perda de investimento público no Ensino Superior que se registava desde 2011”. Congratula-se pela inscrição, pela primeira vez, no OE 2024 (em vigor) de “um programa de apoio à vinculação de investigadores precários numa carreira de investigação” e enfatiza a construção e requalificação de residências para estudantes deslocados como nunca antes tinha acontecido.
Em linhas gerais, como antecipa 2024 no ensino superior e na ciência em Portugal?
Apesar de toda a instabilidade governativa que vivemos, o ano de 2024 pode ficar como o ano de concretização de mudanças importantes, de uma viragem nas políticas públicas, com impactos positivos no futuro.
Refiro apenas três casos. Em primeiro lugar, a aplicação de uma fórmula de financiamento que repõe um equilíbrio mais justo na distribuição das dotações do orçamento de Estado pelas instituições de ensino superior. Trata-se de uma fórmula que considera o número de estudantes que frequentam as diferentes instituições, critério que não era considerado há mais de dez anos, prejudicando muito todas as instituições em que o número de alunos tinha aumentado. Neste passo, registou-se um aumento de financiamento público, tendo-se finalmente atingido os valores de financiamento de 2010.
Não é uma fórmula perfeita, precisa de evoluir, como está previsto, para a inclusão de critérios de qualidade e de resultados, como por exemplo o número de diplomados. Mas trata-se de uma medida com impacto em 2024 e, espero, nos anos que se seguirem. O aumento do financiamento registado não nos coloca nos níveis de financiamento das universidades europeias, mas esperamos que tenha invertido o ciclo de perda de investimento público no ensino superior que se registava desde 2011.
Segundo
Em segundo lugar, pela primeira vez, no Orçamento de Estado reconhece-se o papel e a importância das instituições de ensino superior no sistema científico, tendo sido inscrito um programa de apoio à vinculação de investigadores precários numa carreira de investigação. As IES terão uma verba de financiamento público consignado à investigação.
Terceiro
Finalmente, as residências de estudantes e o alargamento da ação social. Em 2024, estarão em construção ou em requalificação residências de estudantes que mudarão estruturalmente as condições de frequência do ensino superior para milhares de alunos deslocados. Melhorará as condições de mobilidade dos estudantes nacionais, mas terá um impacto igualmente significativo na atração e recrutamento de estudantes internacionais. Só no Iscte, esperamos multiplicar por dez o número que temos atualmente, chegando a cerca de 800 camas.
A incerteza, ao nível nacional e internacional, é o principal problema que se pode colocar às instituições de ciência e de ensino superior.
Quais os principais desafios?
Os desafios são inúmeros. Tanto no sistema de ensino superior, como no sistema científico, como ainda na relação que ambos os sectores estabelecem com o contexto económico e social em que se inserem.
No ensino superior, do lado das instituições, há desafios relacionados com o aumento da oferta formativa dirigida a novos públicos, respondendo às necessidades de aprendizagem ao longo da vida e às exigências da transição digital e da transição climática. Novos cursos e novos modos de ensinar e comunicar, tirando partido das novas tecnologias e ferramentas como a inteligência artificial. Do lado do poder político, há desafios relacionados com a regulação e a revisão do regime jurídico e estatutos de carreira, reforçando a autonomia das instituições. A autonomia, que é uma questão essencial no desenvolvimento das universidades, não pode ser apenas consagrada na Lei. A autonomia tem de ser respeitada nos diferentes modos de relacionamento do Estado com as instituições baseado na confiança e no reconhecimento do seu valor.
Na ciência, o Governo (seja ele qual for) deve renovar o compromisso de responsabilidade política. O desenvolvimento científico e a produção de conhecimento requerem uma intervenção do Estado continuada no tempo. Só com investimento público é possível alavancar o investimento privado ou explorar outras fontes de financiamento. Sobressaltos e hesitações comprometem o funcionamento do sistema científico que necessita essencialmente de estabilidade e previsibilidade do investimento público. Do lado das unidades de investigação, estas enfrentam o desafio da integração da formação e integração das novas gerações de investigadores, tirando o melhor partido possível dos programas de formação avançada e de estímulo ao emprego científico.
Na articulação entre a ciência e o ensino superior, diria que o principal desafio é aumentar a atratividade internacional e a capacidade em participar ativamente nas redes internacionais, nos Programas Europeus no período de 2021-2027, nas áreas da Investigação e Inovação, Erasmus+, e Alianças de Universidades Europeias.
Quais as prioridades do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa para o ano de 2024?
O Iscte-Instituto Universitário de Lisboa tem vindo a concretizar o seu plano estratégico de desenvolvimento definido para 2022-2026. Estamos a meio do caminho, pelo que já lançámos todos os grandes projetos. Estamos agora em fase de conclusão ou de consolidação.
Pode enumerar?
Criámos em 2022 uma nova escola – Tecnologias Digitais Aplicadas – em Sintra, com dez cursos de licenciatura, e o apoio financeiro do PRR. No final deste ano, esperamos ter cerca de 750 estudantes e o lançamento de novos cursos de mestrado e de pós-graduação.
Entrou em funcionamento o centro Iscte-Conhecimento e Inovação, novo edifício na Av. Das Forças Armadas, que reúne todos os recursos de investigação, produção de conhecimento e informação que antes estavam espalhados no campus do Iscte. Agora temos um espaço pluridisciplinar, de trabalho colaborativo, que proporciona excelentes condições para os cerca de 400 investigadores que desenvolvem a sua atividade nas nossas unidades de investigação. Será um novo desafio a criação da carreira de investigação e a vinculação de uma parte destes investigadores.
Participámos, no quadro da iniciativa Universidades Europeias, na construção de um consórcio – Aliança Pioneer – dedicada à questão das cidades, incluindo os seguintes temas: transição urbana, vulnerabilidade, inclusão e saúde nas cidades; cidades sustentáveis e resilientes; transição digital; mobilidade, transição energética e natureza nas cidades. Será um desafio a concretização dos projetos de ensino e investigação que lideramos neste consórcio.
Lançamos os projetos de construção/requalificação de residências de estudantes em Odivelas, Sintra, Amadora e Convento de Santos-o-Novo, com o apoio financeiro do PRR. A concretização destes projetos, no quadro de incerteza, de exigência de cumprimento de prazos e de dificuldades no setor da construção, é um desafio muito difícil, mas cá estamos para o enfrentar.
Finalmente, é um desafio, de sempre, continuar a consolidar a reputação do Iscte nas áreas disciplinares e científicas em que tem uma posição de liderança: gestão, sociologia, políticas públicas, administração pública, tecnologias digitais e emergentes, ciência de dados, ação humanitária, entre outras.
O que é o ISCTE-IUL
O Iscte – Instituto Universitário de Lisboa é uma instituição pública de ensino universitário, criada em 1972. Desde 2010 dispõe de uma estrutura organizacional que resultou na composição de unidades orgânicas descentralizadas: quatro Escolas, 16 Departamentos e oito Unidades de Investigação. As áreas de ensino e investigação do Iscte estão organizadas em cinco escolas: Escola de Ciências Socias e Humanas; Escola de Sociologia e Políticas Públicas; Escola de Gestão; Escola de Tecnologias e Arquitetura e a mais recente Escola de Tecnologias Digitais, Economia e Sociedade em Sintra, que começou a lecionar no ano letivo 2022-2023, com uma oferta de oito licenciaturas que combinam áreas disciplinares de tecnologias digitais com áreas disciplinares das ciências sociais, económicas e humanidades. No final de 2023, no campus Iscte de Lisboa, inaugurou o Edifício 4, o Iscte Conhecimento e Inovação, complexo destinado ao Centro de Valorização e Transferência de Tecnologias, infraestrutura de investigação e transferência de conhecimento, que reúne oito unidades de investigação, 13 laboratórios e 9 observatórios. O Iscte-IUL conta com mais de 14 mil estudantes, 328 docentes de carreira, 467 investigadores afetos a I&D e cerca de 300 funcionários não docentes. Oferece nos três ciclos do Ensino superior mais de 100 cursos, além de outras formações e pós-graduações. Em 2020, o Presidente da República distinguiu o Iscte – IUL com a Ordem da Instrução Pública.
O Jornal Económico iniciou em janeiro a publicação de um ciclo de entrevistas sobre o Ensino Superior em Portugal. Leia aqui as entrevistas a:
Paulo Águas, reitor da Universidade do Algarve: “É crítico melhorar as regras de distribuição das verbas do OE” e incluir a ciência nas dotações
Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra: “Com a queda do Governo, a tendência para um aumento de entropia acentua-se”
Luís Ferreira, reitor da Universidade de Lisboa: “Sem mais investigação não teremos salvação”
José Moreira, presidente do SNESup – Sindicato Nacional do Ensino Superior: “Esperamos que a próxima equipa governamental esteja aberta à negociação e não só à audição”.
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