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Mérito é mais importante que as quotas, defendem os responsáveis pelo BCP, Visa, CMVM e Montepio

Miguel Maya não gosta da lei das quotas, mas defende-a para abrir a porta ao mérito das mulheres. Posição semelhante tem a country manager da Visa, Paula Antunes da Costa, que defende que as mulheres devem chegar aos lugares de destaque por mérito e não por imposição de quotas.
9 Março 2021, 07h40

No painel de debate: “Breaking the Glass Ceiling in the Financial Industry”, na cerimónia virtual de Toque de Sino pela Igualdade de Género, da Euronext Lisbon, a questão andou à volta da dicotomia quotas versus mérito. Parece consensual que o mérito não tem género, tanto é masculino como feminino.

Em Portugal a distribuição nos conselhos de administração das empresas cotadas e dos órgãos de supervisão é de 19,9% de mulheres e 80,1% de homens. São números que revelam desproporcionalidade dos dois sexos no boards e que foram lançados pela moderadora do debate, Bárbara Barroso da MoneyLab, que avançou também que, com base em estimativas recentes do Fórum Económico Mundial (WEF), a diferença salarial entre homens e mulheres deverá acabar dentro de 257 anos. O debate parte do pressuposto que o acesso a lugares de destaque e as oportunidades de progressão de carreira nas empresas é algo que continua a ser desfavorável às mulheres.

Apesar das críticas à lei das quotas, aprovada em 2017, esta é vista como um instrumento para quebrar “o vidro do preconceito”. Isso mesmo defendeu Miguel Maya, CEO do Millennium BCP que participou no painel de debate com a Presidente do Conselho de Administração da CMVM, o CEO do Montepio, e a country manager da Visa em Portugal, Paula Antunes da Costa.

Gabriela Figueiredo Dias foi a primeira a falar da “polémica” lei das quotas que foi aprovada, em 2017 no Parlamento, e que obriga as empresas públicas e as empresas cotadas em bolsa a contratarem mais mulheres para órgãos de fiscalização e para os seus conselhos de administração. A presidente da CMVM diz que se não fosse a lei que estabelece quotas de mulheres na gestão das empresas e entidades reguladoras, essa percentagem de mulheres seria inferior.

Miguel Maya, CEO do Millennium BCP, começou por dizer “eu não gosto de quotas”, mas “não conheço nenhum outro instrumento que possa ajudar a partir o tal vidro”, defendeu o CEO do BCP.

Para o banqueiro a imposição de quotas de mulheres é uma alavanca para provocar a mudança. “Não quero promover uma mulher com base em quotas”, disse Miguel Maya que reconhece que o principal obstáculo à igualdade de oportunidades é o preconceito.

No caso do BCP, em 2020, “53% das promoções que fizemos dentro da casa foram mulheres e não tem nada ver com quotas”, disse. As mulheres representam atualmente 27,4% das funções de liderança, adiantou Miguel Maya.

Quando confrontado com a frase “as mulheres não mandam”, Miguel Maya respondeu, “não mandam pouco”, para dizer que “as mulheres mandam e muito”.

O CEO do BCP lembrou que o banco tem na Comissão Executiva “uma mulher extraordinária, que é responsável pela tecnologia e inovação”: Maria José Campos.

Paula Antunes da Costa, Country Manager da Visa, alinhou pela posição do CEO do BCP e é também contra a imposição de quotas de mulheres. “Eu pessoalmente não sou a favor nem da discriminação positiva, nem da discriminação negativa, porque pode trazer mecanismos perversos e nós queremos que as mulheres sejam promovidas pelo mérito e pela competência”, disse a responsável da Visa em Portugal.

Os temas da “igualdade de género” e da “inclusão e diversidade” estão na agenda da Visa a nível global. Paula Antunes da Costa fala da necessidade de igualdade de oportunidades e trouxe para o debate outro tema, o da idade, que é preciso incluir na “inclusão”, pois é “um tema muito importante na nossa sociedade”.

“No contexto empresarial há até uma preponderância de talento feminino nas organizações”, disse a gestora que reconhece que essa preponderância se perde à medida que se avança para a gestão intermédia, porque as mulheres “abandonam o pipeline”, explica. A questão da família pode explicar esse trajeto.

Pedro Leitão, CEO do Banco Montepio, disse, por sua vez, que “não sou contra os quotas”, e lança a pergunta: “conseguimos nós encontrar melhor instrumento para acelerar a trajetória? Penso que não”.

O líder do banco da Associação Mutualista lembrou que o talento “tanto está no lado feminino, como no lado masculino” e invocou o valor económico da diversidade. “Temos hoje cerca de 34% de mulheres na alta direção do Banco Montepio. Um score que ainda pode ser melhorado”, lembrou.

O CEO do banco explicou que o Montepio “não tem quotas internamente”, mas defende que “o enfoque nas quotas não significa espezinhar o mérito”.

“Dois terços do novos talentos que recrutamos nos últimos três anos são mulheres e não é por uma questão de quotas é porque chegam mais bem preparadas”, disse. “Lá chegará o tempo em que as quotas desaparecerão, naturalmente”, acredita Pedro Leitão.

Recorde-se que o Banco Montepio tem duas mulheres na comissão executiva (Dulce Mota e Helena Costa Pina).

Antes, Paula Viegas, Convenor, Women’s Empowerment Principles para Portugal, tinha invocado o exemplo do banco norte-americano Goldman Sachs, que anunciou uma nova política de negócios na área da estruturação de ofertas iniciais de ações (IPOs). O banco só montará IPO de empresas que tenham um Conselho de Administração “diverso”, com 40% de mulheres nos órgãos de gestão.

Gabriela Figueiredo Dias, presidente da CMVM, comentou a temática de a inclusão ter de se traduzir na criação de valor, e não poder ter só um propósito social. A presidente da CMVM reconheceu a importância de métricas para medir o impacto económico das boas práticas de Environmental, social and corporate governance (ESG). Mas, disse, “há uma diferença entre medir e a avaliar. Não podemos ficar escravos dos números, por causa da carga de subjetividade do tema que não é captada pela frieza dos números dos resultados”.

“O que procuramos dar é informação”, disse a reguladora dos mercados sobre a vontade dos investidores em perceber as práticas de ESG das cotadas.

Em resposta à presidente da CMVM, Miguel Maya disse que “tem imensas dúvidas que haja causalidade entre uma empresa ter mulheres nas comissões executivas e os resultados”.

O CEO do BCP lembrou que no teletrabalho as mulheres tendem a ser mais prejudicadas na disponibilidade, que é inevitavelmente mais condicionada pelo apoio à família.

Sobre o facto de as mulheres chegarem mais bem preparadas às empresas e depois não quererem chegar a chefias, o banqueiro lembrou que “chegar mais alto nas organizações não faz de nós melhores pessoas”  e que “o importante é cada pessoa poder fazer a escolha que a faz mais feliz, e isso não desvaloriza em nada as pessoas”, disse Miguel Maya.

No final todos concordaram que o importante é defender a igualdade de oportunidades.

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