A proteção da biodiversidade, todos sabemos, é a parente pobre da política ambiental, que por sua vez já é a parente pobre das políticas públicas. Soma-se a isto um escrutínio económico que muitas vezes não se ajusta à sua natureza de bem público, sujeito a diferentes regimes de propriedade, e que gera benefícios que não são monetizados ou, na sua maioria, não são sequer monetizáveis.

Isto dificulta a defesa da importância social e económica da proteção da biodiversidade, ainda mais no atual contexto do Quadro Global para a Biodiversidade, que determina que os Estados que a ratificaram devem “proteger e gerir de forma efetiva” 30% da sua área terrestre, 30% da sua área marinha, e 30% dos seus rios até 2030.

Mas a proteção da biodiversidade mundial pode gerar benefícios económicos líquidos através do cumprimento da chamada meta 30×30 (30% até 2030). O relatório Waldron, preparado por uma equipa liderada pela Universidade de Cambridge ainda durante as negociações da meta 30×30, concluiu que o seu cumprimento iria ter naturalmente mais impactos nos setores da agricultura, florestas e pescas, e que os dois primeiros têm claramente maiores benefícios económicos com a sua implementação, enquanto que para as pescas estes benefícios demorarão alguns anos a materializar-se.

Portugal foi um dos países que assumiu este compromisso – como vai então o cumprimento da meta 30×30 no nosso país? Em terra, o atual governo indicou em dezembro que já estaria em condições de cumprir a meta no Continente, somando a atual cobertura das áreas protegidas à Rede Natura 2000 e a outras designações internacionais.

Surpreendentemente, são omitidas as Regiões Autónomas, que também devem contribuir para a meta. Estes 34,8% do território continental estão de facto sob proteção legal, mas a mesma está muito longe de ser proteção efetiva: faltam meios humanos, materiais e financeiros para proteger o que já está no papel. Veja-se o recente contencioso da Comissão Europeia com o Estado Português por ainda não ter definido nem objetivos, nem medidas de gestão para a sua Rede Natura 2000, o que nos mostra que estamos muito longe de dar a meta 30×30 por cumprida.

No mar, o governo foi ainda mais longe, e em outubro resolveu antecipar a meta de proteção de 30% para 2026, levantando sérias dúvidas sobre a exequibilidade. Portugal tem sob sua jurisdição 1,8 milhões de km2 de mar, área que pode aumentar para quase quatro milhões de km2 se a sua pretensão para jurisdição dos fundos marinhos para além da atual Zona Económica Exclusiva for reconhecida pelas Nações Unidas.

Designar Áreas Marinhas Protegidas para abrangerem 30% de tanto mar implica que estas sejam criadas nos locais certos com as medidas de gestão adequadas, que funcionem realmente numa lógica de rede ecológica, envolvendo investigadores e todos os utilizadores, no processo de decisão sobre estas áreas. Faltam menos de três anos para o fim do prazo autoimposto, e não se vislumbra capacidade para o cumprir.

Sobre os rios, por enquanto nada foi dito sobre as “veias do nosso planeta”, excetuando sobre o uso da água para fins agrícolas e de abastecimento público, no contexto da escassez hídrica a sul.

Avançar com a proteção em terra, no mar e dos nossos rios é fundamental para a nossa economia, mas o próximo governo precisa de investir já no Orçamento de Estado nessa proteção, ao invés de dar eco a anúncios anteriores que espelham ambição e vontade no cumprimento da meta 30×30, mas não se materializam em meios para um cumprimento efetivo da meta.