O Governo prepara-se para desdobrar o terceiro e o sexto escalões do IRS, numa medida que deverá abranger cerca de um milhão de famílias (ver notícia na página 7). É uma medida que qualquer Governo gosta de anunciar a duas semanas de um ato eleitoral, embora o seu impacto real nos bolsos dos portugueses – que só se fará sentir na altura dos reembolsos relativos ao IRS de 2022, a poucos meses das eleições legislativas de 2023 – seja ainda pouco claro.

O diabo costuma estar nos detalhes e será o que acontece neste caso. O terceiro escalão escalão é o que tem o maior número de contribuintes e estamos provavelmente a falar de “tostões” que serão “distribuídos por muita gente”, como disse há dias o fiscalista João Espanha. Porém, ainda que o impacto nas contas públicas não seja muito significativo, não podemos esquecer que o país está a sair da crise pandémica com uma dívida pública superior a 130% do PIB.

Como irá o Governo compensar essa descida da receita de IRS em alguns escalões? Com novas taxas e taxinhas? Ou o aumento da carga fiscal sobre quem tem mais rendimentos? Talvez através do englobamento no IRS dos rendimentos prediais e de capitais, pondo fim às tributações autónomas, como propõe o Bloco de Esquerda?

É justo que quem tem rendimentos superiores pague impostos mais elevados, mas aumentar ainda mais a carga fiscal sobre essas famílias –  acantonadas num novo “super escalão” máximo de IRS – poderia não uma boa notícia para a poupança e o investimento, que são essenciais para que se possa criar riqueza. Além disso, estas medidas não atingem os verdadeiros ricos, que têm à disposição instrumentos de planeamento fiscal que lhes permitem pagar menos IRS. Ao passo que os profissionais que trabalham por conta de outrem não têm escapatória.

O certo é que, após anos de austeridade disfarçada e zero incentivos ao aforro e ao investimento, seria bom poder reduzir a carga fiscal suportada pelos portugueses, que no ano passado atingiu um valor recorde de 34,8% do PIB. Por exemplo, revogando medidas supostamente temporárias do tempo de Vítor Gaspar e da troika, como a taxa adicional de solidariedade. Porém, tal apenas seria possível se o Estado – que este ano aumentou o número de funcionários públicos para o valor mais elevado de sempre – mudasse de vida, aproveitando as condições excecionais de financiamento e o poder de fogo da célebre bazuca para fazer as reformas necessárias.

 

Esta edição do Jornal Económico (JE) tem grafismo e conteúdos renovados, no âmbito de uma mudança de posicionamento que visa melhorar a experiência do leitor e chegar a novos públicos. Esta é apenas uma entre várias novidades que vamos apresentar este mês e que incluem uma nova marca, um site e uma app construídos de raiz e um reforço da nossa oferta de conteúdos digitais e audiovisuais. Porém, os valores e princípios que estão presentes desde a fundação do nosso jornal, há quase cinco anos – a 16 de setembro de 2016, para ser mais exato – permanecem os mesmos. O JE não mudou, transformou-se. E a si que nos lê e acompanha, obrigado pela confiança.