O Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) apresenta alterações no IRS que se vão traduzir num impacto positivo no rendimento disponível das famílias. Além do aumento do salário mínimo para 820 euros, destacam-se as alterações nos escalões de IRS: mantêm os nove escalões, que passam a estar atualizados em 3%, com uma descida das taxas marginais até ao 5.º escalão, beneficiando contribuintes até 27.146 euros e que assim vão pagar menos IRS.
Mesmo que as principais mudanças se verifiquem nos primeiros escalões, todos os contribuintes vão sentir um alívio fiscal. Na prática, haverá uma redução da taxa média, já que o IRS é um imposto progressivo. Contudo, o impacto só terá efeitos em 2025, uma vez que as alterações propostas se aplicam aos rendimentos de 2024.
Anabela Silva, fiscalista e partner da EY, destaca pela positiva a redução transversal do IRS, resultante da conjugação de três medidas: a atualização dos escalões do IRS, a redução das taxas marginais até ao 5º escalão de rendimentos e a atualização do mínimo de existência para 11.480 euros, patamar até ao qual os trabalhadores que recebam o salário mínimo, ficam isentos de pagar IRS.
É também aplaudido o reforço do IRS Jovem (ver Q&A). Para Anabela Silva, “apesar de ser discutível o facto de esta medida ser apenas focada nos jovens, caso a mesma produza efeitos, os benefícios superarão as desvantagens, nomeadamente a médio prazo”.
A especialista da EY frisa ainda que “Portugal está presentemente a enfrentar um enorme desafio para atrair e reter talento jovem qualificado, pois em muitos casos os jovens têm saído de Portugal após concluírem a sua formação universitária”.
Com as novas regras do IRS, as famílias portuguesas vão, assim, ficar com mais rendimento líquido no próximo ano. Juntam-se ainda mais deduções à coleta para ajudar a abater a fatura do imposto (ver Q&A).
Poupanças até 1.800 euros
A atualização dos escalões de IRS e a redução de taxas nos salários até 2.232 euros brutos, até ao 5.º escalão, vão gerar poupanças entre 176 e 1.807,75 euros, segundo as simulações feitas pela EY (ver págs. 6 e 7). O governo estima que o impacto total ascenda a 1.769 milhões de euros, mas, deste montante, só 1.327 milhões de euros têm impacto em 2024, porque há uma parte que só será sentida pelos contribuintes em 2025, no momento do acerto do imposto de 2024.
Já pela negativa, prossegue Anabela Silva, e apesar do alívio fiscal resultante destas medidas, sinalizado como positivo para as famílias portuguesas, “não se introduziram mudanças estruturais neste imposto”, continuando, diz, a hiperprogressividade para níveis comparativamente baixos de rendimento, uma elevada concentração da tributação numa reduzida parte dos contribuintes e taxas de tributação elevadas para o salário médio.
Nas alterações introduzidas na proposta do OE, Anabela Silva destaca a alteração da medida da isenção aplicável à participação nos lucros: passa a ter como limite o valor de uma remuneração fixa mensal, para além do limite de 5 vezes a retribuição mínima mensal garantida, e passa a exigir uma valorização nominal das remunerações fixas do universo de trabalhadores em 2024 de pelo menos 5% (ao invés da valorização nominal média), a redução das retenções na fonte para titulares de contrato de arrendamento para habitação permanente (ver texto ao lado), que não tinha sido inicialmente prevista na proposta, e a dedução de encargos com retribuição pela prestação de trabalho doméstico.
Trabalhadores de ‘startups’ com acesso a RNH
Anabela Silva sinaliza ainda a aprovação do fim do regime de Residentes Não Habituais (RNH) com o alargamento do regime transitório aplicável a RNH, bem como do âmbito das atividades que podem beneficiar do incentivo à investigação científica e à inovação.
O PS acabou, pois, por aprovar na especialidade uma proposta que alarga o âmbito dos postos de trabalho que podem beneficiar, durante 10 anos, de uma taxa de IRS de 20%, aplicada a rendimentos da categoria A e B, passando a ser acessível às pessoas que, não tendo sido residentes em Portugal nos cinco anos anteriores, se tornem cá fiscalmente residentes e ocupem postos de trabalho em startups. Foi ainda reforçado o regime transitório em 2024, incluindo quem comprove, até ao final deste ano, a intenção de trabalhar e viver em Portugal.
Para Anabela Silva, o regime dos RNH tem sido, desde a sua introdução, em 2009, um instrumento “bastante eficaz” para a competitividade fiscal internacional de Portugal e atração de talento e investimento estrangeiro, pelo que, diz, “tendo o Governo optado por determinar a sua cessação, impunha-se reforçar o regime transitório”. Com efeito, a fiscalista defende que este é um regime “particularmente sensível a eventuais mudanças legislativas, dado que se trata de um benefício de caráter temporário e condicionado, pelo que as alterações a este regime não podem ser aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respetivo, em tudo que os prejudique”.
Anabela Silva nota ainda que o regime implica uma “mudança substancial” na vida pessoal e familiar de quem exerce a opção de passar a residir em Portugal e usufruir do regime RNH. Por este motivo, esta especialista considera que foram “positivas” as medidas de alargamento do regime transitório, que permitem, em diversos casos, que se continue a aplicar o regime para contribuintes que se tornem residentes até 31 de dezembro de 2024, mediante um conjunto de condições.
Neste aspeto, frisa, “é, contudo, crucial que não se onere os contribuintes com uma elevada carga burocrática associada à aplicação do regime transitório”. E alerta que, em muitos casos, a AT está a propor inicialmente o indeferimento do regime dos RNH, a fim de analisar a priori o cumprimento dos requisitos, o que pode gerar atrasos na sua aplicação.
Relativamente ao alargamento das atividades do novo incentivo à investigação científica e à inovação, Anabela Silva considera “importante atender aos desafios que se deparam à economia portuguesa na atração de talento qualificado e investimento direto estrangeiro, o que implica que Portugal continua a precisar de um instrumento de competitividade fiscal internacional que seja atrativo”. Recorda que a versão inicial da Proposta do OE apresentava um caráter muito restritivo no que respeita às atividades abrangidas (carreiras de docentes de ensino superior e de investigação científica, postos de trabalho qualificados no âmbito dos benefícios contratuais ao investimento produtivo, e postos de trabalho de investigação e desenvolvimento, de pessoal com habilitações literárias mínimas de doutoramento). Realça, por isso, que “era fundamental alargar o leque de atividades abrangidas sob pena de o mesmo não aproveitar à generalidade das empresas que investem em Portugal”. Assim, conclui, o alargamento das atividades é positivo, mas mais uma vez é necessário assegurar a sua operacionalidade.
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