O Presidente da República devolveu ao Governo a proposta de regulamentação da gestação de substituição. Agora, a Associação Portuguesa de Fertilidade (APFertilidade) vem criticar a ação do Ministério da Saúde, dizendo que não teve em atenção as “fragilidades” do diploma e que os casais portugueses vão ficar sem resposta.
A organização lamenta a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, embora indique “não pela razão apresentada para o veto, mas porque o Ministério da Saúde não acautelou as fragilidades que o diploma apresentava, após os pareceres negativos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA)”.
Na sua declaração, publicada no site da Presidência, o Chefe de Estado sustenta que os pareceres das duas entidades “expressam frontal oposição à proposta de diploma em apreço, bem como a necessidade de clarificação de conceitos, e a alegada inexistência dos meios humanos e logísticos e desadequação das condições materiais e procedimentos que devem acompanhar os respetivos processos de substituição”.
Joana Freire, diretora executiva da APFertilidade, lamenta em comunicado “que, após seis anos sobre o chumbo do Tribunal Constitucional, e dois anos sobre o arrastar do processo de regulamentação, se entre em 2024 com uma lei longe de ter o suporte legal necessário para voltar a ser colocada em prática”.
Na opinião de Joana Freire, este recuo vem adensar o “já enorme desespero que este bloqueio vai causar entre os casais que dependem da maternidade de substituição para constituir família”.
Agora, esta devolução ao Governo (que está demissionário) significa que vai passar mais tempo. Assim, a associação prevê “mais um longo caminho até que um novo diploma seja concluído e submetido a apreciação do Presidente da República”.
“Se estes cidadãos ainda se agarravam à esperança de conseguir iniciar o seu processo em Portugal em breve, cai por terra essa possibilidade a curto prazo. Acreditamos que alguns destes casais desistam da gestação de substituição no seu país e outros procurem respostas no estrangeiro, segundo condições alheias à legislação nacional e à própria APFertilidade”, sustenta Joana Freire.
A responsável relembra, no mesmo comunicado, que as três propostas de regulamentação da gestação de substituição receberam “sempre pontos críticos que consideraram não ser ultrapassados a cada novo documento submetido ao seu parecer”.
O próprio Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida, responsável por receber as candidaturas dos casais e anunciar a decisão (autorização ou chumbo), considerou que a proposta governamental “não acautela eficientemente o interesse das partes e o superior interesse da criança e não previne potenciais conflitos, nem regula os mesmos caso venham a ocorrer”.
Por sua vez, lembra a diretora da APFertilidade, o Conselho Nacional de Ética criticou o facto de ser “eticamente censurável a demissão das obrigações do Estado de regular matérias que se relacionam com o Direito da Família”.
A organização vai ainda mais longe e diz ser “expectável o desconforto do Presidente da República em promulgar a proposta de regulamentação, dado que o documento final não foi submetido a nova apreciação por parte do CNPMA e do CNECV, que consideraram, até ao último documento a que tiveram acesso, que a regulamentação estava longe de ser equilibrada quanto aos direitos de todas as partes e pelo facto de não existirem condições mínimas para receber e analisar as candidaturas dos casais”.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, assegurou que as objeções de Marcelo Rebelo de Sousa à gestação de substituição vão ser estudadas. Além disso, Pizarro admitiu a possibilidade de voltar a apresentar o diploma ainda nesta legislatura, dada a complexidade que o tema comporta.
“É um tema de enorme complexidade porque se trata de reconhecer um direito, neste caso à maternidade de substituição, mas isso envolve temas jurídicos e constitucionais muito complexos”, afirmou o ministro, à margem da inauguração das novas instalações da urgência pediátrica da Unidade Local de Saúde São João, no Porto, durante o fim de semana.
Agora, e perante a devolução do diploma, o Governo vai estudar os vetos e “ver se ainda há condições para, nas atuais circunstâncias da legislatura, reapresentar o diploma ou se isso vai ter de ficar para o próximo Governo”.
“Vamos fazer essa análise com a devida ponderação e tentar perceber se há ou não condições para retomar o tema na atual legislatura ou se teremos que a deixar para a futura legislatura”, apontou Pizarro.
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