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Mira Amaral: “Não sou o pai dos CAE – Contratos de Aquisição de Energia – da EDP”

Em 10 anos os Custos de Interesse Económico Geral passaram de 500 milhões para 2.500 milhões de euros, disse Mira Amaral na Comissão Parlamentar de Inquérito às rendas excessivas da energia. O ex-ministro da indústria apontou as responsabilidades às rendas excessivas de energia aos Governos de Guterres e Sócrates.
  • Cristina Bernardo
4 Julho 2018, 18h44

Luís Mira Amaral, um dos principais críticos às rendas excessivas da EDP é o segundo especialista a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito aos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), as chamadas rendas excessivas aos produtores de eletricidade. O período abrangido nos inquéritos é 2004 a 2018.

Engenheiro eletrotécnico de formação, Luís Mira Amaral foi ministro Indústria e da Energia, entre 1987 e 1995, em governos liderados por Cavaco Silva, altura em que foram criados os CAE – Contratos de Aquisição de Energia (1993-1995) para as centrais privadas. Mira Amaral fez questão de reforçar que os CAE para as centrais da EDP foram criados em 1996, no Governo de Guterres.

Sendo um dos principais críticos dos CMEC, que, a partir de 1 de julho de 2007, substituíram os CAE pagos à EDP, Mira Amaral considera que os CAE serviram para atrair investidores, e que, em 2004, com a criação do mercado ibérico de eletricidade, o modelo por si criado foi desvirtuado, e aponta ainda o dedo ao investimento em produção em regime especial (PRE).

Sobre os CMECs disse que na sua opinião foram criados para “embelezar a noiva para a privatizar a EDP”.

Mira Amaral na altura em que era ministro arranjou uma figura para atrair investidores estrangeiros para produzirem energia em Portugal, e essa figura foram os CAE. “Escolheram-se as melhores propostas mediante concurso e os vencedores ficaram de investir nas centrais de produção de energia, poupando à EDP o investimento”, disse numa entrevista no ano passado o ex-ministro.

Mira Amaral, no seu discurso, lembrou o seu currículo para  realçar que veio da energia para a política e não o contrário “como outros”.

O especialista no setor diz que foi encontrado “um monstro eléctrico”.

“O excesso de capacidade eólica instalado em Portugal num contexto em que não se consegue vender a energia excedentária para a Europa e em que os espanhóis não precisam dela, conjugado com o regime político das tarifas “feed-in” gerou um autêntico monstro elétrico em Portugal em que 85% da energia produzida em Portugal não se rege pelos mecanismos de mercado quer de quantidade quer de preço oferecidos em função da procura!”

“É uma situação parecida à da Política Agrícola Comum em que os produtores produzem com preço garantido para os subsídios e não para o mercado”, disse Mira Amaral.

Na sua apresentação, Mira Amaral diz que esse “monstro elétrico” teve origem no governo de José Sócrates. “O desastre do sistema elétrico teve origem em 2007, quando o governo de José Sócrates, com Manuel Pinho como ministro, decidiu instalar 8.000 megawatt [MW] de potência eólica remunerada”.

História dos CAEs e evolução para os CMECs

“Comecei o processo de introdução das Novas Fontes de Energia Renovável (eólica e solar) com o DL 189/88 de 27 de maio, abrindo a produção elétrica ao sector privado, acabando assim com o monopólio da EDP na produção para estimular outros produtores, designadamente os NFER. Chamo-lhes novas fontes já tínhamos a hidroeletricidade como grande fonte renovável desde os tempos do Professor Ferreira Dias. Começaram comigo com as chamadas mini-hídricas (até 10 MW). O processo foi continuado com a biomassa, eólica e solar”.

“Portugal, que tem emissões de CO2 e consumos de energia per capita dos mais baixos da UE, tem sido vítima duma política excessiva e fundamentalista de penetração das renováveis intermitentes”, considerou Mira Amaral.

“No Governo Guterres lançaram então o Programa E4; agravou-se muito no Governo Sócrates que se esqueceu que já havia muita potência contratada através dos CAE e CMEC os quais asseguravam o pagamento dos custos fixos de centrais que passaram a trabalhar então em apoio às intermitentes, tendo começado a instalar capacidade eólica em duplicação a essa potência existente coberta pelos CAE e CMEC”, relata o ex-ministro da indústria. “Chegou-se a falar em 8.000 MW! Ficou-se pelo exagero dos 5.090 MW”, disse Mira Amaral.

Os CMECs surgem na sequência da criação do MIBEL e substituem os CAE de 1996. Mas Mira Amaral cita notícias que dão conta que em 10 anos a EDP recebeu mais 500 milhões do que receberia dos CAEs.

“Não sou o pai dos CAEs da EDP”, disse.

O desastre do atual sistema elétrico português teve então origem em 2007, quando o então governo de José Sócrates, com Manuel Pinho como Ministro da Economia, com a tutela da energia, decidiu instalar 8.000 MW de potência eólica intermitente remunerada por 15 a 20 anos com tarifas “feed-in” que  permitem aos produtores eólicos um preço garantido de cerca de 90 Euros/MWh (quer precisemos ou não dessa energia…) e dão-lhes prioridade absoluta no acesso à rede, e por isso as centrais convencionais que faziam a base do diagrama de cargas (hidráulicas e térmicas) viram a sua produção drasticamente diminuída, pois quando há vento estas deixam de ser utilizadas, ficando apenas de “backup” às eólicas para funcionarem quando não haja vento”, explica Mira Amaral que prometeu simplificar a complexidade técnica na sua apresentação aos deputados.

“Dos 8.000 MW de eólicas intermitentes, vieram-se efetivamente a instalar até agora cerca de 5.300 MW, número este que é muito superior aos 3.500 MW de potência de consumo em Portugal nas horas de vazio durante a noite”, disse. “Este excedente da potência eólica intermitente instalada, face ao consumo nas horas de vazio, dá bem a noção da enormidade do desastre estratégico que se criou, tanto mais que as escassas interligações elétricas Espanha/França, através dos Pirenéus, impedem, na prática, que quando há excedentes de eletricidade intermitente na Península Ibérica estes possam ser vendidos no Centro da Europa”, adiantou.

As máquinas eólicas são de capital intensivo (cerca de 1 milhão de euros por cada MW instalado), mas só podem ser utilizadas em 25% do tempo, ou seja, quando há vento e temos ainda o azar de o vento soprar em Portugal em contraciclo em relação ao ritmo dos consumos, explicou o especialista. Isto obriga, disse, a que haja centrais de bombagem (para armazenagem da eletricidade durante a noite quando há vento e não há consumo) e centrais clássicas, térmicas e hídricas (para produzirem eletricidade durante o dia quando há consumo, mas não há vento).

“As eólicas só funcionam com estas duas ‘muletas’, o que significa que para além do preço de venda à rede (90 euros/ MWh), as centrais eólicas têm, por causa destas “muletas” (as quais acarretam custos operacionais OPEX – e custos de capital – CAPEX), um custo total para os consumidores de aproximadamente 160 euros/ MWh”. Pelo facto de durante o dia poder não haver vento e termos que satisfazer o consumo, tal implica que temos que ter essa capacidade instalada adicional nas centrais convencionais. Tal explica que para uma potência de ponta de cerca de 8.500 MW nas horas de maior consumo tenhamos que ter uma capacidade instalada de geração de cerca de 19.800 MW com os consequentes e elevados custos de capital.

A rede portuguesa acomodava perfeitamente, em termos de geração de reserva e de capacidade de bombagem, uma potência eólica até cerca de 2.200 MW e a energia eólica justificava-se perfeitamente por três razões: a diversificação do mix energético e o aproveitamento dum recurso endógeno, o vento; a redução das importações e o CO2 evitado, defendeu. “Mas a partir daí pode-se dizer que cada MW de eólica a instalar implica um MW térmico adicional e um MW a mais de bombagem. Neste contexto novas centrais hidráulicas a serem instaladas em Portugal são centrais de bombagem (e não centrais de fio de água que vão turbinando a água e produzindo eletricidade à medida que ele passa no rio onde estão instaladas) destinadas a acumular o excesso eólico produzido durante a noite e não vão produzir energia nova”, disse.

Por outro lado, “muitas vezes o excesso noturno de produção de eletricidade pelas eólicas, leva a que se exporte para Espanha a preço próximo de zero em complemento da armazenagem nas centrais de bombagem. Os espanhóis também incorreram nesses excessos eólicos pelo que estão a receber uma mercadoria de que não necessitam e por isso o fraco valor económica dessa nossa venda a Espanha”, referiu.

A diferença entre os tais 90 euros/MWh garantidos aos produtores e o preço de venda a Espanha é pago pelos clientes nos tais CIEG (Custos de Interesse Económico Geral) – onde cabem os custos incluindo os CMEC. “Assim aquilo que na fatura de eletricidade aparece como preço da energia é apenas uma parte do que pagamos pelo sobrecusto das eólicas sendo muito importante o que também pagamos e que vem nos CIEG. São as tais taxas e taxinhas que oneram extraordinariamente a fatura!”, rematou.

“A potência instalada tem subido enquanto que os consumos se mantêm estagnados, a utilização média da potência instalada em queda, quanto mais Potência no sistema, maior a queda será”, disse. O ex-ministro disse ainda que há uma brutal capacidade instalada ociosa e brutais custos de capital a serem pagos pelo consumidor.

Em 10 anos os Custos de Interesse Económico Geral passaram de 500 milhões para 2.500 milhões

“Em 10 anos os CIEG – Custos de Interesse Económico Geral (custos que aparecem na fatura) passaram de 500 milhões de euros para 2.500 milhões de euros com o consumo estagnado”.

Mira Amaral falou ainda da dívida tarifária que chegou aos 5 mil milhões de euros.  “A Alemanha e a Dinamarca têm aparentemente a eletricidade mais cara porque não criaram défices tarifários, repercutindo no preço final os sobrecustos das renováveis intermitentes. Portugal criou os défices tarifários para não repercutir imediatamente nas tarifas esses sobrecustos, criando divida tarifária que irá ser paga pelos consumidores nos anos futuros através da amortização dessa dívida”, disse.

Por isso, os nossos preços finais pagos pelos consumidores, se bem que dos mais elevados da Europa, aparecem artificialmente baixos quando comparados com os preços na Alemanha e Dinamarca, explicou.

“Para as famílias, em termos de paridade de poder de compra, são os mais elevados da UE a 28, o que diz bem do tremendo fardo para as famílias da fatura elétrica”, disse.

O contributo das Fontes de Energia Renovável no Consumo Final Bruto de Energia em 2020 na UE 28 é de 20% e em Portugal é de 31%. “Em 2030 (segundo o Renewable Energy Prospects for the EU), as centrais a carvão funcionarão na UE a 28 com um fator de utilização médio à volta de 50% e Portugal terá abandonado o carvão, sem a Espanha o ter feito”, disse na sua apresentação aos deputados.

Mira Amaral vaticina que “as centrais de ciclo combinado funcionarão na UE a 28 com um fator de utilização médio de 39%, em Espanha com 31% e em Portugal com 2%”.

O especialista no setor energético debruçou-se depois no que chamou de “privilégio eólico”.

“Em fevereiro de 2013, como contrapartida de um desconto de 2,5% até 2020 sobre as tarifas atuais (2,4 euros/MWh), foi atribuído às eólicas um prazo de proteção duma confortável tarifa mínima de 74 euros/MWh por 7 anos (algumas até 2033) após o fim da tarifa política garantida e consequente mudança para preços de mercado. O que perderam com o pequeno desconto foi mais do que compensado com o que arrecadarão com um nível de garantia muito acima dos preços internacionais”, disse.

Mira Amaral diz que “numas contas simples e sem calcular valores atuais, estimando um preço médio no mercado grossista de 44 euros/MWh, a margem auferida logo no primeiro ano de garantia 30 (74-44) euros/MWh é superior ao que perdem com o desconto durante oito anos 2.4 x 8 euros/MWh, o que é igual a 19,2 euros/MWh”.

A capacidade eólica abrangida é de cerca de 4.000 MW. “Na minha opinião isto devia ser revertido”, defendeu.

“Os produtores eólicos ganharam nos últimos três anos mais mil milhões de euros do que receberiam em Espanha, mas face à ameaça de baixa das tarifas logo aparece o choradinho de risco de falência ou de afastamento de investimento estrangeiro”, disse Mira Amaral que recordou que em outubro de 2013 “o Ministro Moreira da Silva justifica a exclusão dessas renováveis da Contribuição Especial sobre o Setor Energético porque “foram recentemente objeto de relevantes medidas de redução de custos”.

Mira Amaral lembrou os deputados o então Secretário de Estado da Energia Henrique Gomes que “propôs, face ao crescente desequilíbrio financeiro do sistema elétrico e antes da última fase de privatização da EDP, uma contribuição sobre as rendas excessivas para a geração que delas beneficiava. Mas que foi vetado”.

“Depois ainda nesse governo fez-se um pequeno ajuste nos CMEC da EDP e taxaram-se rendas da EDP, a cogeração das empresas industriais, as refinarias da GALP que produzem um bem transacionável logo sem rendas excessivas, e os ativos da REN que têm rendas reguladas e não excessivas”, enumerou o ex-ministro.

“O atual governo recebeu assim uma situação em que empresas de energia, a cogeração e a banca e os reformados tinham levado com uma contribuição especial mas em que tinha sido poupada a energia eólica! O Grupo de Trabalho PS-BE previu então essa contribuição sobre a eólica, que foi aprovada na Assembleia da República com a concordância do PS. No dia seguinte tal foi revertido”, realçou.”Segundo estimativa desse Grupo nós pagamos a mais 500 milhões de euros/ano pela eólica em relação ao preço que ela tem em Espanha”, lembrou.

 

 

 

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