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O modelo de luxo da Autoeuropa: as relações laborais

Unidade alemã assinala 25 anos em Portugal. Fábrica foi revolucionária na forma como trabalhadores e administração negoceiam.
9 Dezembro 2016, 06h34

Pedro Capela tem 41 anos, metade dos quais a trabalhar na Autoeuropa, na área de carroçarias. Há duas décadas que percorre 100 quilómetros para ir e vir da fábrica da Volkswagen, em Palmela, mas não tem despesas de transporte. A empresa vai buscá-lo e levá-lo a casa numa das 30 carrinhas disponíveis para o efeito.

O benefício faz parte de um acordo entre a comissão de trabalhadores e a administração. O mesmo instrumento que permite que Pedro e os quase 3.600 trabalhadores da Autoeuropa tenham 25 dias úteis de férias por ano e mais 22 down days – dias de paragem, pagos, concedidos como contrapartida de um congelamento salarial, de maior flexibilidade, e como forma de evitar despedimentos.

É assim a dinâmica laboral na Autoeuropa, fábrica que representa o maior investimento estrangeiro feito em Portugal e que comemora esta sexta-feira o 25º aniversário. A data é assinalada com uma visita à fábrica da Volkswagen do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro, António Costa, e mais três membros do Governo. Não é para menos. A importância da Autoeuropa para a economia portuguesa é conhecida: o impacto no PIB é de 1% e nas exportações nacionais atinge 4%.

A crise económica e as sucessivas quedas na produção automóvel obrigaram, ao longo dos anos, a adaptações e reorganizações na estrutura laboral da fábrica, com difíceis negociações entre a comissão de trabalhadores e a administração da empresa. Mas foi possível evitar despedimentos coletivos e manter a fábrica da Volkswagen em Portugal. Os bons resultados da negociação, com 22 acordos assinados em 25 anos, fazem com que a Autoeuropa seja vista como um exemplo único na negociação coletiva ao nível da empresa, onde os trabalhadores aceitam uma maior flexibilidade, praticamente sem conflitualidade.

Qual é o segredo? O diálogo permanente, diz o coordenador da comissão de trabalhadores, António Chora. “As portas da hierarquia estão sempre abertas, nas melhores e nas piores situações”, conta ao Jornal Económico. Há um envolvimento constante da comissão de trabalhadores com os funcionários da empresa e a última palavra sobre os acordos é sempre deles. Os acordos laborais são discutidos e decididos pelos trabalhadores, por voto secreto. “Se algo correr menos bem, a comissão de trabalhadores e a administração voltam a analisar as questões e encontram soluções”, explica António Chora.

Apesar de a empresa estar vinculada ao contrato coletivo do setor automóvel, os acordos internos prevalecem e existem na empresa desde a sua fundação. O mais inovador foi assinado em 2003, quando houve uma quebra na produção em dois anos na ordem das 60 mil unidades. O acordo serviu para impedir o despedimento de cerca de 800 trabalhadores e a perda do subsídio de turno para os restantes. O aumento salarial que estava a ser exigido pela comissão de trabalhadores (superior a 3%) foi convertido em 22 dias vitalícios de paragem de produção – os down days. Quando há baixa produção, a empresa para. As interrupções são marcadas preferencialmente junto a fins de semana, feriados ou folgas, mas também podem abranger semanas completas.

Quando as paragens da fábrica ultrapassam os 22 dias por ano – o que é comum –, os trabalhadores da Autoeuropa ficam a dever à casa. “Já houve situações de mais de 50 dias negativos”, conta António Chora. Depois, quando há um pico de produção – o que deverá acontecer no próximo ano, quando o novo SUV da Volkswagen começar a ser fabricado em Palmela –, os trabalhadores têm de compensar os dias em falta, mesmo que isso implique trabalhar aos sábados.

Pedro Capela, que esta semana ficou em casa ao abrigo dos down days, por terem reduzido a atividade da fábrica a um turno, aproveita o tempo disponível que tem com o filho pequeno. O trabalhador considera que “há coisas boas e menos boas” na organização da empresa mas o balanço é positivo. “Há alturas em que trabalhamos muito e é bastante duro, sobretudo em algumas secções. Mas, no final, acho que saímos todos a ganhar, empresa e trabalhadores”, reconhece.

Os acordos mais difíceis de alcançar foram os três últimos, considera o coordenador da comissão de trabalhadores. Mas as questões foram ultrapassadas sobretudo “com a solidariedade de outras fábricas no estrangeiro e o voluntariado e flexibilidade dos trabalhadores portugueses”, diz António Chora.

A ausência de greves é outra das marcas da Autoeuropa. Segundo António Chora, a fábrica apenas parou com as greves gerais de 2003 e de 2009 contra as alterações ao Código do Trabalho. Nesse ano, em plena crise mundial, a empresa viveu momentos de incerteza, com dúvidas sobre a sua manutenção em Portugal. O número de encomendas desceu a pique e a empresa propôs então à comissão de trabalhadores um pré-acordo que implicava maior flexibilidade. Os trabalhadores chumbaram a proposta por recearem a perda de direitos adquiridos e o impasse das negociações gerou preocupações no Governo de Sócrates, com notícias de uma possível deslocalização da fábrica. Mas, mais uma vez, a questão foi ultrapassada, com um novo ciclo de esperança para a fábrica de Palmela: a casa-mãe, na Alemanha, anunciava que a nova geração do Sharan iria ser produzida em Portugal, juntando-se assim ao Scirocco, modelo fabricado em Palmela desde 2008.

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