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Moody’s desvaloriza impacto de eventual saída de Centeno

O perfil de crédito de um país como Portugal “não depende de personalidades”, nem de entradas ou saídas do Governo, mas sim das políticas e dos resultados, afirmou a vice-presidente do grupo de risco soberano da agência de notação.
14 Fevereiro 2020, 09h42

O Orçamento do Estado para 2020, aprovado no Parlamento na semana passada, é de “continuidade”, segundo a classificação do primeiro-ministro, António Costa. No rescaldo dessa aprovação, a continuidade (ou não) do principal responsável pelo documento, Mário Centeno, no cargo de ministro das Finanças tem sido tema de análise alargada. Vários observadores questionam se um alegado distanciamento entre Costa e Centeno não irá em breve levar o ministro a sair do Governo, possivelmente para suceder a Carlos Costa no Banco de Portugal.

Mário Centeno disse que o “até quando”, especialmente na política, é um exercício de adivinhação a que ninguém se devia dedicar. No entanto, e dado que o ministro tem sido o ‘Cristiano Ronaldo’ da reviravolta das finanças públicas, não poderá a sua eventual saída do plantel governativo afetar o perfil de risco de Portugal?

“O perfil de crédito de um país não depende de personalidades”. afirmou Sarah Carlson, senior vice-president do Sovereign Risk Group da agência de notação Moody’s, questionada sobre o impacto de uma eventual saída de Centeno no rating nacional.

Em entrevista ao Jornal Económico, à margem de uma conferência anual da agência em Lisboa, Carlson sublinhou que “para um país que tem instituições fortes, como vemos no caso de Portugal, as entradas ou saídas de indivíduos do Governo não é algo que deverá afectar o perfil”.
“Importantes, na realidade, são as políticas que quem está no cargo apresenta e os resultados dessas medidas”, sublinhou.

Excedente é “claramente positivo” para a notação
Em relação às metas apresentadas por Mário Centeno no Orçamento, Carlson disse que “são melhorias pequenas”, salientando que a Moody’s também vê como provável um excedente orçamental, mas de 0,1% do Produto Interno Bruto, o que compara com a projeção oficial de 0,2%.
“Será o primeiro excedente desde o fim da ditadura, portanto é claramente um ‘positivo’ para o perfil de crédito”, referiu.

A Moody’s tem a notação da dívida soberana portuguesa em Baa3, com perspetiva positiva, ou seja, no primeiro patamar de grau de investimento. Essa notação está, no entanto, um nível abaixo dos ratings atribuídos pela Standard & Poor’s e pela Fitch, de BBB.

Após ter melhorado a perspetiva em agosto do ano passado, a Moody’s surpreendeu os analistas este janeiro ao manter inalterada a notação e nem publicou um relatório de avaliação. Questionada sobre o que terá de acontecer para Portugal conseguir um upgrade em julho, altura da próxima avaliação, Carlson explicou que terá de haver continuidade na melhoria de vários aspectos.

“Vamos estar atentos a eventuais melhorias no setor bancário, a observar as tendências orçamentais e especialmente a analisar a evolução do alívio do peso da dívida, que é um dos maiores no universo de 142 soberanos que avaliamos”, explicou Sarah Carlson.

Na apresentação que fez na conferência, Carlson classificou o peso da dívida como “o desafio número 1” do país.
Explicou que quando a Moody’s analisa o risco de crédito de soberanos conduz stress tests, para avaliar o impacto na descida da dívida no caso de choques externos nas áreas do crescimento, política orçamental, taxas de juro, câmbio ou uma combinação destes fatores.

“E o que vemos é que em todos estes cenários, à exceção do mais duro, o choque combinado, o peso da dívida continua a cair”, sublinhou. “No caso de um choque ao crescimento, o rácio da dívida cai de forma algo mais lenta do que anteriormente, mas continua a cair, e mesmo no cenário de choque combinado, a dívida fica mais ou menos onde está”.

Atrasos nos pagamento do Estado ao setor da saúde é risco
A banca continua a ser uma potencial fonte de event risk, adiantou a responsável, apesar de melhorias recentes no setor.
“Éum risco que tem vindo a atenuar em termos do peso e da pressão negativa que coloca sobre o rating da República”, explicou.

“Continua a ser um sistema bastante fraco, mas é um sistema fraco que tem passado por um processo de recuperação e antecipamos que esse processo continue”, disse.
Do lado dos riscos que poderão travar a tendência de upgrades de notação dos últimos anos, Carlson destacou ainda os atrasos nos pagamentos do Estado ao setor da saúde.

“É um risco e não impacta somente a qualidade das finanças públicas, mas é também uma questão institucional sobre o planeamento orçamental”, referiu.
Ainda no tema da saúde, a Moody’s acredita que a longo prazo Portugal irá ser um dos países na Europa com o maior aumento de despesa em cuidados médicos, ficando apenas atrás de Malta numa projeção que vai até 2070.

“Éum tema muito complexo. A demografia é uma parte importante, mas também a forma como a despesa relacionada com a saúde é estruturada e como as instituições estão organizadas para controlar essa despesa”, frisou Carlson.

A agência de notação criticou ainda a “crescente rigidez” dos orçamentos de Portugal. “No caso de se materializar um risco que ainda não tenha sido identificado, uma estrutura mais rígida da despesa torna o ajustamento mais difícil”, explicou.

“É menos flexibilidade, pois é mais fácil ou mais difícil cortar em áreas diferentes da despesa, no caso de o Governo precisar de recursos para outras coisas”, disse.

Política do BCE não é solução
Oprolongar da política monetária acomodatícia do Banco Central Europeu (BCE) traz benefícios a curto prazo, mas também acarreta problemas, segundo Carlson.
“O ambiente atual da política monetária estimula o consumo privado e o investimento, permitindo aos governos substituir dívida cara por dívida mais barata”.

“Mas isso também remove pressão do mercado”, alertou. “Um período de taxas de juro baixas e política monetária acomodatícia não é, portanto, uma solução para os desafios de crédito na Europa, é algo que oferece tempo aos governos”.
Segundo Carlson, o mais importante é ver como esse tempo é usado e como continuará a ser usado caso o ambiente atual seja prolongado.

A Moody’s não prevê que a economia da zona euro entre em recessão este ano e projeta uma expansão económica de 1,2%. Alerta, no entanto, que o outlook é negativo, principalmente devido a riscos globais como a incerteza sobre a guerra comercial, tensões geopolíticas e uma economia mundial em desaceleração.
Para Portugal, a agência projeta crescimento económico de 1,5% este ano, mais pessimista do que os 1,9% previstos no Orçamento do Estado.

“Portugal é um país no qual a convergência de rendimentos ainda está a acontecer e as perspetivas de crescimento são moderadas, dado onde está em relação aos vizinhos em termos de níveis de rendimentos”, sublinhou Sarah Carlson.
Questionada se o BCEnão poderá ter já utilizado as ‘balas’ de política monetária que poderiam ser disparadas quando a recessão chegar, a responsável respondeu: “Eu não poria as coisas dessa forma”.
Recordou, contudo, que a visão da Moody’s é que a capacidade da política monetária para reagir no caso de uma futura crise está limitada, tendo em conta os níveis nos quais as taxas de juro estão neste momento.

“É só olharmos para onde elas [as taxas de juro] estavam no início da crise financeira global e vermos que o poder de fogo que tínhamos na altura e o que temos agora é muito diferente,”frisou.
Outro constrangimento é o facto de o endividamento a nível global estar muito mais elevado agora.
“Não esperamos nada da mesma magnitude da crise anterior, mas dois legados da crise são o maior fardo da dívida pública e o período prolongado de taxas de juros muito baixas, duas coisas que reduzem a flexibilidade que os decisores têm para reagir no caso de um choque negativo,” concluiu.

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