Como definir os conflitos e personagens de David Lynch senão como terrivelmente bons, terrivelmente maus e terrivelmente humanos? É assim que nos tocam, que nos perturbam, que se aninham na memória.
Comecemos pelo início. David Keith Lynch nasceu a 20 de janeiro de 1946, no estado de Montana, nos EUA, numa pequena cidade que, mais tarde, irá retratar em muitos dos seus filmes. Começou por frequentar a Corcoran School of Arte, em Washington, e, mais tarde, nos idos de 1963. Seguiu-se a Pennsylvania Academy of Fine Arts de Filadélfia.
O seu primeiro filme “Eraserhead” (1977), no qual trabalhou obsessivamente durante cinco anos, é o resultado surreal dos medos e ansiedades da paternidade – Lynch casou e foi pai antes dos 21 anos, e reza a história de que não estaria preparado para tal. Se esses medos foram ou não ultrapassados não sabemos. O que ficou para a história – e se tornou objeto de culto – foi “Eraserhead”, filme que catapultou Lynch para a fama enquanto realizador da vanguarda americana.
Este delírio surreal também ajudou a inscrever outro detalhe relevante na carreira do realizador e argumentista norte-americano, i.e., reuniu a equipa de atores e técnicos que acompanhariam Lynch durante os seus futuros projetos.
Na senda do sucesso de “Eraserhead”, surge o desafio de Mel Brooks, de realizar “The Elephant Man” (O Homem Elefante, 1980), assumindo ele a produção. Foi filmado a preto e branco, com uma grande sensibilidade, e conta a história de um homem deformado que viveu na Inglaterra do século XIX. No elenco, figuravam nomes como John Hurt, Anthony Hopkins e Anne Bancroft. Foi um sucesso e chegou a ser nomeado aos Óscares.
A incursa na ficção científica, “Dune” (1984), foi um desastre comercial, mas o realizador redimiu-se com “Blue Velvet” (Veludo Azul, 1986), o seu trabalho mais pessoal e original até à data. Nele participaram atores como Kyle MacLachlan, Isabella Rossellini e Dennis Hopper. O filme valeu a Lynch outra nomeação para os Óscares da Academia. Seguiu-se um novo marco na sua carreira, desta feita na televisão, com a série “Twin Peaks” (1990), que pôs meio mundo a questionar-se sobre “quem matou Laura Palmer”.
O trabalho seguinte, “Wild at Heart” (Coração Selvagem, 1990), com Laura Dern e Nicolas Cage nos principais papeis, arrecadou a Palma de Ouro do Festival de Cannes. O ‘fenómeno Lynch’ parecia imparável e a revista Time imortalizou-o numa capa.
Os holofotes voltariam a apontar ao realizador com “Lost Highway” (Estrada Perdida, 1997), um filme enigmático e experimental, e com o inesperado e desconcertante “The Straight Story” (Uma História Simples, 1999), de uma sensibilidade extrema, nos antípodas a que o realizador habituara o seu público mais fiel. Seguiu-se o extraordinário “Mulholland Drive” (2001), protagonizado por Naomi Watts, que valeu a Lynch mais uma nomeação para o Óscar de Melhor Realizador. Filme que The New York Times definiu como “um venenoso cartão de visita para Hollywood”.
Em 2006, assinaria a sua derradeira longa-metragem, “Inland Empire”. Mas será em 2022, com “The Fabelmans”, de Steven Spielberg, que David Lynch fez a sua derradeira aparição no cinema, aqui como ator, assumindo o papel de John Ford, o realizador de “A Desaparecida” e “O Homem Tranquilo”.
David Lynch morreu esta quinta-feira, tinha 78 anos. Fica a obra, o vanguardismo e todos os sonhos e medos que o habitaram.
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