Ou, como diz o adágio, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Aliás, desde o século XVI que aprendemos, com Luís de Camões, que Todo o mundo é composto de mudança”. O que é certamente diferente neste nosso tempo é que, a uma certa capacidade de previsão da mudança, e, até, a alguma possibilidade de conformação e condução da mudança, sucede esta nossa época que parece querer dar lugar a uma outra com uma configuração que ninguém consegue antecipar.

Quem será capaz de descrever o mundo, ou o Portugal, em que viveremos dentro de três ou quatro anos?

Vivemos confrontados, pela primeira vez em quase um século, com uma guerra na Europa. Guerra sem fim à vista, sem vencedor pré-determinado e, sobretudo, sem um modelo antecipável para o pós-guerra.

Simultaneamente o médio oriente vive um confronto militar, de elevada e invulgar intensidade, entre povos, culturas e religiões, também ele sem fim à vista.

Confrontos, sem termo previsível, mas com consequências que já se vislumbram. O ressurgimento de ódios ancestrais e da vontade de vingança, a par do crescimento da pobreza e do radicalismo, sendo que todas estas consequências se prolongarão por gerações.

Situação que assume uma dimensão planetária se lhe juntarmos: a imprevisibilidade dos resultados das eleições presidenciais americanas, leia-se, o risco Donald Trump; a nova aliança global entre “não democracias” corporizada na “refundação” dos BRICS; fenómenos localizados como o da eleição, na Argentina, de um candidato que parecia ter uma motosserra como programa político; ou as próximas eleições europeias, onde, em vários países, se antecipam vitórias de partidos de extrema-direita.

Se a tudo isto adicionarmos a questão, nunca adequada e convincentemente esclarecida, de eleições condicionadas por trolls comandados por potências inimigas da democracia, claro se torna que ninguém poderá prever para onde caminhamos.

Imprevisibilidade que parece ter hoje, também em Portugal, uma dimensão inabitual.

O regime, tal como o conhecemos há meio século, parece estar a um passo de terminar, tornando-se mais policromático, mais conservador e com níveis de contestação até agora desconhecidos. Donde que mais instável, a necessitar de maior concertação, de maior tolerância, de mais política. A necessitar de dar mais protagonismo ao que se faz do que a quem faz.

Simultaneamente, e em simultâneo, alguns dos pilares essenciais ao desempenho das funções de soberania entraram numa crise inédita, pelo menos para os portugueses com menos de 50 anos.

O sistema judiciário parece dominado, pelo menos para o cidadão comum, por um confronto entre procuradores e juízes. Confronto que coloca em crise não só os procedimentos em curso, como as decisões que, tomadas por outros, no passado, ainda não conheceram caso julgado. Este é um caminho que, a manter-se, pode vir a colocar em causa a essencial certeza e segurança jurídica.

Também as forças de segurança iniciaram um processo de contestação que, parece, terá ficado no limiar da insubordinação, condicionando, de forma desusada, quaisquer decisões governamentais. Se a segurança efectiva no país parece não estar em causa, já a essencial percepção de segurança pela comunidade não pode deixar de estar afectada.

Ainda no que à defesa nacional respeita, assistimos a um deficit de recursos que certamente dificulta a salvaguarda da soberania vis a vis as nossas obrigações e a salvaguarda da nossa extensa zona económica exclusiva. Passámos, em meio século, de um “país em armas” que afectava à defesa 7,4% do PIB, para um país quase sem forças armadas, afectando à defesa 1,4% do PIB.

Na clássica opção, ensinada por Paul Samuelson, entre produzir canhões ou manteiga, teremos optado pela manteiga. Ponto é saber até quando vamos poder manter esta opção. Preocupante é que, tendo tomado esta opção, ainda hoje 4,4 milhões de portugueses só acedem à manteiga, e pouca, com a ajuda de apoios públicos. Mas, este é um assunto para outro momento.

Temos muitos e difíceis desafios. Desafios difíceis de vencer em qualquer época, sendo-o ainda mais quando vivemos uma “mudança de época”. Tempos desafiantes se aproximam.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.