O setor dos transportes está a ser confrontado com as maiores transformações de que há memória. São aguardadas grandes alterações ao nível das ofertas de serviços nos modos ferroviário e rodoviário. Para os serviços rodoviários aguarda-se o lançamento de novos concursos de concessão por parte das autoridades metropolitanas, por autarquias e por comunidades intermunicipais. Como o papel da tutela governamental cedeu protagonismo às autoridades metropolitanas e aos municípios, o Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE) – que é o mais próximo da atividade operacional dos serviços de transportes de passageiros – remete-se praticamente à função de financiador dos programas de formação profissional a que as empresas de transportes precisem de recorrer. Ou seja, o MATE deixa de ser o responsável que tutela sectorialmente as empresas de transporte rodoviário, para ser a entidade governamental que capacita tecnicamente os profissionais que trabalham nas rodoviárias.
Assim, são as autoridades metropolitanas e os municípios que vão gerir diretamente os concursos publicos para as concessões de transportes rodoviários de passageiros. No sector ferroviário também se aguardam grandes mudanças por via da liberalização do transporte de passageiros, embora disponha de um período de transição para a liberalização até março de 2020. Independentemente dessa fase de transição, há alterações que poderão ser sentidas nas opereções de transporte ferroviário internacionais, que asseguram ligações entre a Galiza e o Norte de Portugal.
Mas as mudanças abrangem outros modos e sistemas de transporte. Foi o que tem vindo a acontecer gradualmente na mobilidade urbana, mas onde a oferta de soluções de tranporte individuais e partilhadas continua a mudar muito depressa. Nas cidades há cada vez um maior número de soluções dos transportes ditos “suaves” – a também designada “micromobilidade” – compostas pelas redes de trotinetes e pelas bicicletas elétricas.
Recentemente, surgiu igualmente o serviço de motos elétricas partilhadas, da Acciona, equiparáveis às motos tradicionais com motores de 125 centímetros cúbicos, que também podem circular nas vias rápidas – uma solução que foi apresentada esta semana em Lisboa, colocando neste mercado da “mobilidade partilhada” uma frota inicial de 300 unidades exclusivamente elétricas, que exigem a carga das respetivas baterias. Estas motos elétricas são faturadas em função do tempo de utilização, através de um software carregado nos smartphones – do site da Acciona Motosharing, que permite descarregar a respetiva App.
É no domínio da mobilidade partilhada que se encontram as propostas feitas pelos gestores de frotas de veículos automóveis – que são as mais testadas e têm vindo a conquistar mercado, sobretudo em Lisboa. Trata-se das plataformas de carsharing, em que as mais antigas são a “Citydrive” e a “Booking Drive”. Também a parceria entre a BMW e a rent-a-car Sixt SE (com mais de 200 veículos em operação), designada “DriveNow”, tem vindo a destacar-se neste segmento. Há igualmente a “Emov”, especializada no nicho dos veículos elétricos partilhados. E a “24/7 City”, empresa de carsharing promovida pela rent-a-car Hertz, que arrancou em Lisboa e já está disponível também em Cascais. Ainda há outros operadores, como a brasileira Parpe que oferece várias soluções de renting. Todas estas propostas são acessíveis através de Apps instaladas no smartphone.
Grande mudança nos comboios.
A mudança de paradigma na mobilidade está a chegar ao modo ferroviário, onde a liberalização abrange agora o segmento do transporte de passageiros. Tudo indica que o gigante estatal alemão Deutsche Bahn, através da sua participada Arriva – parceira do Grupo Barraqueiro em Portugal – pretenda avançar com um serviço ferroviário de passageiros entre a Corunha e o Porto. Fontes do sector ferroviário admitem que o projeto poderá ser aumentado, se for incluída também a “extensão” Porto-Lisboa. Ao nível das 28 autarquias que defendem os interesses do Norte, integrando municípios galegos e portugueses, a ligação ferroviária entre a capital portuguesa e a Corunha é aguardada “positivamente”.
Do lado galego, o regulador espanhol – a CNMC – Comissão Nacional de Mercados e Concorrência já foi recetiva à proposta da Arriva vir a concorrer com o serviço ferroviário internacional da Renfe e da CP que assegura o comboio da Corunha ao Porto.
Os espanhóis não colocaram objeção ao serviço da Arriva, nem alegaram que o equilíbrio económico e financeiro do serviço de passageiros da Renfe pudesse ser afetado significativamente com a entrada do novo serviço concorrente da Arriva. Ou seja: a questão foi entendida favoravelmente pelo regulador espanhol porque serão introduzidas novas frequências (mais comboios disponíveis para assegurar a ligação Porto-Corunha em diferentes horários), o que também terá consequências nas ligações rodoviárias capilares que levam os passageiros dos comboios até aos destinos finais. No entanto, assim que a intenção da Arriva foi conhecida no mercado espanhol, a Renfe não ficou indiferente, alegando que o novo serviço concorrente da Arriva provocaria uma perda de passageiros e uma redução de receitas. Mas o regulador espanhol não ficou muito preocupado com os comentários negativos da Renfe.
É inegável que a própria entrada em operação dos comboios da Arriva obrigará os serviços da CP e da Renfe a aumentarem o nível de qualidade das respetivas operações e a modernizarem o material circulante com que operam. Diversas vezes os serviços ferroviários da CP e da Renfe têm sido objeto de contestação por parte dos clientes habituais e da população em geral. A própria CP reconheceu a necessidade de adquirir novas composições, aguardando o resultado de concursos para compra de novos comboios – o que poderá ocorrer só depois de 2022.
No caso da ligação Corunha-Porto (Campanhã), com 342 quilómetros, terá um tempo de viagem de 2h45. O serviço internacional existente do comboio Celta (CP/Renfe) assegura, em 2h15, o trajeto de 175 quilómetros entre Porto e Vigo e funciona desde 2013 com o bilhete a custar 14,75 euros. Quando o comboio da Arriva entrar em funcionamento, também é previsível que o serviço do comboio Celta melhore. “Será uma inevitabilidade”, comenta uma fonte do sector, conhecedora da operação internacional conjunta CP/Renfe. l
Para gerir a nova fase da vida ferroviária da Arriva no mercado ibérico foi contratado José Pires da Fonseca, um histórico do sector ferroviário, responsável por ter lançado a operação privada portuguesa de transporte de carga da Takargo Rail. Esteve ligado a grandes operadores internacionais do mundo dos transportes (a Veolia Transdev) e organizou uma das maiores operações ferroviárias de carga em Moçambique para o gigante mineiro Rio Tinto, tendo assumido depois o cargo de CEO da Thai Moçambique Logística, detida em 60% pela Italthai Development Company, sediada em Banguecoque, com o restante capital repartido pela Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique e pela empresa privada moçambicana Codiza. Pires da Fonseca teve a seu cargo a construção da linha férrea com 537 quilómetros entre Moatize, na província moçambicana de Tete, e Macuse, na província da Zambézia, que inclui um terminal de carvão e a capacidade de transporte ferroviário de 25 milhões de toneladas de carvão por ano. Este investimento inicial moçambicano liderado por Pires da Fonseca ascendeu a 4,5 mil milhões de dólares.
No sector ferroviário ninguém subvaloriza Pires da Fonseca. “Se vem para a Arriva, dificilmente ficará a gerir o comboio Corunha-Porto”, comenta um especialista do sector. Por isso, há novas perspetivas da Arriva poder assumir um papel mais relevante no mercado liberalizado dos transportes em Portugal e Espanha.
O Jornal Económico não obteve resposta aos contactos feitos junto de Pires da Fonseca, que ainda não tomou posse formal do novo cargo na Arriva.
Depois de ter permanecido muitas décadas estagnado, o mercado ferroviário surge agora em novos cenários idealizados por operadores estrangeiros. “É natural que os incumbentes ibéricos, a Renfe e a CP, tentem acordos e parcerias entre si, com novas propostas de serviços conjuntos, para defenderem os seus mercados contra a entrada de grandes operadores europeus”, comenta um ex-gestor da CP.
Mas, por outro lado, “como o mercado ferroviário local é tão pequeno, não há muitas propostas para serviços concorrentes: na ligação Corunha-Porto aparecer a Arriva, porque tem o respaldo do gigante DB, que é quase indiferente à CP e à Renfe”, comentou outra fonte do sector. “Pode haver interesse da francesa SNCF apresentar propostas, associada à CP, para entrarem em Espanha com um serviço luso-francês”, admite outra fonte. Contactado pelo Jornal Económico, o presidente europeu da UIC, Francisco Cardoso dos Reis, não fez comentários.
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