Todos quantos fundam o seu pensamento e acção na defesa e promoção dos direitos humanos têm abundantes razões para estar preocupados e, sobretudo, para agir.

Não podemos ignorar o significado das imagens que todos os dias nos chegam, não podemos deixar de perceber as múltiplas regressões a que assistimos e, sobretudo, não podemos tolerar que um novo normal se instale, a pretexto de diferenças culturais que só a época das trevas justifica.

Todos temos direito à diferença, todos temos direito às tradições, mas também todos temos a obrigação de não negar os progressos que a humanidade conseguiu ao longo de séculos. Negar esses progressos, ou não os considerar como tal, é negarmo-nos a nós próprios e negarmos a nossa história.

Sim, há um adquirido de valores, de princípios que vimos acumulando e que moldaram o nosso modo de vida colectivo, sobretudo a partir do Século XVIII, que entendemos ser o modelo que deve ser um farol para toda a humanidade.

Ter algum tipo de dúvidas sobre a liberdade individual e colectiva, admitir que nem todos os seres humanos têm os mesmos direitos, individuais e colectivos, permitir que a igualdade, nomeadamente perante a lei, pode ser questionável, é um primeiro passo para concedermos que aceitamos colocar em causa conquistas civilizacionais de que nos orgulhamos.

É por isso que temos que estar conscientes que em matéria de direitos humanos nada está adquirido em definitivo.

Já todos vimos regressões que julgávamos impossíveis. Já todos vimos povos a comemorar a conquista da liberdade e a serem confrontados, tempos depois, com o sequestro dessas mesmas liberdades. Vemos, por vezes junto de nós, comportamentos que julgávamos impossíveis.

A luta pela liberdade exige a teimosia a que se refere Torga no seu poema, mas exige também, diria eu, persistência, constância e acção, porque, como a história nos ensina, nada está adquirido em definitivo.

Conquista

Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

Miguel Torga, in ‘Cântico do Homem’