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“Não existe uma cultura de pensar estrategicamente a Educação”

Mudar mentalidades e apostar na prospetiva para resolver problemas com uma visão de longo prazo é o caminho a seguir. Como será a escola dentro de 15 anos? Temos de começar a pensar nisso.
14 Setembro 2019, 18h00

Os dados demográficos existem mas não são usados para antecipar soluções. Falta elevar a prospetiva a ferramenta indispensável para prevenir em vez de reagir. Sem isso continuaremos a resolver os problemas em cima do joelho. Júlio Pedrosa corrobora: “falta uma visão sobre o futuro da educação com base em dados prospetivos da demografia”.

Em entrevista ao Educação Internacional, o ex-ministro analisa os últimos dados oficiais da Educação. Num retrato frio e realista, e em parcas palavras, será este: menos alunos, menos professores e menos escolas. Esta “trilogia” era expectável porque, na sua base, existe um grave problema demográfico. Não sendo um problema exclusivo de Portugal, há um problema que é nosso: não sabemos usar os dados que nos poderiam ajudar à tomada de decisão informada e a definir políticas públicas que antecipem a realidade.

Membro do Conselho de Curadores da Fundação Universidade de Aveiro de que foi reitor, é professor catedrático aposentado desde 2009 e mantém a sua qualidade de investigador do Centro de Investigação em Governança e Políticas Públicas, no âmbito do qual desenvolve investigação e estudos académicos.

Nasceu em 1945, em Cadima, concelho de Cantanhede, Coimbra, licenciou-se em Ciências Físico-Químicas na Universidade de Coimbra em 1967, e doutorou-se na University College Cardiff, em Inglaterra. Entre julho de 2001 e abril de 2002 assumiu a pasta da Educação com responsabilidades no ensino superior.

 

Portugal não para de perder alunos desde 2008/2009 e o número de professores e de escolas também está em queda acentuada. Que políticas públicas poderiam ser implementadas para estancar o problema?
A variação no número de alunos nos diversos ciclos educativos, da educação de infância à educação secundária, reflete o panorama demográfico do nosso país. A Educação Superior, por seu turno, tem outras influências, que explicam algumas variações observadas em sentidos opostos na última dezena de anos: mudança demográfica, programa Novas Oportunidades, expansão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, discursos públicos sobre o valor da Educação Superior…
Observam-se ainda, naturalmente, mudanças que decorrem da ampliação da escolaridade obrigatória, com uma exigência de ação urgente, continuada e muito bem preparada de valorização da Educação Profissional. O estigma criado com frequentes discursos negativos sobre as crianças com dificuldades de aprendizagem, que frequentemente são encaminhadas para esta via da Educação Secundária, requer paciente e bem pensado trabalho. Infelizmente, não existe em Portugal uma cultura e práticas de pensar estrategicamente a Educação. Por isso, não deve surpreender que não seja visível uma visão sobre o futuro da Educação com base em dados prospetivos da demografia.

Há dados prospetivos demográficos disponíveis para serem trabalhados?
Note-se que as crianças que iniciarão a escolaridade primária dentro de sete anos já nasceram! O que se tem passado com a rede de escolas e de outras infraestruturas e serviços padece da mesma doença. Basta pensar nos encerramentos de infraestruturas e serviços públicos de Educação, de Saúde e de Administração Pública em Regiões para as quais é urgente existir uma intervenção, com investimento público, fundamentada em linhas orientadoras e estratégias que respondam, de forma efetiva e sustentável, ao impacto social e económico das mudanças demográficas.

Interessará, ainda, que esta intervenção em regiões em perda de população residente, continuada, esteja integrada numa visão e orientação que pense o futuro para toda a oferta educativa pública no país inteiro. Os dados demográficos prospetivos estão disponíveis, falta é usá-los para estes fins de interesse geral.

 

As escolas estão a cumprir o seu papel? O que deve ser feito?
Pelo que atrás se disse, a Educação, sendo o serviço público que melhor serve o desenvolvimento humano (social, económico, cultural) requer uma cuidada análise prospetiva das variáveis que determinam a oferta, a qualidade e a sua adequação às exigências de desenvolvimento das pessoas e das suas comunidades de vida, de trabalho, de lazer.

As escolas da rede pública acolhem crianças e jovens muito diversos, reflexo do contexto social, cultural e familiar em que nasceram e crescem. O caminho feito no tempo pré-escolar e os seus percursos educativos refletem estas realidades e são um sério desafio às instituições e às pessoas que as servem. O trabalho dos professores é, pois, uma nobre e muito exigente missão, que precisa de ser adequadamente valorizada e enaltecida nos múltiplos e diversificados discursos públicos sobre Educação. Creio que, face aos desenvolvimentos e acontecimentos com impacto nesta tão relevante área de serviço público, seria aconselhável algum tempo de reflexão, de debate sereno e de estudo do que está a acontecer nas nossas escolas e jardins de infância, com empenhado envolvimento das Instituições de Educação Superior.

 

O que podem fazer as Instituições de Ensino Superior para enfrentar a mudança?
O elevado grau de exigência dos novos contextos e as imprevisíveis mudanças que vão acontecer apontam para a necessidade de uma oferta continuada de oportunidades de investigação e de formação de educadores, de professores e das lideranças.

As Instituições de Educação Superior (IES) têm hoje missões e desafios muito distintos dos que tiveram em períodos que apelavam à rápida expansão da oferta de formação de educadores e professores. Será razoável, também, desenhar uma estratégia e criar estímulos para o envolvimento das IES nas iniciativas necessárias.

Enfim, será tempo de usar os melhores saberes e experiências disponíveis para estimular o envolvimento dos pais nas escolas, impulsionando uma profunda mudança no modo de relacionamento das escolas com as famílias.

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