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“Não façam isso! Vão sufocar-me”. Gravações áudio relatam morte de Khashoggi por agentes sauditas

Jamal Khashoggi era um crítico aberto da monarquia vigente na Arábia Saudita e terá sido morto e desmembrado por agentes daquele país no consolado saudita em Istambul, em 2 de outubro de 2018.
11 Setembro 2019, 10h57

“Tenho asma. Não façam isso! Vão sufocar-me”, foram as últimas palavras audíveis de Jamal Khashoggi, de acordo com as transcrições das gravações de áudio do encontro entre o jornalista e os agentes sauditas que o assassinaram no interior do consulado da Arábia Saudita, em Istambul, em 2 de outubro de 2018. As gravações foram divulgadas pelo jornal turco pró-Recep Erdogan “Daily Sabah“, na segunda-feira, 9 de setembro.

De acordo com as gravações que detalham a troca de palavras entre Khashoggi e pelo menos outros 15 homens,  citadas pela imprensa de todo o mundo nos últimos dias, Khashoggi foi “apanhado” no consulado árabe porque precisava de levantar os documentos necessários para casar. Tendo conhecimento da ida do jornalista, que era colunista regular do jornal norte-americano “The Washington Post”, agentes dos serviços secretos da Arábia Saudita preparam uma emboscada que acabou com a morte, alegadamente premeditada, de Khashoggi.

Quando entrou no consulado, Khashoggi – que vivia nos EUA – foi recebido por um homem que se apresentou como oficial dos serviços secretos sauditas e guarda-costas do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, Maher Abdulaziz Mutreb, que o encaminhou para uma sala reservada. “Por favor, sente-se. Temos de o levar de volta [para Riade]” – disse Mutreb. Ao pedido, seguiu-se a novidade: “Há uma ordem da Interpol para que seja devolvido. Estamos aqui para o levar”.

O jornalista saudita rejeitou qualquer acusação e respondeu: “Não há processos contra mim. A minha noiva está à minha espera lá fora”.

À troca de palavras inicial seguiram-se os últimos dez minutos audíveis do jornalista assassinado. Mutreb, um rosto que seria familiar a Khashoggi, pediu ao jornalista escrevesse uma mensagem para o filho. “Escreva, senhor Jamal. Apresse-se! Ajude-nos a ajudá-lo porque no final levá-lo-emos de volta para a Arábia Saudita e, se não nos ajudar, sabe o que poderá acontecer eventualmente”, aconselhou o guarda-costas do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman depois do seu pedido inicial ter sido rejeitado.

Diante do impasse, Khashoggi acabou drogado e as últimas palavras terão sido: “Tenho asma. Não façam isso! Vão sufocar-me […]”. Em seguida ouve-se o som de uma serra alegadamente a desmembrar o corpo do jornalista, um procedimento que terá durado 30 minutos.

A tese de que o jornalista terá sido desmembrado depois do seu assassinato sai reforçada porque, de acordo com as transcrições do “Daily Sabah”, minutos antes do fatídico encontro de Khashoggi e os agentes dos serviços secretos sauditas, um médico forense, identificado como Salah Mohammed Abdah Tubaigy, descreveu o procedimento: “Trabalhei sempre com cadáveres. Sei cortar muito bem. Nunca trabalhei num corpo quente mas vou resolver facilmente o assunto. Normalmente, ponho os auscultadores e oiço música quando corto cadáveres. Enquanto isso, bebo o meu café e fumo. Depois de eu o desmembrar, vocês colocam as partes em sacos de plástico, de seguida em malas e retiram-nas do edifício”.

Uma morte ainda por decifrar
A morte do jornalista saudita ainda permanece um mistério, apesar de em janeiro deste ano, tal como a Turquia tinha pedido, as Nações Unidas (ONU) abriram uma investigação à morte de Kashoggi.

Jamal Khashoggi era um crítico aberto da monarquia vigente na Arábia Saudita e terá sido morto e desmembrado por agentes daquele país na Turquia (ainda que diplomaticamente o interior de um consolado seja território do respetivo país). Facto é que o desaparecimento do jornalista, cujo corpo nunca apareceu, desencadeou uma vaga de indignação e condenação da comunidade internacional.

A Turquia classificou a morte de Khashoggi como “assassínio premeditado” orquestrado pelo reino saudita. Mas as autoridades de Riade contestam a alegação, tendo começado por afirmar que o jornalista havia abandonado o edifício antes de desaparecer para, mais tarde, dizerem que foi morto numa operação não autorizada.

Ancara criticou repetidamente a falta de cooperação saudita, com Riade a argumentar que o assassínio foi cometido sem o seu consentimento. Entretanto, onze suspeitos pela morte de Khashoggi foram acusados pela Arábia Saudita, incluindo cinco que podem ser condenados à morte por acusações de terem “ordenado e cometido o crime”.

As autoridades sauditas já rejeitaram um pedido de extradição de um grupo de suspeitos, feito pela Turquia, que incluía dois funcionários próximos do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, acusado por Ancara de ter participado no plano do assassínio. Essas suspeitas recaíam sobre Ahmed al-Assiri e Saud al-Qahtani, que acabaram demitidos das suas funções em 20 de outubro de 2018.

Por residir nos EUA, pelos contornos incomuns da morte de Khashoggi e pelas relações sensíveis que o país mantém com turcos e sauditas, a administração Trump envolveu-se no caso – apesar de em fevereiro deste ano, Erdogan ter afirmado estranhar o “silêncio” norte-americano. Contudo, a CIA fez saber que o príncipe herdeiro saudita terá sido o mandante da morte do jornalista.

Em abril, o “Washington Post” noticiou que as autoridades sauditas tinham dado aos quatro filhos de Khashoggi “casas de um milhão de dólares” e “pagamentos mensais de cinco dígitos” como compensação pela morte do pai.

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