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“Não há solução perfeita ou indolor para a TAP”, diz confederação de turismo

O turismo em Portugal preocupa em queda de receitas e aumento de desemprego, mas o líder da CTP acredita na retoma. Defende a prorrogação do ‘lay-off’ e uma campanha de promoção interna.
7 Junho 2020, 11h00

Mesmo sem ter dados quantificados precisos e com as incertezas sobre o futuro que pairam no ar, o presidente da CTP – Confederação de Turismo de Portugal garante que o momento atual do setor em Portugal é “muito difícil para toda a cadeia de valor”, mas acredita na recuperação logo que a propagação da pandemia abrande, revelando que as regiões mais afectadas forma o Algarve, Lisboa, Porto e Norte e Madeira e evidenciando particular preocupação sobre o subsetor da animação turística.

Em entrevista ao Jornal Económico, Francisco Calheiros defende a prorrogação do regime especial de lay-off ou de uma medida similar por um mínimo de três meses suplementares, além de advogar a criação de uma linha de capitalização a fundo perdido para as empresas do setor; o ressurgimento do fundo de turismo capital de risco; a adopção de isenções fiscais em detrimento das atuais moratórias; assim como a supressão de taxas sobre as empresas durante o próximo verão.

Para relançar os níveis de atividade no setor, o presidente da CTP avança com a ideia de “uma grande campanha de turismo interno”, porque, no seu entender, “Portugal será em 2020 o melhor destino para os portugueses”. Continua a defender a construção do novo aeroporto no Montijo e a concessão de apoios à TAP como medidas imprescindíveis para sustentar no futuro a indústria de turismo em Portugal.

Francisco Calheiros distribui críticas pela burocracia que envolve as medidas do Governo e pelos atrasos da União Europeia no ataque ao impacto da pandemia, e acredita que fenómenos como o teletrabalho e a digitalização crescente vieram para ficar na indústria do turismo.

 

Já é possível ter uma ideia  do impacto negativo do surto do coronavírus na indústria  de turismo em Portugal desde que foi declarado o primeiro Estado de Emergência ?
O turismo, enquanto atividade que vive da deslocação de pessoas, foi a primeira indústria a sentir o impacto desta pandemia, ainda antes da declaração do primeiro Estado de Emergência. Os últimos números do INE, relativos a março, indicam uma queda de dormidas na ordem dos 60% e de hóspedes de cerca de 62%, face ao mês homólogo do ano passado. Com esta redução acentuada de turistas, os proveitos totais tiveram uma queda superior a 60% no mês de março. No último relatório semanal do INE, divulgado no passado dia 25, os setores do alojamento e restauração registavam quedas do volume de negócios na ordem dos 97%. Quanto ao emprego, os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) demonstram que o número de desempregados inscritos nos centros de emprego em abril disparou 22% face a abril de 2019, com a maior subida percentual a verificar-se no alojamento, restauração e similares (+60,6%). Em síntese, estes são números muito preocupantes que não traduzem toda a realidade da atividade, na medida em que o turismo é transversal à economia nacional e agrega muitas outras atividades como agências de viagens, animação turística e eventos, golfe, rent-a-car, companhias aéreas, etc. É preciso somar as perdas verificadas em todos estes setores para compreender a real dimensão do impacto desta pandemia no turismo.

 

É possível ter uma perspetiva sobre qual será esse impacto  no setor turístico nacional  até ao final deste ano  e, eventualmente,  nos anos seguintes?
Diria que é prematuro avançar com previsões a curto/médio prazo, uma vez que tudo depende ainda da evolução da pandemia. Ainda não existe um consenso alargado da parte da comunidade científica sobre a possibilidade de novas vagas ou surtos, que nos conduziriam inevitavelmente para a adoção de medidas mais restritivas. Ainda assim e ainda que o momento atual seja obviamente muito difícil para toda a cadeia de valor, acredito que, logo que a propagação da pandemia diminua, o turismo recupere e retome a linha de crescimento. O Governo está a tentar minimizar os danos com medidas com impacto financeiro, as empresas estão a fazer a melhor gestão dos seus recursos, os cidadãos estão mobilizados para evitar a propagação deste vírus. Vamos manter a frieza e olhar para o futuro com o otimismo possível.

 

No seu entender, quais foram/estão a ser os pontos fortes e fracos do desempenho do Governo no apoio ao setor do turismo em Portugal?
Como ponto forte, tenho de destacar a abertura e a disponibilidade do Governo para o diálogo com os agentes económicos desde o início desta pandemia e o esforço para a criação de medidas adequadas à evolução da situação. Reconhecemos neste executivo uma postura flexível e recetiva às nossas preocupações e uma tentativa de ir ajustando a sua política ao contexto económico. É fundamental que assim continue.

Como ponto fraco, destacaria a excessiva burocracia no acesso das empresas às linhas de apoio e também a morosidade nos pagamentos e nas respostas aos pedidos de lay-off. Não basta criar e anunciar medidas extraordinárias para apoiar a atividade: se não forem operacionalizadas com rapidez, não chegam a tempo à economia real e não salvam empresas nem postos de trabalho. Em relação às medidas a adotar, a CTP tem defendido e já apresentou ao Governo várias propostas, entre elas, a prorrogação do regime de lay-off simplificado, ou uma medida similar, no mínimo por mais três meses, uma linha de capitalização a fundo perdido para o turismo, o ressurgimento do fundo de turismo de capital de risco, as isenções fiscais, ao invés de moratórias, como o pagamento por conta, a supressão de taxas que incidem sobre as empresas para o período do próximo verão e uma grande campanha de turismo interno.

 

Que ajudas/apoios, financeiros e não só, espera a CTP vir a obter junto da União Europeia para ajudar a reanimar este setor de atividade?
A UE atrasou-se muito na reação a esta pandemia e demonstrou falta de solidariedade sobretudo para com os países mais atingidos como foi o caso da Espanha. Foi evidente a falta de estratégia europeia em termos de linhas de ajuda aos estados membros. Também já manifestámos a preocupação com o transporte aéreo, com a falta de decisão da UE. Como é evidente, a atividade turística depende muito do transporte aéreo e ainda não existem orientações precisas sobre a retoma desta atividade. Esta falta de atuação estendeu-se a outras áreas. Esperemos que este Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros agora anunciado possa vir a colmatar estas falhas.

 

De que forma é que o colapso gigantesco da indústria internacional da aviação poderá trazer ainda mais dissabores para o setor nacional do turismo e de que forma se poderá ultrapassar esse ‘bloqueio’?
O problema da aviação é um problema para o turismo, sobretudo para Portugal devido à sua localização geográfica. É preciso não esquecer que 95% dos turistas chegam ao nosso país por via aérea. Mais uma vez, acredito que uma boa parte da solução esteja na União Europeia e na sua capacidade de apoiar esta indústria crítica para a economia global.

 

Ainda nesta linha, como vê os problemas de grande e variada dimensão que atingiram a TAP, um dos principais ‘alimentadores’ do turismo em Portugal? Qual a solução melhor para o país e para o turismo nacional?
Não creio que haja uma solução perfeita ou indolor para a TAP, mas defendo que sejam acionados todos os mecanismos que nos permitam ter uma companhia forte e competitiva, seja com a ajuda de capitais públicos ou privados.

 

Tem sido defensor do arranque, o mais rapidamente possível, do projeto do aeroporto do Montijo. No seu entender, porque não arranca este investimento público? Nos cálculos da CTP, quanto dinheiro já perdeu a economia nacional e a indústria portuguesa do turismo com o atraso no arranque operacional desta infraestrutura?
Seguramente que muitos milhões de euros e muitos milhares de turistas. Apesar da crise pandémica, os pressupostos que estavam na origem da decisão de avançar para o aeroporto complementar do Montijo mantêm-se. Se não tivesse existido esta pandemia, seria o caos este ano no aeroporto de Lisboa.

Esta infraestrutura não deixou de ser de irrefutável benefício para o país e para a economia, bem pelo contrário: este é o momento de avançar para a única solução que responde em termos de custos, eficácia e competitividade a um problema que se arrasta desde há mais de 50 anos e não o de recuperar outras opções de localização que já foram amplamente discutidas e abandonadas.

 

Está previsto ou em preparação algum pacote específico de apoio ao turismo nacional junto dos decisores em Bruxelas? Se sim, quais serão as suas características e o seu montante estimado?
A União Europeia chegou recentemente a um consenso no que respeita ao Pacote para os Transportes e Turismo. Aguardamos agora que seja célere a determinar os prazos e condições para a sua implementação.

 

De que forma é que esta pandemia poderá ser encarada como um ponto de partida a favor da indústria do turismo em Portugal?
As empresas de turismo estão habituadas a lidar com a adversidade. São, inclusivé, as primeiras a recuperar das crises económicas e financeiras. Mesmo antes desta pandemia, as empresas já lidavam com outros problemas e ameaças, como as dificuldades de acesso ao financiamento e uma carga fiscal excessiva. Julgo que a inovação e a criatividade que distingue os nossos empresários, aliadas a um apoio mais robusto por parte do Governo serão preponderantes para a retoma da atividade. Também será de referir que os países mais poupados à pandemia, o caso de Portugal e da Grécia por exemplo, terão melhores condições para a recuperação.

 

Dentro do vasto setor do turismo em Portugal, quais são os subsetores mais afetados ?
Neste momento, um dos que mais nos preocupa é o da animação turística e eventos, uma vez que é aquele que comporta mais riscos do ponto de vista da saúde. Todos os festivais e espetáculos de natureza análoga estão por isso proibidos até final de setembro. A restauração e alojamento, pelo seu peso e contributo para a economia e emprego, é também uma preocupação nossa, bem como as agências de viagens, que se encontram numa situação muito difícil. É preciso não esquecer que estas registaram receitas de zero euros no período mais crítico, e a maioria sem poder recorrer ao lay-off por estarem com uma atividade intensa no que se refere ao repatriamento de turistas.

 

Neste particular, como vê o impacto sentido pelo segmento da hotelaria em Portugal e qual deverá ser a forma para sair desta crise?
Vejo com apreensão, naturalmente e acompanho a situação em permanência quer junto dos nossos associados, quer junto do Governo. O regresso à atividade está a exigir uma enorme capacidade de adaptação destas empresas em todos os domínios: na segurança dos clientes e dos profissionais, nas formas de funcionamento das unidades hoteleiras (buffets, pequenos-almoços, etc), nos sistemas de reserva, na formação dos recursos humanos, etc. Há um enorme conjunto de fatores críticos para o sucesso da retoma, mas não tenho dúvidas de que os nossos empresários estão à altura do desafio.

 

O impacto do coronavírus teve também intensidades diferentes em função das diversas regiões geográficas do país no que ao turismo respeita? Quais as regiões mais afetadas?
Sim, as regiões com mais procura turística foram naturalmente mais afetadas. Refiro-me ao Algarve, Área Metropolitana de Lisboa, Porto e Norte e Madeira, esta última particularmente afetada devido às limitações das ligações aéreas e ao peso do turismo no PIB e no emprego na região.

 

Tem a CTP ideia quantificada da travagem do investimento que estava previsto e em pipeline para o setor do turismo em Portugal devido ao surto do coronavírus, nomeadamente no setor da hotelaria?
Não temos essa informação quantificada. Existiam vários projetos de investimento, que ficaram suspensos e que, acredito que possam ser retomados no futuro. Como já referi, é difícil fazer previsões a médio/longo prazo. Não sabemos sequer o que poderá acontecer nas próximas semanas ou meses.

 

De que forma é que Portugal deverá beneficiar no setor do turismo nos próximos meses pelo facto de ter tido até ao momento uma evolução epidemiológica do vírus muito mais controlada do que outros destinos nossos concorrentes, europeus e não só?
Portugal, além de já ser reconhecido como um país seguro, vê também agora reconhecida a sua segurança sanitária. Naturalmente que a confiança dos turistas para viajarem para determinados destinos depende em muito da situação desses destinos no que se refere à sua realidade epidemiológica e às regras e medidas de segurança implementadas. Se tudo continuar a correr bem, esta será mais uma mensagem positiva para o exterior.

 

Concorda com a criação, anunciada pelo Governo, de ‘corredores turísticos’ para trazer para Portugal turistas de alguns dos principais mercados emissores, como o Reino Unido, Espanha ou França?
De uma forma geral, a CTP vê com bons olhos todas as propostas do Governo que promovam e facilitem o acesso dos turistas ao nosso país. A criação desses ‘corredores’ como solução pontual poderá representar, neste verão, uma forma de compensar uma parte das perdas.

 

No turismo nacional, o teletrabalho e a crescente utilização de meios digitais irão permanecer no futuro?
Sim, acredito que a pandemia acelerou e continue a acelerar os processos de digitalização nas empresas do turismo. No início deste ano, um estudo realizado pela Nova IMS – Information Management School, em parceria com a CTP, que analisou o impacto da economia digital na actividade turística e identificou o nível de maturidade das empresas nesta matéria, concluiu que o investimento em tecnologias digitais tem vindo a aumentar em 72% das empresas, sendo que o mesmo cresceu na ordem de 20,6% no último ano. Julgo que essa tendência se irá intensificar.

 

No seu entender, de que forma é que as entidades públicas que tutelam o setor deveriam promover, a nível interno e externo, a imagem do destino Portugal para reanimar este setor de atividade?
Nos próximos meses, o investimento deverá ser feito sobretudo no mercado interno, pelas contingências em que ainda nos encontramos. Julgo que existe um consenso nesta matéria com a tutela, que tem demonstrado enorme disponibilidade para o diálogo. A aposta terá de passar necessariamente por uma campanha de grande dimensão direcionada para o turismo interno, que mobilize os portugueses a fazerem férias no território. Esse esforço terá de ser assumido em conjunto pelas entidades públicas e privadas, com uma oferta inovadora e competitiva que permita criar novos fluxos internos e a descoberta de novos destinos no nosso país. Portugal será em 2020 o melhor destino para os portugueses.

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